iFood ficou tão grande que prejudica empresas e clientes, dizem analistas
Resumo da notícia
- iFood avança no delivery de alimentos, pega mais de 80% de mercado, atrai críticas e processos na Justiça
- Especialistas e restaurantes dizem que avanço do iFood afeta concorrência e que conta será paga por consumidor
- iFood afirma que crescimento no mercado é resultado de inovações que agradam restaurantes e clientes
O iFood está mordendo fatias mais gordas do delivery de refeições no Brasil, com presença em cada vez mais negócios dessa cadeia, atraindo nessa expansão críticas de empresários de restaurantes, de concorrentes e de especialistas, em disputas que estão indo parar na Justiça.
Esse avanço é turbinado pela penetração da marca em mais negócios, como o fornecimento de embalagens e meios de pagamentos próprios, incluindo um vale-refeição recém-lançado. Para empresários e especialistas em comércio digital, a participação do iFood já cria barreiras à livre concorrência. O iFood rebate alegando que não representa ameaça à concorrência e destaca que os serviços lançados dão mais oportunidades e opções a restaurantes e consumidores.
Indicadores mostram avanço e quase um monopólio?
Lançado em 2011 baseado na venda de comida, o iFood começou a fazer entregas em 2015. A partir desse negócio, a companhia cresceu rapidamente, assumindo a liderança com larga folga.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), o setor inteiro de food service atingiu R$ 177 bilhões em 2021. A Abrasel diz que o delivery representa cerca de 20% das vendas do setor, apontando então para um mercado anual da ordem de R$ 35,5 bilhões aproximadamente.
O iFood hoje domina 83% do mercado de delivery de refeições no Brasil, segundo dados compilados pela Measurable IA, no ano passado, em levantamento que considera apenas as plataformas dedicadas a entregas de alimentos. Se incluída a atuação do WhatsApp, a participação do iFood fica em 68%, segundo outro levantamento, feito pelo Statista, até setembro de 2021.
Delivery food (Measurable IA até julho/2021)
- iFood: 83%
- Uber Eats: 13%
- Rappi: 4%
Entrega de comidas (Statista até setembro/2021)
- iFood: 68%
- Uber Eats: 10%
- WhatsApp: 7%
- Outros: 15%
Raio X do iFood
- Fundação: 2011
- Faturamento: Não divulgado
- Lucro: Não divulgado
- Funcionários: 4 mil
- Porcentagem do mercado de delivery: 83% (segundo Measurable IA)
- Entregas mensais: 60 milhões
- Entregadores: 410 mil (160 mil ativos na plataforma + 250 mil nos restaurantes)
- Restaurantes: 270 mil
- Cidades: 1,2 mil
- Investidores: Movile, Prosus, Just Eat
- Sede: Osasco (SP)
- Fundadores: Eduardo Baer, Felipe Ramos Fioravante, Gabriel Pinto, Guilherme Bonifacio, Patrick Sigrist
Por que iFood já representa ameaça a concorrência?
Para o Cade, uma empresa que detenha mais de 20% de participação em algum mercado já pode ser considerada uma potencial ameaça à livre concorrência. Mas além da participação de mercado há outros fatores considerados para definir se de fato uma empresa atua de forma prejudicial à disputa justa pelos consumidores, como a capacidade e influenciar o acesso de concorrentes aos consumidores.
Segundo concorrentes, especialistas e donos de restaurantes, o iFood já é uma ameaça à concorrência por causa de três fatores.
Participação de mercado: Como o iFood passou a dominar o mercado de delivery praticamente sozinho, a plataforma se tornou uma necessidade para qualquer restaurante que queira vender por meio de entregas. E o consumidor, por sua vez, se vê obrigado a virar usuário do aplicativo para ter acesso às opções de restaurantes.
Estamos cercados pelos dois fatores necessários para funcionar. Precisamos que os clientes cheguem ao estabelecimento e, depois, precisamos entregar os produtos. O iFood tem milhões de brasileiros e controla mais de 500 mil entregadores. O iFood escolhe quais são os campeões do nosso setor, dando a esses escolhidos as melhores condições de negócios, com maior visibilidade, por exemplo, e atraindo a clientela desses restaurantes.
Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel)
Contratos de exclusividade: Essa situação se torna ainda mais grave quando o líder passa a trabalhar com contratos de exclusividade, que forçam o varejista a aceitar as condições impostas, criando amarras que dificultam ainda mais a atuação dos concorrentes.
Os contratos que o iFood passou a estabelecer com restaurantes viraram alvo de um processo no Cade, aberto por concorrentes, como Uber Eats e Rappi, em ação que também passou a ter como parte interessada a Abrasel. Nesse processo, a Superintendência-Geral do órgão definiu de forma liminar (temporária) que o iFood fica impedido de firmar novos contratos de exclusividade.
No processo, a Rappi acusa essa estratégia de exclusividade do iFood de ser prejudicial à concorrência. Segundo a Rappi, os contratos são baseados em fortes incentivos à adesão dos restaurantes, e isso reduz o acesso de novas empresas no setor.
Justamente nesse contexto o Uber Eats anunciou em janeiro deste ano que sairia do Brasil. A empresa afirmou que a concentração foi um dos fatores que a levaram a essa decisão.
Avanço em outros negócios: Com a dominância, o iFood pode entrar em outras atividades dentro da cadeia do delivery de alimentos com vantagens comerciais. A plataforma pode, por exemplo, fazer venda casada: oferecer desconto se a compra for feita com um cartão do grupo.
Poder de controlar o acesso aos negócios
Beatriz Kira, pesquisadora de pós doutorado na Universidade britânica de Oxford, diz que o iFood não pode ser considerado um monopólio porque há outras empresas disputando o mesmo mercado. Mas ela destaca que a ameaça à livre concorrência também ocorre quando um grupo que domina um mercado usa estratégias consideradas abusivas graças à posição dominante que esse grupo possui.
Nesses ecossistemas interconectados, uma grande ameaça à livre concorrência é a atuação da empresa que controla os acessos à plataforma porque ela tem um poder relevante, que vai além do poder de participação de mercado.
Beatriz Kira, pesquisadora da Universidade de Oxford
Prejuízos para clientes finais com isso?
A presença do iFood em várias etapas da cadeia de alimentação permite que a plataforma possa escolher quais restaurantes podem vender mais ou menos, dependendo da forma pela qual as informações são apresentadas ao consumidor, diz a associação de restaurantes, afetando quem vende e quem compra.
Para os consumidores: O poder de mercado diminui o leque de escolhas do consumidor, afirma o professor de direito econômico e economia política da USP Diogo Coutinho.
Uma plataforma digital dominante pode usar seu poder para, em tese, tornar mais difícil que o consumidor opte por concorrentes.
Diogo Coutinho, professor de direito econômico e economia política da USP
Para os restaurantes: Segundo a Abrasel e a Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), o iFood consegue entrar em novos negócios com taxas mais competitivas porque se financia com o dinheiro que recebe do negócio principal -as taxas cobradas dos restaurantes para fazer as entregas. Mas à medida que vai crescendo nos novos mercados, a plataforma pode apertar mais os estabelecimentos de bares e restaurantes com taxas mais elevadas.
iFood lançou seu próprio vale-refeição
Um exemplo do avanço da empresa sobre outras áreas é a criação de um vale-refeição próprio, no fim do ano passado. A ABBT acusa o iFood de aproveitar seu poderio econômico para fazer concorrência desleal no setor de vale-alimentação.
Segundo a ABBT, a empresa estaria induzindo ao uso de seu produto. Por isso a entidade estuda entrar com uma ação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A associação reúne companhias de vale-refeição e vale-alimentação como Alelo, VR, Sodexo e Ticket.
Em novembro do ano passado, houve mudanças nas regras de vale-alimentação. Uma delas é a portabilidade: o trabalhador poderá transferir o crédito acumulado em um cartão para outra bandeira.
Os cartões de vale-refeição e vale-alimentação do iFood permitem receber créditos do trabalhador de outra bandeira com uma vantagem: o cliente que fizer isso terá cashback.
Como reduzir efeitos negativos desse domínio?
Segundo especialistas, a atuação do iFood já justifica uma interferência do Cade, estabelecendo regras que reduzam o poder de mercado da plataforma e amplie o acesso de concorrentes aos consumidores. Entre as medidas que poderiam ser tomadas, estão:
- Colocar restrições aos contratos de exclusividade
- Garantir que a plataforma dê acesso de maneira isonômica a todos os usuários
- Permitir que usuário contrate serviços de terceiros de maneira isonômica
O que diz o iFood
O iFood rebate as acusações de que atua de forma abusiva e defende que a empresa representa oportunidades para quem vende e mais opções para quem compra.
Sobre contratos de exclusividade: O diretor jurídico do iFood, Lucas Pittioni, diz que exclusividade não é uma prática ilegal na legislação concorrencial, mas um tipo de acordo que permite fazer investimentos em parceiros e impedir que a concorrência pegue carona nos investimentos feitos.
Exclusividade não é uma prática ilegal na legislação concorrencial nem no Brasil nem no exterior. Tem restaurantes exclusivos do iFood, tem restaurantes exclusivos da Rappi e havia do Uber Eats. A exclusividade é um acordo que permite fazer investimentos no parceiro, investimentos em marketing, em expansão geográfica. O objetivo desse contrato é impedir que a concorrência pegue carona nos investimentos feitos.
Lucas Pittioni, diretor jurídico do iFood
Dominância de mercado: O iFood afirma que as plataformas de delivery representam menos de 40% dos pedidos de refeições feitos aos restaurantes, que contam ainda com outros meios, como o Whatsapp e aplicativos próprios.
Entradas em novos negócios: Segundo o iFood, os movimentos feitos para entrar em novas verticais ampliam as oportunidades para restaurantes e consumidores e que nenhum restaurante é obrigado a aderir aos outros produtos.
Sobre a atuação no mercado de benefícios do trabalhador, o iFood disse que ainda não existe portabilidade, que o trabalhador ainda não pode transferir crédito acumulado de uma bandeira para outra e que a empresa não faz oferta de cash-back.
A gente entende que os movimentos que o iFood fez de entrar em novas verticais na verdade ampliam as oportunidades para restaurantes e consumidores.
Lucas Pittioni, diretor jurídico do iFood
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