Petrobras: Falta de apoio à indústria naval era motivo de insatisfação
Defendido pelo governo, o incentivo da Petrobras à indústria naval brasileira era alvo de insatisfação no setor e torna-se agora um desafio para a nova gestão da estatal. O tema estava no pano de fundo da crise envolvendo o ex-presidente da estatal Jean Paul Prates, demitido na terça-feira (14) pelo presidente Lula.
O que foi prometido
A Petrobras divulgou no final de abril um plano com medidas de incentivo à indústria naval. Apelidado por Prates de PAC do mar, o plano prevê que parte dos US$ 73 bilhões destinados pela estatal à exploração e produção de petróleo irá para demandas ligadas à indústria naval e offshore.
O anúncio fala na geração de 100 mil empregos. Também fala na contratação de 38 barcos de apoio que devem entrar em operação até 2030. Na ocasião, a Petrobras anunciou estudos para contratação de sete plataformas, além de 14 unidades flutuantes já previstas, e estudos para a construção de 16 navios para cabotagem.
A divulgação do plano pela Petrobras veio pouco depois da crise envolvendo o ex-presidente da estatal Jean Paul Prates. Setores do governo manifestaram insatisfação com a atuação de Prates à frente da empresa e a falta de incentivo à indústria nacional era um dos pontos atacados.
O aumento do conteúdo nacional nos contratos da Petrobras é uma promessa do governo. O presidente Lula já reforçou publicamente o compromisso do governo com a recuperação da indústria naval. O tema é alvo de críticas entre sindicatos da indústria. Para eles, ainda há pouco incentivo às empresas brasileiras na estatal.
O que aconteceu
O plano divulgado coloca na conta projetos ainda em fase de estudo. Também não há clareza sobre qual será a participação da indústria nacional nas encomendas de navios e plataformas.
O Sinaval, sindicato que representa empresas do setor, diz que esperava uma demanda "mais substancial" por parte da Petrobras e da Transpetro. Em nota enviada ao UOL, a entidade diz que "as encomendas mobilizarão só alguns estaleiros e vários outros terão que aguardar uma próxima etapa".
Não há, por exemplo, nenhuma sinalização quanto a grandes navios petroleiros ou gaseiros e as quantidades que estão sendo licitadas de navios de apoio marítimo estão aquém do esperado. Temos que considerar que a retomada das construções no Brasil está ainda no começo. Vamos aguardar os próximos passos.
Sinaval, em nota
Há críticas ao excesso de afretamentos de navios estrangeiros. Somente 4% do petróleo transportado de navio no país viaja em embarcações brasileiras, diz a Conttmaf (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos). Para a entidade, o plano apresentado pela Petrobras não garante empregos no Brasil.
Foi um balde de água fria. Os 100 mil empregos não se sabe se serão gerados no Brasil, na China ou na Coreia do Sul. Os investimentos anunciados incluem possibilidades em avaliação que não foram aprovadas.
Carlos Müller, presidente da Conttmaf
Para pressionar por mais contratos, entidades sindicais do setor criaram o Fórum pela Retomada da Indústria Naval e Offshore. Em fevereiro, o fórum divulgou um documento pedindo uma série de mudanças na forma de contratação da Petrobras. As entidades reclamam que o fornecimento de navios e plataformas tem sido feito principalmente via afretamento de empresas estrangeiras.
O tema era alvo de insatisfação também entre os petroleiros. Em nota, Deyvid Bacelar, coordenador-geral da FUP (Federação Única dos Petroleiras), disse que a gestão de Prates teve melhorias em pontos importantes, mas que outros ainda precisavam avançar. Ele cita como exemplo o apoio à indústria naval, com a retomada de encomendas da Petrobras no Brasil, e o aumento do índice de conteúdo local nos contratos. Bacelar também criticou o alto índice de afretamento de plataformas e defendeu estímulos para a construção de plataformas e navios próprios da Petrobras. Medidas que teriam "grande potencial de geração de emprego e renda rapidamente", disse.
O que explica o resultado
Para entidades do setor naval, a situação atual é resultado de uma política da Petrobras que tem priorizado empresas estrangeiras nos contratos. Em texto divulgado em fevereiro, o Fórum afirma que a estatal "precisa abandonar os erros da ideologia lava-jatista em que a aversão às empresas brasileiras virou filosofia empresarial".
As entidades ligadas ao Fórum reclamam que a Petrobras exclui financeiramente as empresas brasileiras. Segundo elas, o sistema da estatal "foi calibrado para que o tamanho dos contratos ou supostos requisitos técnicos jamais pudessem caber no mercado nacional".
Os contratos das plataformas de exploração de petróleo também são questionados. A crítica é direcionada às licitações recentes, com as das plataformas P-84 e P-85, que terão custo de cerca de US$ 4 bilhões cada. As entidades reclamam que as licitações foram feitas pela unidade inteira, eliminando empresas nacionais da competição, uma vez que as brasileiras não conseguem absorver um contrato desse porte.
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Quero receberUma alternativa seria fatiar os contratos em módulos menores. A solução já foi usada no passado e poderia garantir mais conteúdo nacional nas plataformas, diz Carlos Rizzo, consultor do setor de petróleo e gás.
A Petrobras está licitando a plataforma inteira. Pós Lava Jato, nenhuma empresa brasileira tem capacidade de fazer isso. Só tem um grupo de Singapura, o Seatrium, que se autofinancia e que concorre sozinho. A Petrobras precisa voltar a dividir esse contrato, para que grupos menores consigam fazer. Pode contratar uma parte no exterior, mas coloca 30%, 40% no Brasil.
Carlos Rizzo, consultor
O que irá acontecer
A Petrobras deu um aceno à indústria nacional ao reduzir o prazo de pagamento a fornecedores. Desde 1º de maio, os pagamentos são feitos em 30 dias. A decisão mudou uma política implementada em 2020, pela qual os pagamentos demoravam até 90 dias.
O prazo alongado comprometia o fluxo de caixa dos fornecedores. A mudança também ocorreu na esteira das especulações sobre a saída do presidente da estatal Jean Paul Prates, e foi avaliada positivamente pelo setor. O outro aceno veio com a divulgação do PAC do mar.
O avanço em outras frentes para ampliação do conteúdo nacional nos contratos da estatal é complexo. Ela esbarra no fato de a petroleira ser uma empresa de capital misto que tem o governo como principal acionista.
Sob Prates, a expectativa do mercado era de que a Petrobras não destinasse grandes investimentos ao setor naval. Os investimentos da estatal são vistos com desconfiança por investidores minoritários, uma vez que podem significar menor retorno ao acionista, diz Ruy Hungria, analista da Empiricus Research.
Esses R$ 73 bilhões já foram anunciados no fim do ano passado. O que não sabe ainda é quanto vai para cada parte. Desde que naval não seja relevante nessa fatia, não é um grande problema.
Ruy Hungria, analista da Empiricus
O tema será um desafio à nova gestão da Petrobras. A avaliação é de há uma distância entre as intenções do governo e o que de fato será realizado na estatal. Isso porque, hoje, para um projeto ser aprovado na empresa, ele precisa atender a uma série de critérios, diz Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.
O mercado tem na memória o caso da Sete Brasil, empresa criada em 2010 para fornecer equipamentos navais. A companhia tinha na Petrobras sua principal cliente, e foi tragada pelos escândalos revelados na Operação Lava-Jato, cujas investigações indicaram pagamento de propina em troca de contratos da Sete Brasil. A empresa pediu falência em fevereiro.
Há uma tentativa por parte do governo de fortificar esse setor, que é criador de empregos. Mas entre querer emplacar os projetos e emplacá-los tem um caminho longo. Hoje é válido lembrar que a Petrobras é regida por diversas leis.
Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos
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