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Mulher é advertida por fazer cocô 'fora de hora' durante o trabalho no RJ

A trabalhadora conta que sua supervisora a advertiu por ter usado o banheiro em horário de expediente - Maurício Businari/Cortesia
A trabalhadora conta que sua supervisora a advertiu por ter usado o banheiro em horário de expediente Imagem: Maurício Businari/Cortesia

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

04/06/2022 04h00Atualizada em 07/06/2022 15h04

Uma trabalhadora de 24 anos, moradora do Rio de Janeiro, foi advertida nesta semana pela supervisora da empresa para a qual trabalha por ter feito cocô "fora de hora". Inconformada com a situação, ela resolveu desabafar em uma postagem no Twitter que rapidamente teve mais de 35 mil interações.

Em entrevista ao UOL, a jovem, que pediu para não ter o nome divulgado, contou que está chocada com a atitude da empresa, que ela considerou humilhante, e, por isso, resolveu tornar pública a situação. Ela acredita que outros trabalhadores devem ser alertados de que nem todas as vagas oferecidas por empresas internacionais são garantia de trabalho justo e reconhecido.

"Encontrei essa vaga no Linkedin e enviei meu currículo. Fui chamada, passei uma semana em treinamento, durante 8 horas por dia, sem ganhar nada. Era uma empresa da Jamaica, que contrata serviços terceirizados de atendimento ao cliente para uma outra empresa, americana. Depois fui contratada e passei outras duas semanas em treinamento, dessa vez, remuneradas. Aprendi tudo sobre o serviço, mas em momento algum nos foi falado sobre as condições de trabalho".

A jovem I. C., 24, chegou a fazer um post no Twitter para manifestar sua indignação - Reprodução/Redes Sociais - Reprodução/Redes Sociais
A jovem de 24 anos chegou a fazer uma postagem no Twitter para manifestar sua indignação
Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Segundo ela, logo nos primeiros dias ela desconfiou de que havia "algo errado" no trabalho, em formato remoto. A supervisora que estava dando treinamento online passou mal em uma ocasião, chegando a vomitar sem desligar a câmera. "Ela apenas limpou a boca e continuou. Achei aquilo estranho, horrível mesmo, mas não desconfiava do que viria depois".

"Fora de hora"

Do modo mais difícil, a jovem descobriu que não podia sequer usar o banheiro fora dos horários estipulados para os intervalos. No início da semana, ela teve que usar o banheiro para fazer cocô durante o expediente algumas vezes e acabou sendo advertida pela supervisora.

Ela me falou que eu só tinha direito ao 'Bio Break' ("Pausa biológica", em tradução livre), que é como eles chamam, durante os intervalos permitidos. Foi quando eu entendi porque a treinadora nem havia desligado a câmera para vomitar. Eles monitoram tudo e, quando não descontam do seu salário os minutos ausentes, demitem. Eu acho que fui umas 2 vezes no banheiro e gastei uns 2, 3 minutos para cada vez. Chorei muito quando ela me deu a bronca, me senti invadida, humilhada.

Ela conta que, a cada 8 horas de trabalho, ela tem direito a uma hora de intervalo, fracionada. "Eu tinha direito a 15 minutos de intervalo de manhã, 30 minutos de almoço e 15 minutos de intervalo à tarde. Era quando eu podia usar o banheiro. Hora extra, nem pensar".

Além disso, a jovem diz que foi obrigada a fornecer os próprios equipamentos para o trabalho. Computador, fones de ouvido com interrupção de ruído. A empresa pagava apenas um plano de internet.

"Fui obrigada a instalar um software de monitoramento no meu computador. Eles (a empresa) verificavam cada clicada no mouse, digitação no teclado, sites que visitava. Se eu fizesse algo que não estivesse incluído no trabalho, poderia receber advertência e até ser demitida".

Com um salário de R$ 2,5 mil por mês, a jovem diz que se sente aliviada por seu contrato ser de curta duração. "Nem adiantaria eu pedir demissão agora, porque além de não receber nenhum direito, ainda teria que cumprir 30 dias de aviso previsto em contrato. O jeito é esperar esse inferno acabar".

O que dizem os especialistas

Especialista em direito trabalhista, o advogado Djalma Lúcio da Costa afirma que não importa a qual país a empresa contratante pertença, ela tem que se submeter às leis do país onde contrata. "A contratação de empregados brasileiros por empresas internacionais é válida, mas ela deve se submeter ao escrutínio das leis brasileiras".

De acordo com o advogado, não existe nas leis brasileiras ou no sistema jurídico trabalhista comentários, discussões ou jurisprudência sobre o "intervalo biológico". Além disso, em jornadas de 8 horas, a pausa de uma hora não pode ser fracionada.

"Somente nos casos de jornada de 6 horas o funcionário teria direito a uma pausa de 20 minutos e duas pausas de 10 minutos", afirma Djalma, referindo-se à praxe geralmente praticada por empresas que trabalham com telemarketing. Porém, ele avisa que isso é apenas um exemplo do que é praticado por essas empresas e não está previsto na legislação brasileira, que determina uma pausa para descanso de 15 minutos. "O que for a mais é facultativo pelo empregador e pode acontecer sempre a mais, e nunca a menos. Também não se pode dividir a pausa em frações menores."

A psicóloga especialista em recursos humanos Patrícia Ansarah disse ao UOL que saber de um caso como o de jovem carioca no dia em que se comemora o dia do profissional de RH é, para ela, "simplesmente chocante".

"Infelizmente, casos assim ainda acontecem e precisamos nos mobilizar para que as empresas finalmente assumam a sua responsabilidade social. As empresas que têm interesse em crescer em outros países devem seguir com rigor as legislações locais. No caso dessa funcionária, claramente isso não aconteceu".

Segundo Patrícia, cofundadora do Instituto Internacional em Segurança Psicológica, nas jornadas previstas pela CLT, sejam elas de 4, 6 ou 8 horas, estão incluídas todas as necessidades básicas que um funcionário tem. "Desde pausas de alimentação e também as necessidades biológicas. O trabalho deve ser mensurado pela performance, pelo nível de entrega de um funcionário", declarou.

Ela frisa ainda que o tipo de controle imposto por empresas como a descrita "só demonstra o quanto essa empresa não está cumprindo as regras da CLT, desrespeitando o trabalhador e prestando um desserviço à sociedade em geral".