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Carrefour exigiu dados sigilosos sobre produtos, diz indústria de alimentos

Marcos Hermanson Pomar

De O Joio e o Trigo

03/06/2022 04h00Atualizada em 03/06/2022 12h53

Um email anexado pela Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) a um processo judicial mostra que em agosto do ano passado o Carrefour passou a solicitar informações nutricionais específicas sobre produtos - não exigidas como de exibição obrigatória pela atual regra de rotulagem —a fornecedores de alimentos da rede.

Entre as informações exigidas pelo Carrefour estavam o "modo de preparo" dos produtos, a quantidade de açúcares totais e a quantidade percentual de frutas, legumes, verduras, castanhas, óleo de canola e azeite.

A mensagem foi enviada pelo gerente de planejamento comercial de perecíveis do Carrefour, Frederico Rezende Gomes, a uma ou mais empresas associadas da Abia. O vídeo tutorial linkado ao final da mensagem tem 148 visualizações, o que indica que as exigências foram feitas a uma série de fornecedores simultaneamente.

Segundo o texto, o fornecimento dessas informações seria obrigatório a partir de 1º de setembro de 2021 e condição para "conclusão do cadastro" no Portal de Fornecedores do Carrefour.

"Peço atenção ao tema pois a partir da data em questão [1º de setembro] estas informações passam a ser indispensáveis para a conclusão do cadastro", escreve Gomes na mensagem.

Em nota enviada ao Joio, o Carrefour nega que tenha condicionado o fornecimento de informações à comercialização dos produtos na rede: "A empresa não condicionou o cadastro dos produtos ao envio das informações à venda dos mesmos na rede".

O e-mail enviado por Gomes explica que as mudanças se aplicam aos setores de "salsicharia", que contém frios e carnes embutidas, "seca [produtos alimentícios secos]", "PAS [produtos de alta saída]", que engloba laticínios e massas congeladas, e "líquida exceto alcoólicos", o que inclui sucos, refrigerantes e energéticos. Em resumo, à maior parte da seção de alimentos do supermercado.

Entre as informações solicitadas está o modo de preparo, "quando necessário" - o e-mail não informa quais categorias estariam sujeitas à essa exigência - a quantidade de açúcar, e o percentual de composição de frutas, legumes, verduras, óleo de canola, castanhas e azeite em cada produto.

Nutri Escolha

O objetivo da requisição era abastecer o aplicativo Nutri Escolha, do Carrefour, que dá notas de "A" a "E" para os produtos vendidos na rede e promete facilitar escolhas mais baratas e saudáveis.

O aplicativo utiliza o método Nutri Score, criado na França e utilizado de maneira voluntária por fabricantes de alimentos naquele país.

O Nutri Score utiliza a percentagem de óleo de canola, castanhas, frutas, legumes e verduras para conferir pontos positivos aos produtos, e o teor de açúcar, sal e gorduras para conferir pontos negativos.

Somados, os pontos resultam em uma nota que vai de "A" a "E". Quanto mais próximo de "A", mais saudável, e vice-versa.

Prints de telas exibidas no aplicativo Nutri Escolha, do Carrefour  - Reprodução - Reprodução
Prints de telas exibidas no aplicativo Nutri Escolha, do Carrefour
Imagem: Reprodução

Briga de gigantes

Em julho do ano passado a Abia denunciou o app do Carrefour na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça - em uma disputa que gerou troca de acusações entre a associação e o Carrefour.

A alegação é de que o algoritmo fere o sistema de lupa adotado pela Anvisa, cria desequilíbrios concorrenciais e privilegia produtos de marca própria do Carrefour.

A Associação também questiona o uso dos dados pelo Carrefour, alegando que a rede não tem transparência em relação às informações recebidas, podendo utilizá-las para fins não declarados.

Implícita, está a preocupação de que o Carrefour utilize essas informações para fortalecer sua estratégia de Marca Própria - aproveitando dados utilizados pelos fornecedores para aprimorar produtos vendidos sob o selo "Carrefour".

Hoje, 15,3% da receita líquida total de alimentos do Carrefour é composta por produtos de marca própria, que custam em média 30% menos quando comparados a marcas líderes de mercado.

Em 2020, a multinacional varejista tinha, no Brasil, 2.769 produtos alimentares comercializados sob marca própria, 600 deles lançados apenas naquele ano.

Derrota na Senacon

Menos de um mês após a denúncia protocolada pela Abia, a Senacon determinou a suspensão do Nutri Escolha, alegando que o aplicativo induz o consumidor em erro e dá notas altas para produtos ultraprocessados - contra recomendação do Guia Alimentar para a População Brasileira.

Foi então que o Carrefour ingressou com mandado de segurança na Justiça Federal, alegando que havia tido o direito à ampla defesa cerceado pela Senacon.

Na tentativa de participar do processo como amicus curiae (amiga da corte), a Abia colacionou aos autos o e-mail que mostra a exigência de informações sigilosas feita pelo Carrefour.

"Trata-se de exigir das empresas informações nutricionais sobre os produtos
fornecidos [...] como condição para o cadastramento do produto a ser comercializado pelo Carrefour", argumentou a associação na peça processual. "Ou seja: ou apresenta as informações, ou fica impedido de fornecer ao Carrefour e vender em seus estabelecimentos".

Para a entidade, a prática do Carrefour configura abuso de poder econômico e afronta ao segredo comercial das fornecedoras.

A resposta do Carrefour

O Carrefour é a maior rede de supermercados do Brasil, com 72 mil funcionários e 498 lojas físicas espalhadas pelo país. Em março de 2021, a empresa anunciou a compra do BIG (antigo Walmart), à época a terceira maior rede do país.

Veja a seguir a íntegra da resposta do Carrefour:

"O Nutri Escolha tem como objetivo proporcionar informações para que o consumidor realize
suas compras de forma mais consciente, facilitando suas escolhas alimentares. A
pontuação nutricional, advinda da metodologia Nutri-Score, alerta sobre a importância
consumo moderado e equilibrado.

"A empresa não condicionou o cadastro dos produtos ao envio das informações à venda dos
mesmos na rede. Reforçamos também que não há qualquer favorecimento dos produtos de
marca própria."