Quem foi a brasileira que revolucionou a luta das trabalhadoras domésticas
O movimento sindical dos trabalhadores domésticos brasileiros nasceu em Santos (SP), em 1936, por iniciativa de Laudelina de Campos Melo, a dona Nina. Ela e outras pioneiras perceberam que não tinham direito à sindicalização ou à proteção pelas leis vigentes e se uniram.
Quase 90 anos depois, o país tem mais de 5 milhões de pessoas nessa categoria, sendo que quase 70% delas sequer têm carteira assinada. Durante a pandemia, mais de 1 milhão de postos de trabalho nesse setor foram destruídos no Brasil.
O cenário só não é pior porque a mineira de Poços de Caldas, que nasceu em 1904, menos de 20 anos depois da declaração de abolição da escravatura (1888), passou a atuar de organizações sociais do movimento negro quando se mudou para Santos nos anos 20.
Ela tinha 16 anos quando recebeu o primeiro salário. Abandonou a escola para cuidar dos irmãos menores e trabalhava desde os 7 enquanto a mãe era doceira e lavadeira de um hotel da cidade.
Seu ativismo foi essencial para a categoria —e por extensão para as mulheres negras. Os primeiros direitos trabalhistas, como carteira assinada e previdência social, vieram só em 1972, com muitas restrições, mas ali foi o princípio da luta.
Para se ter uma ideia, nessa época, o serviço doméstico era mencionado nas leis sanitárias e policiais, mas somente com o intuito de proteger a sociedade contra as trabalhadoras domésticas. Elas eram vistas explicitamente como ameaças em potencial às famílias empregadoras.
"Se ainda hoje a associação entre escravidão, trabalho doméstico e negro ainda está no imaginário social, sem dúvida nenhuma nas primeiras décadas do século 20 isso ainda era muito presente", escreveu o sociólogo Joaze Bernardino-Costa, em sua tese de doutorado pela UnB (Universidade de Brasília).
Mesmo a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que unificou em 1943 as leis trabalhistas existentes até então, não trariam benefícios para os trabalhadores domésticos.
"A maioria delas trabalharam 23 anos e morriam na rua, pedindo esmola. Lá em Santos, a gente andou cuidando, tratou delas até a morte. Era um resíduo da escravidão, porque era tudo descendente de escravo", disse Laudelina em entrevista à educadora Elisabete Pinto, que publicou uma dissertação de mestrado pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Na década de 1930, já morando em São Paulo, Laudelina se filiou ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), militou pela FNB (Frente Negra Brasileira), entidade do movimento negro que também seria reconhecida como partido, e fundou a primeira associação de trabalhadores domésticos do Brasil, em Santos.
Naquela época surgiriam também outras entidades da categoria em território paulista, que, junto à FNB e tantos grupos políticos, culturais e classistas, acabariam perseguidos e fechados durante a ditadura de Getúlio Vargas no Estado Novo (1937-1945).
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Laudelina se alistou para trabalhar como auxiliar de guerra no país. "Hitler foi o maior carrasco que existia naquela época. Dizia no Livro Azul que ele eliminaria todas as raças que não fossem arianas, principalmente a raça negra seria eliminada. Então aquilo me levou, me trouxe uma revolta dentro de mim. Resolvi me alistar para servir a pátria", explicou Laudelina a Elisabete Pinto.
Ela atuaria como trabalhadora doméstica até meados dos anos 1950, quando morava em Campinas (SP) e passou a ganhar dinheiro por meio uma pensão que montou e de salgados que vendia em campos de futebol.
A associação fundada por ela havia voltado a funcionar com o fim da ditadura varguista, mas a trajetória de perseguições não havia acabado.
Com o golpe militar de 1964, que instituiu novamente uma ditadura no país, a associação dos trabalhadores domésticos precisou se abrigar no partido UDN (União Democrática Nacional), cuja principal liderança era Carlos Lacerda, para não fechar as portas.
Doente, Laudelina acabou se afastando de sua entidade no fim dos anos 1960, e só voltaria a ela já no fim da ditadura, a pedido de amigas e companheiras.
Em 1988, com a promulgação da nova Constituição, a associação finalmente se tornaria um sindicato.
Laudelina morreria em 1991, aos 86 anos de idade, em Campinas.
Ela não viveu para ver a aprovação da chamada PEC das Domésticas, em 2013, que garantiu os mesmos direitos para trabalhadores domésticos que outros profissionais já tinham, como jornada de trabalho de 44 horas semanais, com limite de oito horas diárias, o pagamento de hora-extra e recolhimento de FGTS.
"(A trajetória de Laudelina) foi fundamental para a organização da categoria na busca de direitos. Laudelina também levantou, através da sua atuação sindical, bandeiras contra o preconceito racial e contra a discriminação das mulheres", afirma a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas.
(Com BBC Brasil)
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