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Preço de arroz e feijão cai em 1 ano, mas por que eles continuam caros?

Preço do arroz caiu 10,27% e o do feijão 7,21%, mas saco de 5 kg de arroz passa de R$ 20 e 1 kg de feijão preto custa R$ 10 - Jonne Roriz/Estadão Conteúdo/AE
Preço do arroz caiu 10,27% e o do feijão 7,21%, mas saco de 5 kg de arroz passa de R$ 20 e 1 kg de feijão preto custa R$ 10 Imagem: Jonne Roriz/Estadão Conteúdo/AE

Henrique Santiago

Do UOL, em São Paulo

17/06/2022 04h00

Entre junho de 2021 e maio de 2022, o preço do arroz caiu 10,27% e o do feijão preto tombou 7,21%, segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Embora os números apontem redução no acumulado dos últimos 12 meses, os preços ainda estão altos.

A reportagem encontrou em supermercados de São Paulo o saco de 5 kg de arroz acima de R$ 20 e o pacote de 1 kg do feijão preto por cerca de R$ 10.

Apesar do recuo de preços no acumulado de 12 meses, este ano já registra altas. O arroz subiu 2,59% entre janeiro e maio deste ano. O feijão preto ficou 3,68% mais caro no mesmo período.

O aumento também é visto em outros tipos de feijão: mulatinho (+4,99%), fradinho (+5,45%) e carioca (+28,46%). Confira os detalhes na tabela abaixo.

Clima afeta produção

A produção dos alimentos grãos tem sido impactada nas últimas colheitas por condições climáticas, como seca e geada, dizem especialistas ouvidos pelo UOL. Eles afirmam que os produtores não recebem apoio do governo para investir no plantio e, por isso, priorizam milho ou soja.

Para o economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) Matheus Peçanha, o aumento no preço desses produtos em 2020 ainda se reflete nos dias atuais.

Naquele ano, o arroz acumulou alta de 76,01% e o feijão preto, de 45,38%, segundo dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Em 2021, houve queda: o arroz caiu 16,88% e o feijão preto, 3,18%. "As condições de oferta [favorecidas por questões climáticas ideias] melhoraram ao ponto de haver uma redução. Mas isso está mudando neste ano", declara.

Safra de arroz diminui

A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), autarquia vinculada ao Ministério da Agricultura, estima que a safra de arroz em 2022 seja 9,9% menor do que a do ano passado, com projeção de 10,6 mil toneladas.

O órgão diz que a queda na produção é reflexo das alterações climáticas e da substituição da área plantada por outras culturas mais rentáveis.

No caso do feijão preto, a Conab observa que a produção deverá superar pela primeira vez o consumo interno. Em 2022, a demanda pelo grão deve alcançar 520 mil toneladas, enquanto a colheita na safra está na casa de 619,3 mil toneladas — isto é, uma sobra de quase 100 mil toneladas.

Segundo semestre pode ter aumentos

Segundo Peçanha, o segundo semestre pode ser marcado pelo aumento do preço do arroz e feijão preto, por condições adversas para a colheita e por uma mudança no consumo.

A Conab declara que o encarecimento do feijão carioca tem feito o consumidor brasileiro escolher o feijão preto para compor sua cesta básica.

As projeções de escalada da inflação — hoje em 11,73% — e a manutenção da guerra entre russos e ucranianos também preocupam o especialista, que prevê uma disparada no valor das commodities, como arroz e feijão.

"Talvez não chegue perto dos aumentos expressivos de abril ou maio de 2021 [o acumulado de 12 meses ficou em torno de 60%]. A renda do brasileiro está debilitada, e os preços estão em alta. É muito difícil substituir esses alimentos, pois não há muita diferença entre as marcas."

Pequeno agricultor foi deixado de lado

Para além da quebra de safra, existe a falta de incentivo ao pequeno agricultor, diz a professora e coordenadora do programa de pós-graduação em economia e desenvolvimento da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Luciana Rosa de Souza.

Segundo dados do IBGE, 70% dos alimentos consumidos no país vêm da agricultura familiar —isso inclui arroz e feijão, por exemplo. Ela avalia que o pouco estímulo das gestões Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) faz com que o pequeno produtor dedique seu trabalho a outras opções que garantem maior segurança.

Isso passa diretamente pelo encerramento do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), que deu lugar ao Alimenta Brasil no atual governo.

Na prática, o antigo programa promovia, em parceria com o Ministério da Cidadania, Conab e estados e municípios, duas frentes: o incentivo à agricultura familiar e o acesso à alimentação para famílias.

O PAA comprava alimentos produzidos pela agricultura familiar, sem a necessidade de licitação, e doava a pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional.

"Nos últimos sete anos, a política de alimentação foi desmontada. O pequeno agricultor está tendo dificuldade para sobreviver. A oscilação de preços é muito ruim para a população empobrecida", diz Rosa de Souza.

Produtor de arroz do interior de São Paulo - Jorge Araújo/Folhapress - Jorge Araújo/Folhapress
Pequeno agricultor tem sofrido com falta de políticas de apoio do governo, diz especialista
Imagem: Jorge Araújo/Folhapress

Estoque público de alimentos está em baixa

Segundo a analista, outro ponto importante do programa era a existência de estoques públicos de alimentos produzidos por agricultores familiares.

Em maio deste ano, o estoque de arroz comprado pelo governo federal é de 1.759 toneladas. O armazenamento no mesmo período de 2012 era de 460.238 toneladas, aponta a Conab.

No caso do feijão, o estoque é zero desde setembro de 2016. "A desarticulação do PAA tem relação direta com a escassez de feijão porque eram os pequenos produtores cooperados que produziam o feijão para atender ao mercado interno. Quando essa estrutura é desmontada, aumenta o risco de produção do feijão", diz Rosa de Souza.

Para ela, os preços podem começar a diminuir a partir do momento em que o governo apoiar a agricultura familiar e, sobretudo, reconstruir a política de alimentação.

"Não tem como sair de uma situação de fome e inflação de alimentos sem política pública desenhada para orientar a produção."

Conab nega abandono da agricultura familiar

Em nota, a Conab afirma que a formação de estoques tem o objetivo de oferecer manutenção à renda do produtor, e não garantir preços.

"Não procede a informação de desmonte de uma política pública de acesso à alimentação com base em apoio à agricultura familiar, nem de redução de estoques de produtos. Há mais de uma década não foram feitas aquisições e, consequentemente, estoques criados. Isso tudo faz parte de uma política de estado, não de governo.

Ainda segundo a Conab, a ação do atual governo tem sido feita no sentido de oferecer mais informações a todos os produtores brasileiros.

Ministérios não comentam

Procurados, o Ministério da Cidadania e Ministério da Agricultura não se manifestaram sobre as afirmações de desmonte das políticas de incentivo à agricultura familiar e acesso à alimentação para pessoas pobres.