Reforma trabalhista e Estado mais forte: mercado critica propostas do PT
Sinalizações dadas nos últimos dias por membros da cúpula do PT sobre medidas econômicas em um eventual governo Lula já são alvo de críticas do mercado financeiro. Profissionais ouvidos pelo UOL afirmaram que propostas como reestatização de empresas, revogação da reforma trabalhista e fortalecimento dos investimentos do Estado podem ser prejudiciais para a economia.
Na segunda-feira (3), a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), presidente do PT, destacou a revogação, pela Argentina, da privatização de uma série de empresas do setor de energia. Além disso, citou o processo de revisão, pela Espanha, da reforma trabalhista de 2012. "Já temos o caminho", disse.
Na terça-feira (4), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou nas redes sociais as mudanças discutidas na Espanha. No mesmo dia, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que atuou nos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff, defendeu em artigo a retomada de políticas industriais e do que ele chamou de social-desenvolvimentismo.
Contraponto à política liberal —adotada pelo governo Bolsonaro— o desenvolvimentismo pressupõe maior atuação do Estado na economia, no lugar da iniciativa privada.
Em linhas gerais, a proposta sinalizada pelo PT é de retomada de políticas econômicas que se fizeram presentes principalmente a partir do segundo governo Lula (2007-2010) e no governo Dilma (2011-2016). Para os críticos, foram estas políticas que prejudicaram o equilíbrio fiscal do país nos últimos anos, com gastos acima das receitas.
Críticas às propostas
Para o economista Mauro Schneider, da MCM Consultores, as manifestações recentes da cúpula do PT sobre a economia são preocupantes, "porque tratam da defesa de coisas que não ajudaram o Brasil a crescer".
O país tem lutado para ter mais crescimento, mais desenvolvimento industrial. Mas a defesa de um Estado grande, com empresas e bancos em vários segmentos da economia, é equivocada. O essencial para o desenvolvimento econômico é educação, ciência e saúde -e não petróleo, energia elétrica e empréstimos bancários. Isso pode estar nas mãos da iniciativa privada, sendo regulado pelo setor público
Mauro Schneider, economista da MCM Consultores
Schneider afirma que esse é um dos dilemas não resolvidos no Brasil: a questão do tamanho do Estado, dos campos de atuação dele e de sua relação com o setor privado.
Propostas fora do tempo
Crítico do atual governo, o economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda no governo de José Sarney e sócio da Tendências Consultoria Integrada, também não se alinha às propostas do PT. Para ele, o debate sobre reestatização de companhias está fora de seu tempo.
É lamentável que auxiliares de quem lidera pesquisas de opinião façam declarações tão dissociadas do mundo moderno. Isso fazia sentido nos anos 1970, quando havia grande debate no mundo sobre o papel das estatais. Mas a discussão ficou para trás. A Europa privatizou todas as suas estatais. O Japão fez isso no fim do século 19
Maílson da Nóbrega, ex-ministro
Retrocesso
Para Ricardo Leite, líder da área de Renda Variável da Diagrama Investimentos, propostas como a suspensão da reforma trabalhista são um retrocesso. Ele também questiona o possível retorno de políticas desenvolvimentistas.
"Alguns economistas pregam o investimento do Estado para a geração de empregos. Mas sabemos que isso levou ao fracasso do segundo governo Lula e do governo Dilma", afirma. "Voltar para isso seria um desastre."
Discurso para base petista
Economistas críticos às propostas do PT, no entanto, não estão convencidos de que um novo governo Lula significaria um retorno a políticas adotadas principalmente durante o governo Dilma, de mais gastos do Estado. Mesmo porque não haveria espaço no Orçamento.
A visão geral é de que Lula, além de um exímio articulador político, é pragmático. Desse modo, ele adotaria a política econômica necessária para colocar a casa em ordem.
"Em 2002 [ano de sua primeira eleição], Lula seguia fiel às ideias equivocadas do PT. Mas em junho daquele ano, ele deu sinais de que abandonaria essas ideias, ao lançar a 'Carta ao Povo Brasileiro'", lembra o ex-ministro Maílson da Nóbrega.
Na carta, Lula sinalizou ao mercado financeiro que respeitaria contratos e que não haveria uma ruptura em relação à política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso.
Posteriormente, ele nomeou Antonio Palocci —um político afinado às ideias do mercado financeiro sobre o controle de gastos públicos— para o Ministério da Fazenda e o executivo de bancos Henrique Meirelles para o comando do Banco Central.
"Tendo a pensar que o discurso atual de Lula é para agradar a base atrasada do PT", diz Maílson. "Até porque Lula não fez isso quando era mais forte, no primeiro governo. Não acredito que ele vá reestatizar empresa que não precisa ser estatal. Não há justificativa técnica para isso."
Ricardo Leite, da Diagrama Investimentos, afirma que a própria aproximação de Lula com o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, antigo quadro do PSDB, é uma sinalização à direita.
"Independentemente de gostar ou não de Lula, é inegável que ele sabe fazer política como poucos", opina Leite. "O artigo de Mantega pode ter sido para avaliar a reação, para se negociar internamente uma política econômica mais conservadora, mais centrada."
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