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Porsche, litros de vodca e 'experts' em lances: como é um leilão da Receita

Porsche e muitos litros de bebidas estão entre os itens arrematados em leilão - Arquivo Pessoal
Porsche e muitos litros de bebidas estão entre os itens arrematados em leilão Imagem: Arquivo Pessoal

Camila Corsini

Do UOL, em São Paulo

27/03/2023 04h00

Os leilões da Receita Federal são o destino das mercadorias que acabaram apreendidas pelo órgão fiscalizador. Casacos caros, carros de luxo, bebidas e eletrônicos estão entre os itens leiloados. As joias que o governo Jair Bolsonaro tentou trazer ilegalmente para o Brasil quase foram parar em um desses leilões.

O mercado também conta com verdadeiros "especialistas" em lances — pessoas que acompanham os editais e entendem as regras do jogo.

É o caso do engenheiro Clovis Nicoleit, de 51 anos, que encontrou nos leilões da Receita Federal uma oportunidade de fazer uma segunda renda.

Hoje, ele tem uma empresa em Florianópolis, onde mora, que se sustenta com os valores arrecadados pela revenda dos produtos arrematados nos leilões.

Certa vez, Nicoleit, que também é atleta de triatlo, viu uma série de bicicletas em um lote de leilão oferecidas por um valor menor do que a quantia que ele tinha aplicada. O ano era 2016.

Fiz uma análise econômica: eram seis bikes, eu poderia vender cinco. Ia pagar o lote, dar lucro e ainda ficaria com uma bicicleta para mim. Fiz o lance e arrematei

Nicoleit conta que é importante ficar atento à aceitação externa dos produtos. Não adianta comprar lotes de alto valor agregado se não conhecer potenciais consumidores.

No caso das bicicletas, o retorno veio — mas demorou. Como eram produtos de alto padrão (a bike mais barata custava, na época, cerca de R$ 30 mil), não foi muito fácil vendê-las.

De lá para cá, o engenheiro foi se aperfeiçoando e arremetou até um Porsche em um desses leilões.

396 litros de vodca

Uma alternativa que Nicoleit adota frequentemente é fazer parcerias com pessoas que conhecem outros mercados. Ele entra com a expertise das operações, os outros entram com aporte financeiro complementar.

Foi assim que o auxiliar administrativo e colega de trabalho de Nicoleit, Lucas Pereira, de 31 anos, foi parar em uma operação que rendeu 396 litros de vodca e 1,2 mil latas de energético.

Já tinha testemunhado o Clovis e outros amigos que compraram um lote de bebidas e eu fui cliente. No final de 2020, ele viu esse. Eram 396 litros de vodca Absolut e 1,2 mil latas de energético Red Bull. Entramos nessa em três pessoas, cada um com R$ 10 mil
Lucas Pereira

O energético foi fácil de vender, já que um mercado local ficou com todo o estoque. Já a venda da vodca foi afetada pela pandemia. "A gente esperava que a venda fosse mais rápida, pensando em eventos e casamentos, e isso prejudicou um pouco."

'Queria sentir o coração acelerar'

Em uma outra oportunidade, Nicoleit tentou a sorte. "Vi um lote com itens da Harley-Davidson [marca de motos], a um valor que eu não tinha. Achei que ia subir muito, mas queria sentir o coração acelerar e fiz um lance próximo ao valor inicial", lembra.

Não cheguei nem a acompanhar o dia do resultado, que eles abrem uma hora antes do final para uma disputa direta. No final das contas, ninguém mais tinha feito lances e eu levei. Tive de sair correndo para arranjar o dinheiro e fazer o pagamento
Clovis Nicoleit

Não dá para apostar por brincadeira: se arrematar, precisa pagar. Se não tiver o dinheiro do lance no dia do pagamento, está sujeito à multa diária. Se desistir, pode até mesmo ser processado por fraudar o pregão e prejudicar os outros participantes.

Casaco de US$ 10 mil

No ramo há sete anos, Clovis já passou por algumas situações. Apesar de seu foco ser artigos esportivos, ele já arrematou eletrodomésticos, produtos religiosos e carros.

Uma vez, ao arrematar um lote de produtos eletrônicos, veio também um casaco Dolce&Gabbana (em alguns casos, o lote contém diversos tipos de produtos e não é possível escolher quais levar) avaliado em mais de US$ 10 mil (R$ 53 mil, na conversão atual) fora do país.

Não tenho público para isso. Não conheço ninguém que pagaria isso em um casaco. Fiz parceria com uma blogueira da minha cidade e ela conseguiu vender. Foi por um valor abaixo do que valia, mas já pagou o lote

Em uma outra oportunidade, Clovis arrematou cerca de 200 relógios de uma marca suíça. Quando retirou a mercadoria, soube que mais ou menos 40 peças eram falsas.

"O edital é claro, por isso é importante checar no armazém [um galpão onde ficam os objetos] quais as condições do produto. Quando você retira, não tem garantia ou código de defesa do consumidor. No meu caso, os relógios originais ainda deram um retorno bom, mas demorou para saírem."

Receita - Dirceu Neto/Folhapress - Dirceu Neto/Folhapress
Galpão da Receita Federal, no terminal de cargas do Galeão, com lotes de mercadorias apreendidas que foram a leilão
Imagem: Dirceu Neto/Folhapress

De olho no imposto!

A revenda dos produtos adquiridos em leilões da Receita Federal é permitida, mas é preciso ficar atento às tributações. Já quem compra itens revendidos após leilões deve exigir a nota fiscal — afinal, sonegação de imposto é crime.

"Todo produto leiloado, se for comprado por uma pessoa jurídica (empresa), vai emitir uma nota fiscal de entrada para o estoque e vai poder revender normalmente, pagando imposto", explica Carlos Pinto, diretor do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação.

"Se for pessoa física, tem de emitir a NF avulsa, junto à regulamentação do órgão a que ela está vinculada", completa Pinto.

Nicoleit lembra de uma situação relacionada a um lote de 800 bicicletas no Porto de Itajaí (SC) que demonstra como "se aventurar" pode ser perigoso e causar prejuízos ao próprio bolso e aos outros compradores.

A pessoa que arrematou morava em Manaus, veio retirar e disse que não precisava pagar imposto porque lá era isento. Não existe isso em leilão, a alíquota é estadual. Ele teve de pagar um monte de multa

"Eu era o segundo colocado na disputa, o cara deu um lance com um valor muito acima já considerando que o imposto estivesse incluso. E ele só é calculado depois do arremate. Ele pagou a mais e a gente se prejudicou porque ele não sabia das regras do jogo", diz Nicoleit.