Família espera precatório há 30 anos: 'Minha mãe queria receber em vida'

Trinta anos é o tempo que uma família aguarda para receber um precatório do governo do Rio de Janeiro. O valor está entre R$ 900 mil e R$ 1 milhão, montante que deveria ter sido pago à matriarca da família. No entanto, ela morreu no final do ano passado, antes de ter acesso ao dinheiro.

Processo longo

O filho da beneficiária, 72, que pediu para não ser identificado, afirma que a família aguarda o pagamento, mas sem esperanças. O precatório se refere a uma pensão especial previdenciária. Ele diz que não sabe quando o dinheiro será pago, ainda mais pelo fato de que agora o precatório faz parte do inventário da mãe, o que envolve mais burocracias para a liberação do dinheiro.

O dinheiro está fazendo falta. "Nós estamos precisando muito desse dinheiro, principalmente eu, que estou com minha empresa praticamente parada", afirma. Com o dinheiro, ele espera investir na empresa, pagar dívidas e tentar comprar um apartamento.

É um dinheiro que minha mãe gostaria de ter recebido para poder doar para os filhos. No entanto, o governo não permitiu isso.
Filho da beneficiária com direito ao precatório

Valor para precatório federal deve sair

O governo federal vai antecipar o pagamento de R$ 30,1 bilhões de precatórios que devem ser pagos neste ano. O anúncio foi feito nesta quinta-feira (22). Em tese, o valor deveria ser pago em julho, mas foi antecipado, injetando mais dinheiro na economia e diminuindo a espera de quem tem dinheiro a receber.

Um médico de 74 anos, que preferiu não ser identificado, é uma das pessoas que aguarda o pagamento de precatório federal. Ele tem cerca de R$ 600 mil para receber em precatórios do INSS e a expectativa é de que o depósito seja feito no ano que vem. Ele entrou com o pedido de aposentadoria por idade em 2015, só conseguiu o benefício pela Justiça em 2022 e agora tem os valores atrasados a receber.

Ele demorou oito anos para conseguir a aprovação da Justiça para começar a receber a aposentadoria. Os precatórios são referentes aos oito anos que ele teria direito a aposentadoria, mas não recebeu, além de correção monetária.

O médico foi inscrito para receber os precatórios no começo deste ano. A previsão é de que o dinheiro caia na sua conta em 2025. Para ele, a situação deveria ter sido resolvida em 2015, quando entrou com o pedido de aposentadoria, que era seu direito.

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Quantas pessoas perecem antes de ter essa decisão definitiva, né? Eu acho que é um grande prejuízo para os direitos do cidadão.
Médico

Mesmo com 74 anos, ele continua trabalhando como autônomo. Para ele, sua situação não ficou séria justamente porque tem outras fontes de renda além da aposentadoria e porque ainda se sente bem para trabalhar. "Para mim, essa situação não é tão grave, porque eu sou um profissional liberal, médico, tenho várias outras alternativas", disse ele.

O aposentado já faz planos de como vai usar o dinheiro que receber. A ideia é quitar alguns empréstimos que tem em seu nome e viajar com a família — sem destino definido, por enquanto. Desde que teve o precatório inscrito, ele começou a receber diversas ligações de empresas que compram precatórios para antecipar o pagamento dos recursos.

Existem diversas empresas sérias que antecipam o pagamento de precatórios. O valor de desconto varia de acordo com o tipo de precatório e com a previsão de pagamento. O mais comum é seja de 30% a 50%, mas há casos em que chega a 70%.

Como os precatórios funcionam

O precatório é um documento que determina o pagamento de dívidas judiciais do governo com valor acima de 60 salários mínimos (mais de R$ 84.720). Os pagamentos do governo federal são liberados, normalmente, uma vez ao ano.

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Quem teve o precatório expedido até 2 de abril recebe até 31 de dezembro de 2025. Após esta data, o pagamento é feito até 31 de dezembro de 2026. A regra vale tanto para federais como municipais e estaduais, mas especialistas dizem que o prazo nem sempre é cumprido no caso dos estados e municípios.

Atrasados federais pagos

No ano passado, o governo federal resolveu o atraso no pagamento de precatórios. Isso porque a PEC dos Precatórios, aprovada em dezembro de 2021, mudou a forma de pagamento das dívidas e atrasou o pagamento.

Houve uma mudança na forma de pagamento dos precatórios, autorizado pela PEC dos Precatórios, para financiar o Auxílio Brasil. No final do ano passado, o governo liberou verba para regularizar os pagamentos que hoje estão em dia.

Os especialistas dizem que a maior parte dos precatórios são relacionados a aposentados e pensionistas.

A maioria dos precatórios é de pessoas físicas. São servidores públicos, aposentados e pensionistas que têm diferenças salariais. Há casos que estão há três décadas na justiça, as vezes o credor falece antes de receber o crédito.
Eduardo Gouvêa, presidente da Comissão de Precatórios da OAB-RJ

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Situação dos precatórios

A regularização dos precatórios federais ajuda a economia. Gisele Kravchychyn, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), afirma que quando o governo paga os valores devidos, o dinheiro volta a circular, ajudando a economia do país.

Apesar de haver um período para o pagamento, os precatórios estaduais e municipais ainda enfrentam atrasos. Ao atrasar, não há cobrança de multa, apenas os juros pelo período atrasado. Eduardo Gouvêa, presidente da Comissão de Precatórios da OAB-RJ, afirma que a questão dos precatórios precisa de uma solução definitiva. A solução varia de acordo com a situação de cada um dos estados.

[Nos estados e municípios] O atraso é maior do que dois anos e é uma bola de neve que já vem há algum tempo. Tivemos alguns avanços de liberação, mas permanece o atraso e a dificuldade de receber.
Gisele Kravchychyn, presidente do IBDP

Regularizar o pagamento dos precatórios dá mais segurança jurídica. Isto porque possibilidade que empresas e pessoas comprem precatórios e tenham a certeza de que vão receber o crédito. Com os atrasos, as chances destes recursos serem comprados diminuem. "Falta, segurança jurídica. Os entes públicos devedores criarem a regulamentação para dar segurança jurídica", afirma Gouvêa.

Casos deveriam ser resolvidos fora da Justiça. Marco Antonio Innocenti, sócio da Innocenti Advogados e presidente da Comissão de Estudos de Precatórios do IASP (Instituto dos Advogados de São Paulo), afirma que, para reduzir a quantidade de precatórios, o pagamento das quantias devidas aos cidadãos deveria ser resolvido fora da Justiça. Desta forma, sem judicializar, o processo seria mais rápido e menos custoso a todos os envolvidos.

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Como evitar golpes

Pessoas que têm precatórios a receber são alvos de golpes constantemente. Os especialistas ouvidos pelo UOL dão dicas de como não cair:

  • Não é necessário fazer nenhum tipo de pagamento para liberar o precatório.
  • Caso um número estranho entre em contato, desconfie. Se um número novo disser que é seu advogado, entre em contato com o escritório, nos contatos que você está acostumado, para checar se a informação é verdadeira. Alguns golpistas se passam por advogados.
  • Se for vender o precatório, pesquise sobre a reputação da empresa. Existem empresas sérias no mercado, mas também há fraudes. Desconfie de preços muito melhores do que o praticado no mercado.
  • Os processos são públicos. Isto significa que os criminosos podem ter acesso aos dados de quem está pedindo o precatório, para dar mais credibilidade ao golpe.

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