Elis, direitos dos mortos e IA: Conar definirá limites para a publicidade?
Renato Pezzotti
Colaboração para o UOL, em Piracicaba (SP)
14/07/2023 08h01
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O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) abriu, nesta semana, um processo ético para discutir a presença da imagem da cantora Elis Regina, morta em 1982, em um comercial da Volkswagen.
O que aconteceu?
A propaganda, que comemora os 70 anos da montadora no Brasil, teve enorme repercussão nas redes sociais na semana passada. Com o sucesso, veio também um grande debate sobre a utilização de ferramentas de inteligência artificial em comerciais e se isso pode, ou não, enganar os consumidores
Não é a primeira vez que pessoas falecidas participam de comerciais - mas, neste caso, a imagem de Elis foi inserida na publicidade por meio de um processo chamado deepfake
O julgamento do Conar ainda não tem data. Ele deverá analisar se os herdeiros podem autorizar o uso da imagem de uma pessoa que já morreu em campanhas
Além disso, o Conar levantará pontos como o respeito à personalidade e existência da artista, e veracidade do comercial. Segundo o órgão, ele pode "causar confusão entre ficção e realidade para alguns, principalmente crianças e adolescentes"
'Momento histórico' - ou apenas mais um julgamento?
Mesmo sem proibir a veiculação de comerciais, o Conar tem a função de autorregulação - ou seja, pode orientar que seus filiados não os veiculem ou que as marcas tomem precauções em relações às próximas campanhas publicitárias.
Para Marcia Esteves, CEO da Lew'Lara/TBWA e presidente da Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade), o comercial mostrou sua relevância ao ter chegado até o Conar.
Fazia muito que não víamos uma mobilização assim sobre uma propaganda. Vivemos em um mundo polarizado, onde tudo que faz sucesso gera polarização. Olhando para o julgamento do Conar, vivemos um momento histórico. A tecnologia está avançando e precisamos mostrar que não temos todas as respostas
Marcia Esteves, CEO da Lew'Lara/TBWA e presidente da Abap (Associação Brasileira das Agências de Publicidade)
Aline Rossin, CEO da agência Live, acredita que este "limite" do que pode (ou não) ser feito é importante de ser estabelecido.
Acredito que esse caso tem uma relevância importante por ter sido, talvez, um marco de uso de inteligência artificial na indústria criativa no Brasil. A resolução desse processo vai ser um fator importante a ser analisado e entendido pelas mentes criativas daqui em diante para o uso da tecnologia como potencializadora de ideias, tanto no mercado publicitário quanto fora dele
Aline Rossin, CEO da agência Live
Já para Flavio Waiteman, sócio e chefe de criação da agência Tech and Soul, o julgamento não deverá mudar muito a utilização de novos recursos nos comerciais.
Não acredito que esse fato, isolado, venha mudar algo profundo em relação à utilização de tecnologia em novas campanhas. O consumidor é inteligente o bastante para não ser induzido ao erro nesse caso. Ele sabe que o ator de Superman não voa ou que o ator de Homem-Aranha não sobe pelas paredes
Flavio Waiteman, sócio e chefe de criação da agência Tech and Soul
Comercial post mortem: pode ou não pode?
Uma grande questão levantada pelos críticos é o "direito" de se usar imagens de pessoas mortas em comerciais
Nesta semana, ainda, a cantora Madonna teria deixado instruções claras de que, após sua morte, sua imagem não deverá ser utilizada para construções a partir de inteligência artificial
Para André Kassu, sócio e líder de criação da agência CP+B Brasil, a regulamentação é necessária e precisa ser pautada seguindo as mudanças do tempo. Para ele, é o início de uma discussão "saudável".
É a primeira vez que esta tecnologia provocou encantamento e discussão nesta proporção na publicidade brasileira. Estamos falando de uma campanha que fez um enorme sucesso utilizando uma tecnologia que trouxe de volta, no âmbito do comercial, uma artista já falecida. O que me parece agora é que estamos frente à uma nova tecnologia - e ela nos assustou
André Kassu, sócio e líder de criação da agência CP+B Brasil
Ian Black, CEO da agência New Vegas, lembra que a função do Conar é a "autorregulação do mercado", a partir de um diálogo com a sociedade civil, e que novas tecnologias abrem novas possibilidades - e novas possibilidades demandam uma nova ética.
Questões éticas e morais importantes para manutenção da integridade da sociedade felizmente são soberanas às opiniões de publicitários. Possibilidade tecnológica não significa possibilidade de criação indiscriminada. A questão não é sobre se os herdeiros podem ou não fazer esse tipo de concessão. Não é apenas sobre a Elis Regina. A questão é sobre o uso do corpo de uma pessoa sem o seu devido consentimento
Ian Black, CEO da agência New Vegas
Nota da redação: As opiniões completas dos 5 profissionais ouvidos pela reportagem podem ser encontradas na versão online da newsletter Mídia e Marketing.
Julgamento ainda não tem data
Até o fechamento deste texto, o Conar ainda não havia definido a data do julgamento, tampouco informou quem será o profissional que cuidará do caso - cada processo possui um relator, escolhido entre os participantes das suas 8 câmaras
As regras das "boas práticas" da publicidade brasileira estão definidas no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária
Atualmente, o Código possui 5 capítulos e 22 anexos. Eles tratam diferentes categorias especiais de anúncios, de bebidas alcoolicas a produtos farmacêuticos
Em seu site, o Conar afirma que sua principal missão é "impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas e defender a liberdade de expressão comercial"
Conar criou guia para influenciadores
No começo de 2021, o Conar publicou um "guia de boas práticas" para ações de marketing com influenciadores. O objetivo era "evitar excessos e corrigir desvios e deficiências" nas campanhas
O manual destacou a necessidade "absoluta" de todo conteúdo "ser claramente identificado como publicidade", com a utilização de hashtags como #publicidade, #anúncio, #patrocinado, #conteúdopago, #parceriapaga, #publipost ou #publi
O Conar ainda enumerou expressões que não deveriam ser utilizadas neste tipo de publicidade: #parceiro, #colaboração e #colab, além de termos em outros línguas, como #ad, #advertisement ou #ambassador
Os comerciais criados com tecnologias de inteligência artificial podem seguir o mesmo caminho, com um manual sobre o que pode, ou não, ser feito