Como empresas sem dono na Bolsa podem ser alvo de compras de investidores

O Pão de Açúcar (PCAR3) vendeu novas ações para levantar dinheiro e diminuir suas dívidas. Após a emissão de 220 milhões de novas ações (por meio de follow-on), o grupo francês Casino acabou perdendo o controle acionário da companhia em março. Com isso, o GPA não tem mais dono. Outras empresas sem controlador definido na Bolsa foram sendo adquiridas aos poucos por investidores. Entenda como empresas que não possuem um controlador podem acabar se tornando alvos de fusões e aquisições.

O que aconteceu com o GPA

Com o follow on, o GPA levantou R$ 704 milhões. A operação implicou na perda de seu controle pelo grupo francês Casino. A companhia tinha 40,9% das ações do GPA e ficou com 22,5%. O GPA não deu detalhes de como ficou a nova composição acionária - 77,4% das ações estão em free float, ou negociadas livremente.

É provável que o GPA se torne uma empresa de capital pulverizado. Isso quer dizer que ela não terá um bloco de controle definido. Isso não é incomum, o caso mais famoso mundialmente é o da empresa americana General Electric. No Brasil, a Vale (VALE3) e a Embraer (EMBR3) também têm controle acionário disperso.

O que são as corporations

Empresas "sem dono", as chamadas corporations, podem ter acionistas de referência. São aqueles que não são majoritários, porque não possuem mais de 50% + 1 das ações, mas possuem um volume considerável de papéis.

Eles são, na maioria das vezes, os maiores investidores que a empresa tem. "O acionista de referência é uma pessoa muito importante, e ele tem um peso muito relevante nessas transações, porque pode ser alguém agregador, ou seja, que usa a posição que tem para iniciar conversas com qualquer terceiro interessado na companhia da qual ele é acionista de referência", explica Carlos José Rolim de Mello, sócio do Mello Torres advogados e especialista em M&As.

Como isso acontece

Existem diferentes formas de adquirir uma empresa. No mercado de M&As (mergers and acquisitions, ou fusões e aquisições, na tradução para o português), há diferenças, por exemplo, entre as aquisições amigáveis e as aquisições "hostis" (hostile takeover, em inglês). Esta última acontece quando não é de interesse da diretoria de uma companhia de capital aberto que outro investidor tome o controle daquela empresa.

Um caminho é ir comprando as ações aos poucos. "Essas transações nascem de uma percepção de um grande investidor, seja ele um investidor financeiro ou investidor estratégico, ou seja, um private equity, que é de identificar um ativo: esse ativo é importante, preciso tê-lo, e está barato", diz Carlos.

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No caso das companhias de capital aberto, investidores podem adquirir os papéis negociados na Bolsa e até chegar a adquirir uma participação relevante. A aquisição da empresa pode ocorrer pela compra total ou parcial de ações. A negociação também pode acontecer por meio da compra de ativos, como a própria marca e outros ativos líquidos.

O mega-investidor Luiz Barsi investe muito em poucas empresas e, por isso, chega a ter participação relevante. Tem cerca de 1,5% das ações da resseguradora IRB, que também não tem controlador definido. Sua filha, Louise Barsi, faz parte de um comitê na empresa. Ele tem 5% de todo o capital da AES, por exemplo. Depois da própria controladora AES Corp e BNDESPar, ele é o terceiro maior acionista da empresa. Ele tem 13,8% da Unipar - a empresa, porém, tem um controlador.

E uma investidora individual chegou a ter mais de 10% do controle da livraria Saraiva (SLED4). A empresária gaúcha Alyssa Nunes Bruscato Costa comprou ações da empresa, em recuperação judicial aos poucos, até ter tantos papéis que garantiram a ela a segunda maior participação acionária na empresa. Ano passado, ela se desfez de quase todas as ações.

E que empresas já foram alvo de aquisições?

A MC Brazil F&B, controlada pelo fundo de private equity Mubadala, adquiriu a Zamp, empresa dona do Burger King e Popeyes no Brasil. Em fevereiro, o fundo tomou o controle da companhia por meio da compra de ações na bolsa e passou a ter 58,3% da companhia.

Outro caso famoso é o da aquisição da BRF, dona de marcas como Sadia, Perdigão e Qualy. A Marfrig passou a ter mais de 50% das ações em dezembro do ano passado, mas declarou na ocasião que a aquisição visava incrementar a participação acionária na BRF, e não alterar a composição do controle ou estrutura administrativa atual.

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Há seis anos, em 2018, a Energisa tentou adquirir a Eletropaulo. A Energisa apresentou uma proposta por meio de OPA (Oferta Pública de Aquisição) para comprar a Eletropaulo por R$ 3,24 bilhões, mas foi rejeitada. Dois meses depois, a Enel adquiriu 73% da Eletropaulo por R$ 5,55 bilhões, durante um leilão de oferta pública de ações realizado na Bolsa de Valores de São Paulo.

Entenda o poder de influência

Este tipo de abordagem, de comprar ações aos poucos até ter participação relevante, é comum principalmente nos EUA, país que é berço das corporations. "95% das companhias listadas nos EUA não têm um acionista definido. Elas têm acionistas de referência. Essas companhias estão sujeitas a essa abordagem por parte de investidores", diz Carlos Mello. Para ele, essas transações dão acesso a oportunidades que o investidor, em outras circunstâncias, não teria.

Em 2012, a Netflix adotou a estratégia chamada "poison pills" (ou pílulas venenosas, na tradução para o português) para se proteger de tentativas de aquisições hostis. Na ocasião, o investidor Carl Icahn havia comprado uma participação de 10% na empresa. Ele ficou conhecido como "invasor corporativo" pela aquisição hostil da TWA (Trans World Airlines) em 1985. O fato acendeu o alerta de que a Netflix poderia se tornar alvo de gigantes da tecnologia como Microsoft, Apple, Google, Amazon, Verizon ou Comcast. A companhia adotou, então, um "plano de direitos dos acionistas", que entraria em vigor se um indivíduo ou grupo tentasse comprar uma fatia considerável da empresa sem a aprovação do Conselho, inundando o mercado com mais ações e diluindo a participação de todos.

Mas as intenções das compras precisam ficar claras - até para a CVM. "Ter 5% do capital de uma companhia com controle indefinido, por exemplo, é muito importante", diz ele. A Previ anunciou ao mercado que passou a deter 5% na Vibra e foi obrigada, pela regra da CVM, a dizer o que queria fazer com essa participação. No caso da Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, a companhia disse que não quer "influir" ou "alterar a composição do controle ou a estrutura administrativa" da Vibra.

Quando a Cosan adquiriu 4,9% da Vale em 2022, uma operação inédita para o grupo, o mercado ficou alerta: o que a empresa queria com aquela fatia bilionária? Apesar de minoritária, a participação era relevante. Na ocasião, a Cosan disse que via muito "potencial de valor na Vale". Em dezembro de 2023, a empresa vendeu 0,22% da mineradora.

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É uma tendência do mercado. Marco André Almeida, sócio-líder de Fusões e Aquisições da KPMG no Brasil, acredita que existe uma tendência do mercado ter mais corporations, mas discorda que as empresas ficam mais "suscetíveis" a aquisições de fora, já que elas têm como se proteger, com mecanismos como as poison pills e suas respectivas governanças.

Empresas podem ter regras para limitar interferências

Carlos Mello pondera, no entanto, que existem regras estatutárias que devem ser olhadas com cuidado. Algumas companhias abertas limitam o poder de voto dos acionistas a um determinado percentual, mesmo que ele tenha mais ações do que outros investidores. A Embraer, por exemplo, define que cada ação ordinária confere direito ao voto, mas nenhum acionista ou grupo de acionistas pode ter votos acima de 5% dos papéis da empresa.

A Eletrobras, que passou por uma desestatização em 2022, também limita o direito ao voto dos seus acionistas. O motivo é, inclusive, uma queda de braço com o governo federal, que detém 42% das ações. A Lei da Desestatização da Eletrobras proíbe que acionistas ou grupo de acionistas tenham mais de 10% de peso nas votações. Mas a ADI 7385 (ação direta de inconstitucionalidade), ajuizada pelo presidente Lula, questiona a redução do poder de voto do governo na companhia.

Você tem companhias abertas que têm acionista de referência que chega a ter 40% [das ações]. E não existe regra de limitação de voto. Essa companhia é perfeita para alguém tentar formar uma posição igualmente relevante. Essas companhias têm uma grande propensão a serem abordadas ou 'atacadas' por eventuais investidores interessados em exercer influência.
Carlos José Rolim de Mello, sócio do Mello Torres advogados e especialista em M&As

O cenário de fusões e aquisições no Brasil

O Brasil registrou 1.505 fusões e aquisições de empresas em 2023. É uma queda de 13% na comparação com 2022, segundo dados da KPMG com 43 setores da economia. Mesmo assim, os números atuais são superiores a períodos anteriores. Segundo a KPMG, as transações domésticas entre organizações brasileiras (998) lideraram em 2023, seguidas de operações de empresas de capital majoritário estrangeiro (400) que adquiriram, de brasileiros, capital de empresas estabelecidas no Brasil.

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O especialista explica que a atividade de M&A no Brasil é muito diversificada. Diversos setores são relevantes para as transações, como agro, logística, serviços financeiros, alimentos, telecomunicações e outros. Para 2024, o aumento de transações relacionadas à transição energética (uma tendência entre as operações), a redução da taxa de juros (que impactam fortemente a avaliação de valor das empresas ou de ativos, o chamado valuation) e uma melhora na economia global, são fatores que devem impulsionar M&A.

Os IPOs, as ofertas públicas de ações, também são muito importantes para o mercado. Investimentos em private equity também impactam o mercado de fusões e aquisições. Porém, nem IPOs nem fundos de private equity estão em um momento forte no Brasil.

Antigamente o M&A era muito: 'Eu quero ir para um novo mercado, eu quero ganhar market share, então vou comprar os meus concorrentes no novo mercado ou algum concorrente que tenha sinergia'. Hoje em dia não, as empresas precisam comprar competências, eu preciso entender inteligência artificial, eu preciso segurança cibernética. Acho que isso tende a puxar bastante o M&A.
Marco André Almeida, sócio-líder de Fusões e Aquisições da KPMG no Brasil

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