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Telemedicina não cura tudo, diz chefe do Hospital Oswaldo Cruz

Divilgação e Editoria de Arte/UOL
Imagem: Divilgação e Editoria de Arte/UOL

Beth Matias

Colaboração para o UOL, em São Paulo

24/10/2022 14h40

José Marcelo de Oliveira, diretor-presidente do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, diz em entrevista na série UOL Líderes que a telemedicina é uma ferramenta que não deve substituir a relação entre médico e paciente. "A telemedicina complementa a solução [do atendimento], mas não substitui, ela não é a panaceia que cura tudo", afirma.

Para Oliveira, o futuro dos cuidados com a saúde pode ser sintetizado na ideia de um "hospital sem muros", com a continuidade do tratamento fora da instituição.

"O cuidado começa na alta complexidade, e depois é continuado com o indivíduo fora do hospital, em ambiente próximo ou mesmo dentro de casa." O executivo também fala sobre os investimentos do hospital em tecnologia.

Oliveira diz que, na pandemia de covid-19, "quem não reconhecia a ciência estava muito mais exposto".

Para ele, "há doenças que são evitáveis" e uma ação do Estado poderia elevar o nível de saúde da população, evitando casos como obesidade, câncer, hipertensão, e diabetes.

Segundo o diretor-presidente, o sistema de saúde no país está avançando. "Mas queria que fosse mais rápido". Para ele, a equidade é um ponto importante para tornar a saúde mais acessível.

Ouça a íntegra da entrevista com José Marcelo de Oliveira, diretor-presidente do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, no podcast UOL Líderes. Você também pode assistir à entrevista em vídeo no canal do UOL no YouTube.

Leia a seguir trechos da entrevista:

Contato entre médico e paciente é a chave

UOL - Durante a pandemia, a telemedicina foi difundida por hospitais, convênios, e laboratórios, mas há críticas sobre o atendimento. Qual a sua opinião a respeito?

José Marcelo de Oliveira - A chave principal é o contato entre médico e paciente, que nunca será substituído por uma consulta rápida, nem no encontro presencial, nem na telemedicina.

O contato com o paciente pode ser intermediado pela tecnologia, até para o benefício dele porque, muitas vezes, na localidade em que ele está, não há acesso ao especialista. A telemedicina complementa a solução, [mas] não substitui. Ela não é a panaceia que cura tudo.

A telemedicina é boa, mas é uma ferramenta que precisa ter um encaixe no sistema e que potencializa a relação entre médico e paciente. Uma vez que essa relação esteja estabelecida, [a telemedicina] é muito boa [como ferramenta complementar].

Como vê o sistema de saúde no Brasil, comparado a outros países? Estamos avançando?

A distribuição da medicina [no Brasil] não é equânime. Não estou falando em quantidade de profissionais — muitas vezes, é onde esses profissionais estão se concentrando. Em geral, há uma concentração muito grande nas capitais, tanto no sistema público como no privado. Esse é um ponto que devemos endereçar e estimular. No todo, acredito que, como sistema único, estamos avançando.

O sistema de saúde está entre o bom e o muito bom. Mas a sociedade deve caminhar porque o sistema não vai resolver todos os problemas, tais como: Por que o indivíduo não procurou antes? Por que ele não sabia? Por que negligenciou sintomas ou por que a consulta foi reagendada mais para frente, e ele perdeu a janela de tratamento?

A pandemia acelerou e colocou as conversas em cima da mesa, em um contexto concreto e democrático. Tínhamos pessoas de todos os níveis pedindo ajuda, informação, orientação, socorro, e fomos entregando. Isso fica. Estamos caminhando, mas queria que fosse mais rápido.

Quais avanços podemos esperar da medicina nos próximos anos?

Entre as tendências, o hospital do futuro será aquele sem muros, onde o cuidado começa na alta complexidade e continua no indivíduo fora do hospital, no ambiente que ele quer, perto ou dentro da casa dele.

Essa é uma vertente. A tecnologia está muito desenvolvida para isso e, cada vez mais, trabalhamos com sensores, monitoramento remoto, tele saúde, intervenções de menor complexidade fora dos nossos muros, porque é mais efetivo e de menor custo.

Na gestão de dados, também há uma inovação construída. Temos uma área de atuação em saúde populacional, atendendo empresas, trabalhando no diagnóstico da população, analisando dados, vendo perfis e incidências.

Como é o Hospital Oswaldo Cruz

Fundação

  • 1897

Funcionários

  • 3.521

Clientes (1º sem 2022)

  • 17.080 pacientes/mês

Unidades

  • 3 (Unidade Paulista, Hospital Vergueiro e Unidade Campo Belo)

Gestão de instituições públicas

  • Complexo Hospitalar dos Estivadores (Santos - SP)
  • Ambulatório Médico de Especialidades Dr. Nelson Teixeira (Santos - SP)

Leitos de internação (2021)

  • 509 (Unidade Paulista e Hospital Vergueiro)

Leitos de UTI (2021)

  • 73 (Unidade Paulista e Hospital Vergueiro)

Salas cirúrgicas (2021)

  • 31 (Unidade Paulista e Hospital Vergueiro)

Check-ups (2021)

  • 4.058

Receita líquida (2021)

  • R$ 1,13 bilhão

Consultas ambulatoriais (2021)

  • 120.490 (Unidade Paulista, Unidade Campo Belo e Hospital Vergueiro)

Cirurgias (2021)

  • 23.433 (Unidade Paulista e Hospital Vergueiro)

Internações (2021)

  • 32.032 (Unidade Paulista e Hospital Vergueiro)

Consultas em pronto-atendimentos (2021)

  • 117.348 (Unidade Paulista e Hospital Vergueiro)

Principais concorrentes

  • Hospital Sírio-Libanês e Hospital Israelita Albert Einstein

Teleatendimentos

  • 28 mil

Inovação (2021)

  • 110 estudos (Centro Internacional de Pesquisa)
  • 30% deles para o tratamento da covid-19
  • 187 artigos publicados, envolvendo 10 mil pacientes

Educação (2021)

  • 16 mil novos alunos (Faculdade e Escola Técnica)
  • 12 mil profissionais capacitados para tratamento da covid-19

Propostas para o Brasil: saúde e equidade

Cite três propostas para o Brasil ser melhor:

Saúde, porque a saúde é um bem do indivíduo e da sociedade. Um dos milhares de aprendizados da pandemia é que a saúde é sistêmica, um recurso finito. O indivíduo deve se apropriar desse papel protagonista da gestão desse recurso. Talvez isso seja o mais importante.

Um outro elemento é equidade — e isso não quer dizer "para todo mundo". É uma maturidade elevada de acesso a recursos.

E acho que um terceiro [ponto] é o bem-estar da população.

De qual equidade estamos falando?

É o acesso aos alimentos de qualidade, um ambiente externo seguro em que as pessoas não precisem ficar fechadas. Diversidade é algo que tem visitado muito a minha consciência e me instigado a promover essa equidade.

Nisso, entra saúde e educação, e depois vem a camada de escolha, que é individual. Por isso que não é tudo para todo mundo. Porque há um conteúdo que é específico de cada um de nós, que é a relação do indivíduo com ele mesmo, com a comunidade, com a religião, com suas preferências.

Por isso, não acredito que há uma regra única: tudo para todos ou nada para ninguém. Foi assim como a sociedade entendeu ou está entendendo a pandemia. A doença foi democrática, não escolheu CPF, e quem não reconhecia a ciência estava muito mais exposto.

O que as empresas podem fazer para melhorar a saúde no país?

No social, acredito na colaboração, porque os recursos não são totalmente simétricos. Ora quem tem a solução, não tem viabilidade; ora quem tem o recurso que poderia viabilizar um avanço, também não sabe onde colocar. Devemos aumentar a comunicação, dar mais visibilidade aos projetos transformadores.

Falta política pública para fazer essa coordenação?

Concordo que essa dificuldade nos atrapalha, e vejo que essa solução deveria ser muito mais um plano de Estado do que uma política de governo —como a saúde, educação e segurança também são itens de valor para o cidadão. Às vezes, perdemos muito tempo olhando o curto prazo e não garantimos uma consistência evolutiva, [o que acaba] gerando desperdício.

Isso é muito triste porque os recursos são escassos. Somos um país que está sempre lutando pela sua sobrevivência, [contra a] desigualdade. [Mas] Chega um novo governo e muda a direção. Precisamos de um combinado social dos temas prioritários a serem conectados por 10, 20 ou 30 anos, porque desta forma a transformação se consolida na sociedade.

Vacinação e prevenção

As campanhas de vacinação eram bem sucedidas, mas agora há falta de investimento. Qual é o impacto disso nos hospitais?

O impacto é direto porque, quando uma providência dessas de prevenção — como vacina, hábito saudável, diagnóstico precoce —, não acontece, o sistema satura de pessoas com as formas mais avançadas daquelas doenças.

O custo de tratamento é maior, o grau de intervenção aumenta, [e também] o tempo que o indivíduo fica indisponível para a sociedade e para ele mesmo. Perdemos de todos os lados quando quebramos essa lógica.

Quais os principais desafios hoje no mercado de saúde?

Pensando saúde, temos que lembrar que, em um país de 220 milhões de habitantes, todos contam com o SUS [Sistema Único de Saúde]. Mesmo eu, tendo um plano privado. Então temos [que pensar que há] 220 milhões de pessoas no sistema — mas um pouco menos de 50 milhões estão na saúde suplementar. Esse é um ponto que preocupa qualquer gestor de saúde porque quanto mais acesso ao sistema privado, intermediado por uma operadora de saúde, mais desafogamos o Sistema Único.

Como funciona um hospital privado filantrópico, como o Oswaldo Cruz?

O Oswaldo Cruz é um dos seis hospitais de excelência reconhecidos pelo Ministério da Saúde. As isenções que ele deixa de recolher pelo sistema tributário, na proporção idêntica, são direcionadas para projetos que estão dentro da política do programa que se chama Proadi-SUS, um programa transparente, reportado para a sociedade e auditado pelo TCU [Tribunal de Contas da União].

Hoje são mais de 20 programas, em geral, que estão capacitando profissionais para o SUS — médicos, enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos, etc.

Outra forma de contribuição é desenvolvendo sistemas, know-how de tecnologia, gerenciamento e análise de dados.

Uma terceira forma é a avaliação de tecnologia em saúde, que é um método científico. O Ministério se apoia em referências, e nós somos uma dessas referências.

Quem é José Marcelo de Oliveira

Quem é

  • José Marcelo de Oliveira

Cargo atual

  • Diretor-presidente do Hospital Alemão Oswaldo Cruz

Cargos de destaque

  • Diretor-geral do A.C. Camargo Câncer Center
  • Diretor de Negócios e Pessoas do Grupo Fleury

Nascimento

  • São Paulo (SP)

Idade

  • 56 anos

Graduação e pós-graduação

  • Medicina (USP)
  • Doutorado em Radiologia (Unifesp)
  • Fellowship clínico na Cleveland Clinic (EUA)
  • MBA em Administração de Empresas (FIA-USP)

Família

  • Dois filhos

Hobbies

  • Mountain bike e fotografia

Livro

  • "Cem anos de Solidão", de Gabriel García Márquez - "O autor foi capaz de capturar e traduzir a cultura latino-americana por meio do realismo mágico, comunicando de forma brilhante as características culturais da América Latina. É o melhor livro dele."

Filme

  • "Central do Brasil", do diretor Walter Salles - "O filme, além de retratar a realidade da Central do Brasil, com um fluxo intenso de pessoas transitando e, ao mesmo tempo, a necessidade de se comunicarem, por meio de um terceiro, por não saberem ler e escrever. Ele mostra o abismo social do Brasil enquanto todo mundo de alguma forma está tentando se superar."

Time

  • São Paulo (SP)