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Governo busca petrodólares árabes, mas eles são só 0,25% dos investimentos

Presidente Jair Bolsonaro (PL) durante viagem a Dubai, nos Emirados Árabes Unidos - Alan Santos/PR
Presidente Jair Bolsonaro (PL) durante viagem a Dubai, nos Emirados Árabes Unidos Imagem: Alan Santos/PR

Fabrício de Castro

Do UOL, em Brasília

15/12/2021 04h00

Em busca de investimentos, o presidente Jair Bolsonaro (PL) visitou no fim de novembro três países árabes: Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Catar. Na ocasião, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a afirmar que o Brasil buscava "petrodólares" para financiar investimentos em infraestrutura.

Petrodólares são os dólares provenientes da venda de petróleo por países do Golfo Pérsico — como os três visitados por Bolsonaro — e por outros grandes exportadores, como Rússia e Venezuela. Muitos destes países aplicam as sobras de recursos em ativos financeiros, como títulos públicos e ações, e em projetos de infraestrutura em todo o mundo, em busca de rentabilidade.

Apesar da importância dada pelo governo de Jair Bolsonaro aos países árabes, historicamente os montantes aplicados por eles no Brasil correspondem a 0,251% do total investido em atividades produtivas. Em comparação, os Estados Unidos são responsáveis por 24% dos aportes produtivos.

Para economistas ouvidos pelo UOL, o Brasil não está preparado para receber investimentos de melhor qualidade, seja de onde for. Além disso, não faz sentido priorizar a atração de dinheiro árabe, já que Estados Unidos, China e países europeus possuem relação longa com o Brasil, que envolve cifras maiores. O governo diz que a ideia é justamente aumentar essa participação.

Segunda viagem a países árabes

Esta foi a segunda viagem de Bolsonaro aos países árabes desde sua posse, em 2019. Em outubro daquele ano, o presidente já havia visitado os Emirados Árabes Unidos, o Catar e a Arábia Saudita.

Na ocasião, assim como agora, o governo buscava atrair os petrodólares para projetos de infraestrutura. A visão era de que o Brasil atraía uma parcela muito pequena dos recursos dos fundos soberanos daqueles países, que chegavam à casa dos trilhões de dólares.

Os fundos soberanos são formados por dinheiro vindo da exportação de petróleo, para investimento em outros países.

Nos últimos anos, apesar dos esforços do governo, os números do investimento árabe no Brasil pouco mudaram.

Dados divulgados no fim de novembro pelo Banco Central mostram que os países árabes (Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Catar) representavam apenas 0,25% de todo o saldo de investimento direto no país (IDP) em 2020.

O montante ligado aos três países era de apenas US$ 1,3 bilhão no fim do ano passado, em um total de US$ 521,3 bilhões, considerando todos os países que investem no Brasil.

A Arábia Saudita não entrou na conta por ter aportes de IDP de valores pequenos no Brasil, abaixo dos US$ 2 milhões no fim de 2020. Por este motivo, o movimento do país árabe não é divulgado separadamente pelo BC.

Investimentos árabes

O IDP reúne investimentos feitos por estrangeiros no Brasil voltados para a construção de novas plantas produtivas ou para a compra de companhias já em funcionamento. No segundo caso, ele é contabilizado como IDP se o estrangeiro detiver mais de 10% de participação em alguma empresa que atue no Brasil.

No geral, o IDP é um tipo de investimento que é cobiçado pelos países. Por meio dele é possível aumentar a produtividade, a arrecadação de impostos e a geração de empregos.

O estoque de IDP de países árabes (Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Catar) pouco variou nos últimos anos. Apesar dos esforços do governo, houve queda desde que Bolsonaro assumiu a presidência. Além disso, o IDP dos árabes é muito menor que o de outros países, conforme os dados do Banco Central:

Investimento direto de países selecionados, por ano:

  • 2015: US$ 77 bi (EUA); US$ 37,5 bi (Espanha); US$ 21,3 bi (França); US$ 307 mi (países árabes)
  • 2016: US$ 104,2 bi (EUA); US$ 60,8 bi (Espanha); US$ 29 bi (França); US$ 1 bi (países árabes)
  • 2017: US$ 119,1 bi (EUA); US$ 64,6 bi (Espanha); US$ 35,7 bi (França); US$ 1,6 bi (países árabes)
  • 2018: US$ 117,6 bi (EUA); US$ 57,3 (Espanha); US$ 34,2 bi (França); US$ 2 bi (países árabes)
  • 2019: US$ 145,1 bi (EUA); US$ 79,1 (Espanha); US$ 41 bi (França); US$ 1,9 bi (países árabes)
  • 2020: US$ 123,9 bi (EUA); US$ 58,2 (Espanha); US$ 32,3 bi (França); US$ 1,3 bi (países árabes)

De 2015 a 2020, considerando todos os países, o estoque de investimento direto saltou de US$ 362,5 bilhões para US$ 521,3 bilhões.

Problemas estruturais afastam investidores

Apesar do aumento mais recente do IDP, economistas afirmam que o Brasil segue despreparado para receber investimentos. Há problemas de estrutura — como a deficiência na área de transportes — e excesso de burocracia.

Além disso, existe insegurança jurídica no Brasil. Na prática, quem aplica recursos por aqui não tem a certeza de que as regras do jogo não mudarão no meio do caminho.

O economista Otto Nogami, professor do Insper, afirma que o Brasil tem dificuldades para atrair o interesse de outros países.

Todo estrangeiro que não vive o ambiente econômico do Brasil fica um tanto quanto temeroso. Principalmente em relação ao atual governo, que não tem coerência no discurso. Não há uma predisposição do governo para canalizar investimentos. Até pela característica dos países árabes, eles poderiam ser grandes investidores do setor de petróleo. Mas existe o risco
Otto Nogami, economista

Para Nogami, causa estranheza que o governo de Jair Bolsonaro priorize a negociação com países árabes, em detrimento de parceiros históricos e de maior importância, como os Estados Unidos e os europeus.

Em outubro, antes mesmo da viagem ao Golfo Pérsico, Bolsonaro participou em Roma da cúpula do G20, grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo.

Os relatos foram de que o brasileiro foi incapaz de aprofundar discussões ou mesmo interagir com os chefes das maiores economias do planeta. Na prática, o Brasil perdeu uma oportunidade para fazer negócios.

"Historicamente, países como Reino Unido e França sempre foram grandes parceiros do Brasil no que diz respeito a investimentos", lembra Nogami. "Mas o que acontece agora? A preocupação da política externa é ter relação com países, digamos, mais 'tradicionalistas'. São famílias que comandam os países (árabes). Então, fica um diálogo com economias periféricas."

Piora do ambiente de negócios

Especialista em Economia Internacional, o professor Simão Davi Silber, da USP (Universidade de São Paulo), afirma que o ambiente de negócios no Brasil piorou "dramaticamente" nos últimos anos.

Segundo ele, as dúvidas sobre a capacidade de o governo Bolsonaro honrar suas dívidas atrapalham a entrada de IDP. Simão critica a estratégia de priorizar a parceria com países árabes.

Se o investimento estrangeiro fosse alemão, haveria uma tecnologia de altíssimo nível embutida. Países árabes não têm esta tecnologia. Um elemento essencial do investimento direto é justamente a transferência tecnológica
Simão Davi Silber, economista

Professor de Economia da UFS (Universidade Federal de Sergipe), Antony Mueller lembra que o Brasil foi beneficiado pela onda de investimentos após a Segunda Guerra Mundial. Na época, o país era atrativo por ter um mercado crescente. Além disso, a concorrência com outras regiões era menor.

Após a Segunda Guerra, outros países enfrentavam problemas como guerras civis e avanço da União Soviética. Assim, para uma empresa alemã, o Brasil era um caminho natural. Com o colapso da União Soviética [no início dos anos 1990], a situação mudou. Não adiantava mais ser atrativo por natureza. Agora, o Brasil paga o preço do atraso
Antony Mueller, professor da UFS

Conforme Mueller, mais do que buscar investimentos na Europa ou no Golfo Pérsico, o Brasil precisa resolver questões internas.

"A carga de impostos em si no Brasil não é exagerada. O problema é a complicação para declarar impostos", cita. "Também não é um problema ter regras. Na União Europeia, há regras fortes, mas confiáveis. No Brasil, de um momento para outro surge uma surpresa. Isso assusta o investidor."

Governo diz esperar mais investimento

A Secretaria de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia afirmou que, "apesar de atualmente os investimentos dos países árabes não serem expressivos (IDP de 0,25% do total investido no Brasil, em 2020), há grande expectativa de que esses fundos aumentem suas participações no país, que vão além do setor de infraestrutura".

A secretaria afirmou ainda que, em janeiro de 2020, os Emirados Árabes Unidos confirmaram acordo com o Brasil.

"Há interesse dos Emirados em utilizar seus fundos soberanos [dinheiro público] para investir em projetos de infraestrutura no Brasil, tais como rodovias, ferrovias, portos e aeroportos".