Bolsa-caminhoneiro fere lei eleitoral, e PEC tenta burlá-la, dizem juristas
A criação do auxílio-caminhoneiro de R$ 1.000 pelo governo Jair Bolsonaro (PL) fere diretamente a lei eleitoral e não pode ocorrer este ano, segundo advogados ouvidos pelo UOL. Alguns disseram que, em tese, o novo auxílio seria possível a partir de mudança na Constituição, que se sobrepõe à lei eleitoral —é esse o plano do governo. Mas mesmo essa alternativa está sujeita a questionamentos na Justiça.
De olho nas eleições e na baixa popularidade de Bolsonaro, a base do governo vai propor um benefício para os caminhoneiros autônomos, para compensar a alta do diesel. Nesta quinta-feira, o ministro Paulo Guedes decidiu que o valor será de R$ 1.000.
O problema é que, na avaliação dos especialistas, a Lei nº 9.504, que trata das normas eleitorais, proíbe claramente a criação de benefícios assim em ano de campanha. Em seu artigo 73, parágrafo 10, a lei estabelece o seguinte:
No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.
Trecho da lei eleitoral
Para o advogado Alexandre Rollo, especialista em direito eleitoral e doutor pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), a criação do auxílio neste momento, a partir de um projeto de lei, "fere frontalmente" o artigo e "não seria possível".
Essa também é a opinião do advogado Felipe Carvalho, especialista em direito público e sócio do Rubens Naves Jr. Advogados. "O artigo é claro: só se pode criar benefícios em situações de calamidade, de emergência. Neste momento, criar o auxílio por conta do aumento do diesel não é calamidade."
Tentativa de burlar a lei eleitoral
Para burlar o impedimento, o governo planeja passar as mudanças por meio de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), juntamente com a proposta de estabelecimento de estado de emergência.
Se o auxílio-caminhoneiro for instituído por meio de PEC, em tese, o governo driblaria o impedimento da lei eleitoral. "O texto constitucional está acima da lei eleitoral. Então, uma vez sendo aprovada a PEC, não haveria proibições", avalia o advogado Cristiano Vilela, sócio do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados.
Para Rollo, no entanto, a criação do benefício por meio de PEC também seria questionável.
Nunca vi tratarem uma questão tão detalhada na Constituição Federal. A Constituição, em qualquer país sério, é para estabelecer pilares. A criação ou não de auxílio é uma questão de lei. Criar um artigo novo na Constituição para burlar a legislação [eleitoral] seria discutível na Justiça.
Alexandre Rollo, especialista em direito eleitoral
Para Cristiano Vilela, independentemente do tema, uma PEC sempre está sujeita a questionamentos na Justiça. "Nesse ponto, faz parte do preço de qualquer medida que venha a ser adotada", afirma.
Vilela avalia, porém, que alterar a Constituição não é o meio mais adequado para estabelecer benefícios pontuais, como o auxílio-caminhoneiro. "Parece-me evidente que a escolha desse formato se dá exclusivamente por causa da legislação eleitoral. É possível [usar a PEC], mas é sui generis [diferente]", diz.
Tramitação mais difícil
A proposta é que a própria PEC institua também um estado de emergência. Em tese, isso serviria como uma proteção adicional a questionamentos na Justiça contra a mudança na Constituição.
Mas Carvalho lembra que a tramitação de uma PEC é mais difícil no Congresso.
A emenda à Constituição exige votação em dois turnos na Câmara e no Senado. Para passar, precisa de três quintos dos votos de deputados (308) e senadores (49). Por enquanto, a PEC nº 16 está na fase inicial no Senado.
"Tem um viés aí. Pode-se jogar para o público mais geral uma informação de que o governo tentou melhorar [a situação dos caminhoneiros], mas foi barrado", diz Carvalho. "Esse movimento da PEC realmente é muito estranho."
Rollo afirma que o próprio questionamento da PEC no STF (Supremo Tribunal Federal) poderia se transformar em arma eleitoral. "O tema cairia no colo do Supremo. E o Supremo viraria o vilão da história", afirma. "É uma manobra, e o Congresso Nacional não serve para isso", critica.
Auxílio-gás
Outra medida é o aumento do auxílio-gás —benefício de R$ 52 que já é pago pelo governo federal desde janeiro.
Para Rollo, como o auxílio-gás já existe, em função de lei aprovada no fim de 2021, a margem para questionamentos na Justiça é menor, caso haja alteração de valores.
"Ainda assim, o aumento poderia ser enquadrado como abuso de poder político", afirma.
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