Risco de faltar diesel é maior no Norte e Nordeste, dizem importadores
O risco de desabastecimento de óleo diesel no Brasil nos próximos meses, reconhecido pela própria Petrobras, é maior no Norte e no Nordeste, regiões mais dependentes da importação de combustível, segundo o presidente executivo da Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis), Sergio Araujo.
"As regiões mais sensíveis ao eventual desabastecimento são as mais distantes das refinarias nacionais, ou seja, regiões que dependem de volume importado ou de óleo enviado por outras partes do país", afirma. "No Norte e no Nordeste, há poucas refinarias instaladas."
O Nordeste tem hoje três refinarias produtoras de diesel: Abreu e Lima, em Pernambuco; Potiguar Clara Camarão, no Rio Grande do Norte; e Mataripe, na Bahia. Já o Norte tem uma refinaria: Isaac Sabbá, no Amazonas. Em comparação, há quatro refinarias produtoras de diesel só no estado de São Paulo.
As regiões abastecidas pelas refinarias brasileiras têm risco muito menor, na comparação com as regiões que estão distantes das refinarias. No Norte e no Nordeste, o somatório do diesel das quatro refinarias não é suficiente para atender à demanda das regiões.
Sergio Araujo, presidente da Abicom
Postos funcionam normalmente, com problemas pontuais
O presidente da Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes), James Thorp Neto, afirma que ainda não há desabastecimento de diesel nos postos brasileiros, em nenhuma região.
"Fizemos uma consulta em todo o Brasil. O que existem são casos pontuais de dificuldades de comprar diesel. Ainda não temos desabastecimento", afirma.
Segundo ele, eventual desabastecimento em áreas do Norte e do Nordeste dependerá da oferta de combustível pela Petrobras e da necessidade de importação do produto nos próximos meses.
"Caso haja alguma região específica que não seja atendida pela Petrobras, essa região passará provavelmente por maior dependência do produto importado", explica Thorp Neto.
Conforme o diretor institucional da Brasilcom (Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Gás Natural e Biocombustíveis), Sergio Massillon, "como a Petrobras não tem capacidade de atender toda a demanda de diesel no país, se faz necessário complementar a produção nacional com volumes importados", explica.
Questionado sobre as regiões mais vulneráveis ao desabastecimento, Massillon afirmou que a pergunta é de "difícil resposta".
"A decisão de suprir essa ou aquela região depende da capacidade logística e financeira das distribuidoras", diz. "Depende também de sua disposição em importar preços que gerarão, pela defasagem [de preços], prejuízos com a venda [do diesel]."
A Brasilcom reúne atualmente 41 distribuidoras regionais de combustíveis.
Petrobras alerta sobre risco de faltar diesel
Em 25 de março, a Petrobras enviou ofício ao MME (Ministério de Minas e Energia) e à ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) alertando para o risco de, nos próximos meses, haver desabastecimento.
Atualmente, conforme o ministério, o Brasil importa cerca de 30% do diesel consumido internamente. Representantes do setor de combustíveis citam percentual mais próximo de 25%. A outra fatia é produzida nas refinarias brasileiras.
Nos últimos meses, o comércio de diesel vem sendo prejudicado por fatores conjunturais. Em primeiro lugar, os países enfrentam um período de oferta menor de combustível, na esteira de eventos como a pandemia de covid-19 e a guerra entre Rússia e Ucrânia.
"A relação entre oferta e demanda de diesel, no mundo todo, está apertada. Quando houve a pandemia, a demanda, caiu e muitas refinarias foram fechadas no mundo", explica o professor de Planejamento Energético Mauricio Tolmasquim, da Coppe/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro). "Com a retomada da economia, a demanda por diesel cresceu muito, com menos refino."
A situação se agravou com a guerra na Ucrânia, já que a Rússia diminuiu as exportações de derivados de petróleo, em especial para os países europeus.
O Brasil importa cerca de 80% do diesel dos Estados Unidos. Só que o país está redirecionando parte dessa oferta para a Europa. Isso faz com que o Brasil tenha que olhar para a Ásia, que é ainda mais longe para trazer os derivados.
Mauricio Tolmasquim, professor da Coppe/UFRJ
Por que pode faltar diesel?
A possível falta de óleo diesel está ligada à dificuldade dos importadores em repassar o custo da operação no mercado brasileiro. Tolmasquim lembra que, atualmente, a defasagem entre o preço nacional do diesel e o internacional está próxima de 3%. Ou seja, o diesel aqui está mais barato do que o preço internacional.
A defasagem ocorre a despeito de, em 2022, a Petrobras ter promovido três aumentos nos preços do diesel: 8,08% (janeiro), 24,9% (março) e 8,87% (maio). As elevações são para o diesel refinado pela Petrobras, que acaba servindo de referência para o produto importado.
Existe uma defasagem significativa entre o preço que a Petrobras pratica no mercado brasileiro e aquele com o qual se consegue trazer diesel do mercado internacional. Essa diferença pode inviabilizar a importação por parte significativa das distribuidoras. A consequência será a dificuldade de atender a demanda.
Sergio Massillon, diretor institucional da Brasilcom
Prejuízo diluído
Tolmasquim explica que, no Brasil, há grandes importadoras com capacidade para comprar o óleo diesel do exterior e, ainda assim, ter resultados positivos.
Isso ocorre porque algumas delas conseguem misturar o óleo importado ao diesel adquirido no país, a preços menores. Assim, conseguem diluir a defasagem da importação.
"Agora, para os importadores regionais, a situação é mais complicada. Eles têm pouca margem para diluir a defasagem. Se compram quase tudo do exterior, acabam ficando com prejuízo", explica.
Nesse cenário, o risco de desabastecimento em algumas áreas é maior. "Não estou dizendo aqui que não existe também um risco nacional, mas acho que ele é menor."
Segundo semestre
Araujo, da Abicom, afirma que importadores regionais já estão com dificuldades. Segundo ele, o problema pode aumentar no segundo semestre. "O diesel é muito usado em outros países para o aquecimento, na geração de energia. E a Rússia vai estar fora do jogo. Tudo indica que a oferta será mais restrita", diz.
No início de março, o MME criou um grupo para discutir soluções para oferta de óleo diesel, com representantes do governo, da ANP, de associações setoriais e da Petrobras.
Representantes de entidades que participam das discussões afirmaram ao UOL que, neste momento, o grupo está reunindo informações para avaliar o real risco de desabastecimento.
Em 27 de maio, o MME publicou nota informando que os estoques atuais de óleo diesel representam 38 dias de importação. Um dos objetivos do ministério é elevar essa margem. Por enquanto, ainda não foi anunciada nenhuma ação específica. No âmbito do grupo formado pelo MME, a informação é de que não há discussões sobre a possibilidade de racionamento de diesel no segundo semestre ou de determinação de prioridades para abastecimento.
Na ponta final, a expectativa é de que não falte diesel. "Pelos esforços que estão sendo feitos, acredito que não haverá desabastecimento generalizado", afirma Thorp Neto, da Fecombustíveis.
MME, ANP e Petrobras
O UOL pediu entrevistas sobre o assunto ao MME e à ANP. Os órgãos não indicaram porta-vozes.
Em nota, a ANP afirmou que "vem atuando diligentemente para se antecipar a riscos ao abastecimento nacional com óleo diesel".
Já a Petrobras informou, por meio de nota, que "contribui para o planejamento da oferta de combustíveis no Brasil, considerando os cenários do mercado doméstico e internacional".
"No Brasil, há uma situação desafiadora no segundo semestre, já que é época de colheita agrícola e aumenta o consumo para o transporte da safra", disse a Petrobras. "No Hemisfério Norte, começa o inverno e a demanda para aquecimento doméstico. Além disso, a temporada de furacões pode impactar a produção", alertou.
Conforme a companhia, "por esses motivos, o equilíbrio de preços com o mercado internacional é fundamental para garantir a importação que hoje atende cerca de 27% do consumo brasileiro".
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