Comprar passagem por uma cia áerea, mas voar em outra: o que é 'codeshare'

Entre as 62 vítimas da queda do voo 2283 da Voepass em Vinhedo (SP) na última sexta (9) havia passageiros que compraram seus bilhetes pela Latam Brasil. Mas, afinal, um viajante pode comprar uma passagem por uma companhia e ser embarcado em avião de outra?

A resposta é sim. Este tipo de operação é conhecida como "codeshare", um acordo de compartilhamento de voos estabelecido entre duas companhias aéreas que tem o objetivo de ampliar a malha aérea de ambas. Ou seja, se uma não voa com seus próprios aviões a determinadas cidades, sua parceira pode levar os passageiros do "meio do caminho" até o destino final, ampliando a rota atendida.

No caso da Latam, que voa entre grandes cidades pelo país, o seu alcance é aumentado por parceiras que realizam trechos domésticos mais regionais.

Prática é legal?

Sim. Apesar de companhias aéreas não precisarem obter aprovação da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) para realizar operações de compartilhamento de voos, todas elas precisam ser registradas junto à agência e estar de acordo com as leis do Brasil ou, caso os trajetos sejam internacionais, com as leis dos países envolvidos.

Estas parcerias também são analisadas pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para garantir que estas operações não estejam formando um cartel ou monopólio que impossibilite a concorrência justa de outras companhias. Isso já aconteceu em parcerias firmadas entre Azul e Gol este ano e entre Latam e Azul em 2020.

O compartilhamento de voos possibilita que o passageiro faça parte da viagem pela Latam Airlines e complete seu trajeto por uma aérea parceira
O compartilhamento de voos possibilita que o passageiro faça parte da viagem pela Latam Airlines e complete seu trajeto por uma aérea parceira Imagem: Divulgação

Em nota divulgada na quarta (14), a Anac garantiu que as operações nacionais seguem mais rigorosos padrões internacionais de segurança da aviação civil. "A Anac reitera seu compromisso com a segurança da aviação e reforça que todas as empresas aéreas que operam voos comerciais no transporte aéreo regular de passageiros no Brasil são permanentemente monitoradas e fiscalizadas pela agência", diz o texto.

Latam pode ser responsabilizada?

Fátima Albuquerque, mãe de Arianne Risso, uma das vítimas do voo 2283, pediu em entrevista à Folha a responsabilização da Voepass pelo acidente, assim como da Latam, que vendeu a passagem de sua filha. Isso é possível?

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Uma decisão de 2023 do juiz Edilson Enedino das Chagas, da Segunda Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, considerou que companhias aéreas que utilizam o codeshare para ampliar seus serviços podem ser responsabilizadas porque são "fornecedores" e, "ao lucrar com a atividade" de outra companhia, devem responder "solidária e objetivamente pelos eventuais danos causados por seus parceiros comerciais, em atenção à teoria do risco do proveito econômico", com base no artigo 7º do Código de Defesa do Consumidor.

Ao UOL, o diretor-executivo do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores, Igor Britto afirmou que familiares podem optar por buscar a responsabilização de uma das empresas ou de ambas. A dupla responsabilização é chamada de responsabilidade solidária, que é quando mais de uma pessoa ou empresa é responsável por causar um dano.

As pessoas podem buscar indenização como se fosse um avião da Latam. A Latam não pode se beneficiar da parceria, vendendo serviço de uma empresa que tem estruturas, processos e aeronaves precários, mas não se responsabilizar pelos danos que essa decisão dela causou para as famílias.
Igor Britto, diretor-executivo do Idec

A responsabilização pode ocorrer mesmo quando a empresa não tem culpa pelo ocorrido. Isso porque cabe, no caso, o princípio da responsabilidade objetiva, previsto no Código de Defesa do Consumidor. Ele obriga o fornecedor a reparar os danos causados independentemente da existência de culpa, explicou à nossa reportagem Marcial Sá, especialista em direito aeronáutico do Godke Advogados.

A responsabilidade objetiva diz que a empresa é automaticamente responsável, independentemente se ela teve culpa ou não. A Latam elegeu a Voepass, então tinha que ter tido o cuidado de verificar se o serviço estava sendo oferecido de forma correta.
Marcial Sá, especialista em direito aeronáutico do Godke Advogados

No entanto, ele frisa que a Latam pode alegar que a sua responsabilização não é legítima. Isso porque o prestador do serviço que gerou o dano está identificado — no caso, a Voepass. O desfecho dependerá do entendimento do juiz.

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Posso cancelar uma passagem com codeshare já comprada?

Caso o passageiro esteja considerando desistir de viajar com compartilhamento de voo após o acidente da última sexta, é importante saber que não existe previsão de cancelamento ou reembolso apenas por não se sentir seguro.

"O receio de que algo semelhante ocorra com o voo contratado pelo consumidor não se manifesta como situação de exposição de risco à vida, considerando que as companhias tiveram as aeronaves certificadas pelos órgãos reguladores do transporte aéreo", esclareceu o Procon de São Paulo à Agência Brasil por meio de nota.

Cada passagem está sujeita a regras para cancelamento e remarcação disponibilizadas na compra
Cada passagem está sujeita a regras para cancelamento e remarcação disponibilizadas na compra Imagem: wutwhanfoto/Getty Images/iStockphoto

Cada companhia costuma vender suas passagens sob condições específicas de flexibilização — como possibilidade e prazos de cancelamento ou remarcação de datas e assentos — com as quais o passageiro concorda no momento da compra. É importante ficar atento a essas informações.

"Cada compra de tíquete de passagem aérea estabelece uma regra de condições. Cada tíquete tem direitos e obrigações, tanto do passageiro quanto da companhia aérea. Mas não é normal ou usual vermos contratos que permitam essa desistência imediata [sem custos ou perdas para o consumidor]", disse Roberta Andreoli, presidente da Comissão Especial de Direito Aeronáutico da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), também à agência.

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A resolução nº 400/2016 da Anac ainda garante ao consumidor o direito de cancelar, sem custos, passagem aérea até 24 horas depois do recebimento do comprovante de compra, desde que ela aconteça pelo menos sete dias antes da data de embarque.

O que diz a Latam

À reportagem do UOL, a Latam informou na terça (13) que, no acordo de codeshare, "a empresa operadora do voo é quem responde por toda a gestão técnica e operacional, o que inclui "o atendimento aos passageiros nos aeroportos, o próprio voo e as suas eventuais contingências. Não se trata, portanto, de 'transferência' ou 'terceirização' de operações', frisa.

Ela ainda garante que o cliente é avisado de que o voo será operado por outra companhia "já no momento da busca pela passagem, antes mesmo do cliente decidir pela compra". Sobre reembolsos e remarcações, a Latam informou que o cliente pode reembolsar ou remarcar sua passagem sem custos e multa sempre que o voo for cancelado, seja ele operado pela própria companhia ou por uma parceira.

Em nota divulgada na sexta, a Latam ainda informou que a assistência aos familiares de vítimas estava sendo realizada pelo canal da Voepass, no telefone 0800 9419712, disponível 24 horas.

A reportagem voltou a procurar a companhia nesta sexta (16) e questionou se ela está oferecendo algum tipo de suporte aos familiares das vítimas e se outros procedimentos de cancelamento de passagens em codeshare com a Voepass têm sido adotados desde o acidente.

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A Latam reiterou "seu profundo pesar e respeito aos familiares e amigos dos passageiros e tripulantes do voo 2283 da Voepass" e afirmou que, "desde 9 de agosto, com base em uma solicitação formal, tem atendido às solicitações da Voepass de apoio ao seu plano de contingência e esforços de assistência, sobretudo no auxílio requerido pela Voepass para garantir que os familiares possam despedir-se dos seus entes queridos."

"De forma geral, há uma mobilização conjunta com as autoridades, empresas aéreas e sociedade civil. O apoio oferecido à Voepass inclui voluntários e transporte", completou. A companhia ainda recomendou que, antes de se dirigir aos aeroportos, os passageiros consultem o status de seus voos na página Minhas Viagens (https://www.latamairlines.com/br/pt/minhas-viagens). "Por fim, reitera que adota todas as medidas de segurança possíveis, técnicas e operacionais, para garantir uma viagem segura para todos."

A Anac também foi procurada para comentar sobre a fiscalização deste tipo de operação e possíveis responsabilização das aéreas envolvidas, além de cancelamentos, mas aguarda o posicionamento da agência. Este conteúdo será atualizado em caso de retorno.

*Com informações da TV Brasil e da Agência Brasil

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