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Guerra na Ucrânia eleva risco de alimento mais caro aqui, diz indústria

João Dornellas, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia)  - Divulgação/Abia
João Dornellas, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) Imagem: Divulgação/Abia

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo

26/02/2022 04h00

Resumo da notícia

  • Aumento de custos deveriam ter perdido força, mas seguem acontecendo, segundo Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia)
  • Presidente da entidade, João Dornellas, diz que aumento de custos é principal obstáculo do setor este ano
  • Delivery vai seguir puxando as vendas no mercado doméstico, mas exportações é que vão liderar faturamento

A indústria brasileira de alimentos deve ter neste ano um crescimento de vendas, como houve em 2021, mas o aumento de custos de produção é um obstáculo, diz João Dornellas, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), entidade que reúne cem produtoras de alimentos, bebidas, tecnologias e ingredientes, de portes pequeno, médio e grande, tanto brasileiras como multinacionais. A invasão da Ucrânia pela Rússia piora a situação e pode aumentar os preços dos alimentos.

Segundo o executivo, os custos dos insumos usados pela indústria (sementes, grãos, energia e combustíveis) estão demorando mais para parar de subir do que os empresários do setor esperavam.

Os fatores de pressão nos custos de produção têm impactado toda a cadeia produtiva, sendo que parte dos aumentos foi absorvido pela indústria de alimentos e bebidas. Porém, a indústria não tem capacidade de absorver 100% dos custos, e uma parte acaba se desdobrando no preço final dos alimentos.
João Dornellas, presidente executivo da Abia

Para Dornellas, também presidente do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar Nutricional de São Paulo), ex-vice-presidente da Nestlé do Brasil, os custos sobre as cadeias de produção precisam recuar ainda neste semestre para que a inflação de alimentos no Brasil comece a perder força.

Rússia x Ucrânia traz mais incertezas

Mas novas fontes de incertezas, como o conflito entre Rússia e Ucrânia, ameaçam estimular novos aumentos de preços de commodities e de petróleo, renovando pressões de custos da indústria e, por tabela, da inflação.

A tendência de alta dos preços, se mantida a situação de conflito, impacta diretamente nos custos de produção e nos preços de combustíveis no Brasil, bem como no dos materiais para embalagens plásticas derivados do petróleo, o que pode trazer desafios para a indústria de alimentos nacional.
João Dornellas, presidente executivo da Abia

Ano passado, as vendas da indústria brasileira de alimentos cresceram 16,9%, atingindo R$ 922,6 bilhões, puxadas pelas exportações, que avançaram 18,6%. Mas as vendas domésticas, que respondem por 73% do faturamento do setor, cresceram bem menos: 1,8%.

Veja abaixo os principais trechos da entrevista com o presidente executivo da Abia.

UOL: O setor vinha alertando sobre pressões de custos. Essa ameaça aumentou com a invasão da Ucrânia pela Rússia?

João Dornellas: É importante ressaltar que já temos uma alta demanda global por alimentos. Este é o principal fator de pressão sobre os custos de produção. Do lado da oferta, o setor vem enfrentando, desde o início de 2020, as rupturas, ainda presentes, nas cadeias globais de valor, que impactam os preços das matérias-primas, insumos e energia, com reflexos diretos nos custos de produção.

Os preços das commodities agrícolas no mundo também contribuem: segundo o Índice de Preços da FAO/ONU, eles atingiram o maior patamar em 10 anos, desde 2011, apresentando uma alta acumulada de 28,1% em 2021 em relação à média dos preços em 2020.

Outro fator muito relevante diz respeito às embalagens, onde a indústria de alimentos enfrentou altas de preços que chegaram a 100% e restrições na oferta, a exemplo das resinas plásticas.

Energia elétrica e derivados do petróleo tiveram intensificação do movimento de alta ao longo do ano devido à crise hídrica no plano interno e às restrições na oferta de energia no mundo. Esses itens, em conjunto, respondem por mais de 60% do custo de produção industrial do setor.

Agora, o conflito na Ucrânia pode trazer consequências globais e afetar, de alguma forma, todos os países que mantêm relações comerciais com a União Europeia, Estados Unidos, Rússia e Ucrânia. A Rússia é um dos principais fornecedores mundiais de petróleo, gás e derivados.

A tendência de alta dos preços, se mantida a situação de conflito, impacta diretamente nos custos de produção e nos preços de combustíveis no Brasil, bem como no dos materiais para embalagens plásticas derivados do petróleo, o que pode trazer desafios para a indústria de alimentos nacional.

Há então risco de que o setor precise repassar parte desse aumento de custos, ou a indústria ainda consegue absorver mais essas pressões com redução de margens?

As negociações entre as empresas do setor e as cadeias de varejo contextualizam-se em um cenário de livre mercado e de acordo com as estratégias comerciais de cada companhia. Podemos dizer, contudo, que o aumento nos custos dos alimentos para o consumidor sempre será motivo de preocupação para o setor.

Os fatores de pressão nos custos de produção têm impactado toda a cadeia produtiva, sendo que parte dos aumentos foi absorvido pela indústria de alimentos e bebidas. Porém, a indústria não tem capacidade de absorver 100% dos custos, e uma parte acaba se desdobrando no preço final dos alimentos.

Mas a entidade mantém a projeção para 2022 de uma expansão nas vendas em patamar semelhante ao de 2021. Isso quer dizer que o faturamento das exportações segue mais forte que o ritmo de expansão do mercado doméstico?

João Dornellas: Não há dúvida de que as exportações contribuem para os bons resultados da indústria de alimentos e, para 2022, essa tendência se manterá. Mas temos neste ano uma conjuntura que também pode favorecer a expansão do mercado doméstico. A alimentação fora do lar está crescendo, devido ao menor risco de restrições à circulação de pessoas. O setor de serviços voltou a funcionar plenamente e isso fortalece os estabelecimentos do food service, como bares e restaurantes, por exemplo.

Mesmo com a expansão moderada da economia brasileira, com estimativa do PIB entre 0,5% e 1%, mas combinada com expectativa de inflação em queda e a gradual recuperação do emprego, deve haver expansão das vendas internas.

Que segmentos vão puxar essa expansão no mercado doméstico - supermercados ou delivery?

Em 2021, o food service, que inclui o delivery, comprou 26,3% de tudo o que foi produzido, resultado melhor que o de 2020. Mas antes da crise sanitária, em 2019, o food service já representou 33% das vendas da indústria para o mercado interno. Então vemos uma tendência para 2022 que o segmento alcance entre 28% e 29% de participação. A alimentação fora do lar terá um papel extremamente relevante na expansão do mercado doméstico em 2022, movimento iniciado ainda em 2021.

Então essa tendência de aumento de participação de mercado da demanda por delivery veio para ficar, mesmo após a eventual superação da pandemia?

Acreditamos que sim. É um formato que agrada o consumidor pela praticidade e que, mesmo antes da pandemia, já vinha se destacando. As empresas têm investido na integração dos canais físicos com os digitais, no uso de aplicativos e na estruturação do e-commerce. Dessa forma, a experiência de compra e consumo a distância se tornou muito mais positiva e ganhou a confiança dos consumidores.

Com relação ao mercado externo, a demanda deve seguir forte, com preços também firmes?

O cenário das exportações é promissor diante do crescimento projetado para a economia mundial, de 4,4%, segundo o FMI, o que contribui para a expansão do consumo, além da perspectiva de preços firmes para as commodities agroindustriais e a manutenção da taxa de câmbio em patamar elevado.

Há um grande espaço para agregar valor às exportações brasileiras de alimentos por meio da diversificação de produtos e acesso a novos mercados, o que reforça a importância de novos acordos comerciais.

O setor abriu 21 mil postos de trabalho ano passado, chegando a 1,7 milhão de posições. Qual a expectativa para o mercado de trabalho no setor em 2022?

Mantido esse cenário de recuperação, o setor pode encerrar 2022 com resultados ainda melhores, gerando mais de 30 mil novos postos de trabalho.