Comida e petróleo fazem inflação resistir e ameaçar 2022, dizem analistas
Resumo da notícia
- Primeiros indicadores de preços em 2022 mostram que inflação resiste a ceder
- Alimentos e petróleo em alta são fontes de preocupação, dizem economistas
- Alta de juros e renda fraca podem ajudar a conter inflação, segundo economistas
Os primeiros indicadores de preços divulgados neste primeiro bimestre de 2022 acendem um sinal de alerta no radar dos economistas. A inflação está mais resistente que o esperado. Profissionais de instituições financeiras e especialistas em índices de preços já afirmam que a inflação neste ano deve ficar acima das projeções atuais do mercado, repetindo um filme já visto em 2021.
O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), índice oficial de inflação, divulgado nesta quarta-feira (9), mostrou alta de 0,54% em janeiro, a maior variação para um mês de janeiro desde 2016 (1,27%). Em janeiro de 2021, a variação mensal tinha sido bem menor, de apenas 0,25%.Nos últimos 12 meses, o IPCA acumula alta de 10,38%, acima dos 10,06% observados nos 12 meses imediatamente anteriores. Preços altos de comida e petróleo estão entre as principais causas da situação.
Antes, o dado do IGP-M (Índice Geral de Preços-Mercado), usado para reajuste de contratos, como os de aluguel, também tinha mostrado maior velocidade.
Segundo economistas, se essa tendência continuar ao longo deste primeiro semestre, a inflação no fim do ano será maior que os 5,44% atualmente previstos.
O que me preocupa é que mesmo considerando que essa inflação projetada hoje se confirme, uma inflação acima de 5% ainda é um patamar muito elevado, e, mais grave, ela se empilha sobre variações de 10% no ano passado e de 4,5% em 2020.
Guilherme Moreira, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fipe
Projeções estão crescendo
Mesmo essas projeções para a inflação em 2022, já consideradas elevadas pelos economistas, seguem subindo. No começo do ano, por exemplo, as estimativas feitas por mais de cem instituições financeiras e consultorias para o Boletim Focus, do Banco Central, apontavam um IPCA de 5,03%. Agora, esses mesmos especialistas já falam em IPCA de 5,44%.
Isso já aconteceu em 2021. No começo do ano passado, os economistas diziam que o IPCA anual seria de 3,3%. Mas no fim do ano o que se viu foi uma inflação de 10,06%, ou seja, três vezes maior que as projeções iniciais.
O que está atrapalhando a queda da inflação
Economistas que preveem inflação final em 2022 acima das projeções atuais estão preocupados em especial com alimentos e combustíveis, que influenciam diversos setores da economia e têm peso na cesta de consumo das famílias.
Alimentos: A seca na região Sul do país na passagem de 2021 para 2022 afetou a produção de culturas importantes, como soja e milho. Além de influir diretamente nos custos de alimentos, esses itens são insumos nas criações de animais, pressionando também a inflação de carnes (aves, suínos e bovinos).
No IPCA de janeiro, por exemplo o grupo alimentos e bebidas subiu 1,11%, ficando acima da variação de 0,84% no mês anterior.
O economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) Matheus Peçanha diz que já se esperava algum arrasto nos preços dos alimentos, ou seja, que a alta dos preços do ano passado provocasse alguma inflação neste ano, mas dentro de um diagnóstico de que isso passaria.
Entretanto, o que vemos é a renovação de algumas pressões de preços nos alimentos. Mesmo que seja um choque passageiro, que dure apenas o verão, vejo o risco de isso se espalhar na economia.
Matheus Peçanha, Ibre/FGV
Combustíveis: O preço do petróleo no mercado mundial ganhou novo fôlego neste ano por causa da atividade econômica mais forte no hemisfério norte e do receio de um conflito entre a Rússia -segundo maior produtor mundial- e a Ucrânia. Depois de subir 23% em 2021, o barril (tipo Brent) já avançou mais 17% neste ano.
O preço do barril pode ultrapassar os US$ 100, se o conflito se agravar. Portanto, mesmo diante de uma redução de impostos, o preço dos combustíveis deve aumentar.
Lucas Saqueto, economista da GO Associados
Dólar: A moeda, que foi um dos principais fatores de inflação no ano passado, também pode voltar a subir neste ano, avaliam economistas, que apontam dois motivos:
- Aumento dos juros nos Estados Unidos, o que fortalece o dólar em todo o mundo.
- Incertezas por causa das eleições presidenciais no Brasil, que podem afastar os investidores estrangeiros no segundo semestre.
Mesmo que o dólar já esteja valorizado, os riscos provocados pelas eleições aqui e pela alta de juros nos Estados Unidos devem voltar a causar volatilidade no câmbio.
Izis Ferreira, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC)
O que pode ajudar a segurar a inflação
Os economistas que já enxergam a inflação neste ano maior que as projeções apontam que essa diferença só não será tão grande quanto a que ocorreu em 2021 por causa de três fatores.
Juros: Diferentemente de 2021, quando a taxa básica de juros começou o ano em 2% e foi subindo ao longo dos meses, em 2022 a Selic já começa o ano em 10,75%.
Como juros mais elevados reduzem o consumo das famílias, os empresários terão mais dificuldade para repassar preços.
Desemprego e renda baixa: A renda média do trabalhador em novembro de 2021 (último dado levantado) está em R$ 2.449,00, o menor valor desde 2012, quando começou a atual série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE (Instituto Nacional de Geografia e Estatística), e 11,4% menor que um ano antes.
Além disso, o desemprego ainda afeta 12,4 milhões de brasileiros. Quem não tem emprego precisa poupar o máximo para economizar suas reservas. Quem tem emprego está com o rendimento achatado. Esse quadro também diminui espaço para que as famílias aceitem repasses de preços.
Preços já elevados: Como os preços já subiram muito no ano passado, as variações são percentualmente menores neste ano. Exemplo simples: quando o preço médio do litro da gasolina subiu de R$ 4,50 para R$ 6,00, isso representou um aumento de aproximadamente 33%. Ao subir mais R$ 1,50, indo para R$ 7,50, a variação é menor, de 25%.
O mesmo vale para outros itens que provocaram inflação em 2022, como dólar e energia elétrica: mesmo que subam neste ano, a variação percentual é menor porque a base de comparação é mais elevada.
Entramos em 2022 com a energia elétrica na pior bandeira possível, já com preços elevados. É improvável que tudo dê o mesmo salto que deu em 2021.
Guilherme Moreira, Fipe
Desconfiança atrapalha queda da inflação
Por outro lado, os economistas alertam que a inflação elevada por muito tempo vai deixando a população cada vez mais desconfiada. Por isso, na primeira oportunidade, as empresas vão tentar reajustar os preços.
Isso vale tanto para as grandes empresas, como para os micro, pequenos e médios empresários, que precisam recuperar parte das margens de lucro afetadas pelo encarecimento dos custos no ano passado.
Quanto mais tempo a inflação demorar para cair, maior será a desconfiança dos agentes econômicos. Isso cria um ambiente em que as expectativas de inflação só vão cair quando a inflação corrente começar a cair.
Everton Gonçalves, superintendente da assessoria econômica da ABBC (Associação Brasileira de Bancos)
Inflação deixa juros altos por mais tempo
O pior para as famílias nesse cenário é que a inflação persistente deve levar o Banco Central a manter os juros elevados também por mais tempo, dizem economistas.
Isso já foi sinalizado na última ata do Copom (Comitê de Política Monetária), texto no qual o Banco Central explicou nesta semana por que elevou os juros de 9,25% para 10,75%.
Vemos o Copom preocupado com a trajetória e as expectativas da inflação, indicando prosseguimento do ciclo de alta a um ritmo menos elevado, mas sem sinalizar a proximidade de seu fim.
Felipe Sichel, estrategista chefe do banco digital Modalmais
É por isso que parte do mercado já revisou para cima as expectativas de juros para este ano, que agora já superam 12%.
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