Após recuperação, Gradiente vive de alugar galpões e disputa marca iPhone
A Gradiente, antiga referência em eletrônicos, encerrou em maio um processo de recuperação judicial que vinha se alongando desde 2018. A empresa saiu do processo longe de ser o que era: o principal negócio da Gradiente hoje é a locação de galpões industriais.
O que aconteceu
A recuperação judicial da Gradiente teve início em 2018. A crise foi resultado de decisões estratégicas erradas ainda nos anos 2000, como a compra da Philco, que pertencia ao grupo Itaú.
Nos últimos cinco anos, a empresa deixou de produzir eletrônicos de consumo. A marca Gradiente foi licenciada para uma importadora e fabricante de eletroportáteis e caixas de som. O Grupo Gradiente recebe royalties sobre as vendas.
Atualmente, o faturamento da Gradiente vem da administração de galpões de logística. A empresa vendeu vários ativos durante a recuperação judicial, mas manteve sua fábrica na Zona Franca de Manaus. A fábrica foi convertida em dois galpões, que são alugados para outras empresas que operam na região.
Vendendo ativos e focando no negócio de locação de galpões, a companhia conseguiu sair da crise. A Gradiente faturou R$ 114 milhões com a venda de galpões. A empresa ainda tinha créditos tributários de IPI no valor de R$ 120 milhões, que foram vendidos para o BTG.
No começo da recuperação judicial, a empresa devia R$ 976 milhões. A Gradiente negociou com os credores e liquidou as dívidas por R$ 138 milhões, à vista. Considerando a situação, a empresa saiu em vantagem, diz Lazar Halfon, CEO da HSA Soluções em Finanças S/A.
A Gradiente conseguiu um valor bem abaixo por sua dívida porque a maioria de seus credores eram bancos. Além disso, eles [os bancos] devem ter em média 40% de margem de lucro bruto, isso sem contar todo o lucro que tiveram nas operações liquidadas antes da recuperação judicial. Então, receber 15% do valor foi vantajoso também para os credores da companhia.
Lazar Halfon, CEO da HSA Soluções em Finanças S/A.
No início de maio, a empresa fez uma oferta pública para retirar suas ações da bolsa de valores, concluindo a recuperação judicial. A Gradiente fechará o capital da empresa no segundo semestre.
O UOL procurou a Gradiente para comentar o fim da recuperação judicial e seus planos para o futuro. A empresa não respondeu aos pedidos de entrevista.
Telefone e aparelhos de som
A Gradiente foi criada por um grupo de estudantes de engenharia da USP em outubro de 1964. Ela surgiu como fabricante de amplificadores de som via transistores, uma novidade para a época.
Em 1970, o empresário Émile Staub comprou a companhia. Pouco tempo depois, ele passou a administração para seu filho Eugênio, que passou a atuar junto aos co-fundadores da empresa, Nelson Bastos e Alberto Salvatore. Eugênio Staub ainda se mantém à frente da companhia.
Durante o auge da sua história, a empresa ficou conhecida pelo pioneirismo. Ela foi responsável por lançar o primeiro telefone de padrão brasileiro, em 1979.
A marca também foi famosa por seus equipamentos de som. Além dos amplificadores, a Gradiente produzia toca-fitas, toca-discos e foi a primeira companhia brasileira a produzir tocadores de CD e DVD e telefones celulares.
Todo esse pioneirismo, porém, foi impulsionado pela "Lei de Reserva de Mercado". A lei, que vigorou no Brasil entre a década de 1970 e o começo dos anos 1990, proibia a importação de produtos eletrônicos, o que beneficiou a Gradiente.
Quando o cenário mudou, a marca começou a perder mercado. Ela tentou diversificar sua produção, apostando em videogames, e chegou a fazer uma parceria com a Nintendo, mas não conseguiu recuperar a participação que teve em outros tempos.
Em 2005, a Gradiente adquiriu a Philco para tentar se posicionar no mercado interno e concorrer internacionalmente. Dois anos depois, a marca foi vendida, já que a estratégia não foi para a frente.
Em 2012, a empresa ensaiou um retorno ao mercado. A companhia alterou sua razão social para IGB Eletrônica S. A. (como a empresa se chamava quando foi criada) e promoveu uma reformulação em sua imagem.
A estratégia não deu certo e a empresa primeiro tentou a recuperação extrajudicial, sem sucesso. O processo cumulou na recuperação judicial iniciada em 2018 e encerrada neste ano.
Energia solar
Com a marca Gradiente licenciada, a empresa pretende investir em outros segmentos, como o de energia solar. "Vemos muito potencial no setor de energia solar, que cresce 50% ao ano", afirmou recentemente Eugênio Staub, que hoje é presidente do conselho de administração da Gradiente, ao jornal Valor Econômico. Outro setor avaliado pela companhia é o de drones para a agricultura.
O empresário, porém, disse não ter planos imediatos para investir nesses segmentos. A elevada taxa de juros brasileira, hoje em 13,75%, e a falta de incentivos à indústria nacional foram motivos apontados por Staub para a companhia ter cautela com seus próximos passos.
Iphone x iPhone
A empresa ainda tem uma polêmica pendente em sua história: a briga pela marca "Iphone". Em 2000, a Gradiente pediu ao Inpi (Instituto Nacional de Propriedade Intelectual) o registro da marca "Iphone", com I maiúsculo. O registro foi concedido à Gradiente em 2008, um ano depois do lançamento do iPhone da Apple, em 2007.
Em 2012, a Apple processou a empresa e pediu a anulação do registro da marca "Iphone". Desde então, a Justiça brasileira atendeu aos pedidos da gigante norte-americana. Mas, por causa de vários recursos, a disputa foi parar no STF.
Os ministros do Supremo começaram a julgar a ação nesta sexta-feira (2) e a decisão deve ser proferida até o dia 12 de junho. É esperada vitória da Apple na disputa.
No caso de uma improvável vitória, a Gradiente não voltará a produzir celulares. A empresa diz que vai pagar acionistas e advogados e o que sobrar será usado para criar uma fundação de fomento à tecnologia brasileira.
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