Produtores de gado Angus investem para melhorar qualidade da carne

As carnes certificadas de raça ainda são minoria no Brasil, mas há cada vez mais produtores investindo nisso para ter mais valor e rentabilidade. Na Expointer, produtores produtores da raça Angus buscam cruzamentos com gado leiteiro para a criação de novas raças e para melhorar a qualidade da carne.

Na Expointer, carne de bovinos das raças Angus e Hereford, ovinos e búfalos são apresentadas com destaque em um espaço da Expointer batizado como ''Vitrine da Carne Gaúcha''. Passados quatro meses do início da maior catástrofe climática da história do Rio Grande do Sul, produtores participam da tradicional feira do agro gaúcho ainda em meio às consequências.

Rebanho gaúcho tem foco em Angus

O rebanho gaúcho tem como característica ser formado por raças europeias, com a maior parte criada a pasto em campos.

Entre as raças, o Angus é a que lidera. A estimativa vem de dados de venda de sêmen e declaração de produtores a órgãos de inspeção, tanto de animais puros, quanto cruzados, segundo Ana Doralina, gerente do programa Carne Angus Certificada.

A raça cresceu a partir dos anos 1980, quando começou a ter cruzamento industrial. O programa gerenciado por Doralina foi criado em 2003, com frigoríficos especializados, que garantem o selo a animais que tenham ao menos 50% de sangue da raça. O Rio Grande do Sul representa hoje cerca de um quarto da produção de Angus no Brasil, atrás de Mato Grosso.

[A certificação] traz confiança, agrega valor, é um produto do mercado premium, já exportamos para mais de 30 países ao longo de 20 anos do programa e foram abatidos mais de 5,2 milhões animais. Dentro do todo que é a pecuária, ainda é um grão de areia no deserto, mas pensando numa pecuária em que é considerado volume, temos um programa desmistificando tudo isso e posicionando que temos qualidade.
Ana Doralina, gerente do programa Carne Angus Certificada

Gado da raça Angus: cruzamento com gado leiteiro pode melhorar a qualidade da carne
Gado da raça Angus: cruzamento com gado leiteiro pode melhorar a qualidade da carne Imagem: Fernanda Canofre

Durante a Expointer, o programa anunciou uma novidade que pode expandir a presença da raça no país. É o cruzamento com gado leiteiro para a produção de novos tipos de gado de corte.

Esse produto nos mostrou alto marmoreio (gordura entre as fibras da carne). Essa carne vai entrar no mercado em breve, já oficializamos cruzamento de angus com holandês e com jersey. Os americanos fazem isso há muito tempo, o que eles chamam de beef on dairy.
Ana Doralina, gerente do programa Carne Angus Certificada.

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Ganho com certificação

O gado certificado ainda é uma minoria na totalidade do rebanho, mas tem mais valor agregado. Por isso, associações e programas de certificação com rastreabilidade, como o Angus, ajudam a consolidar o trabalho genético.

O Programa de Carne Hereford, que certifica carne das raças Hereford e Braford, foi criado em 1998, um dos primeiros no país. A ideia é garantir rentabilidade para o produtor, segundo a associação de produtores das duas raças. Atualmente, ela tem cerca de 4.000 produtores cadastrados, a maioria no Rio Grande do Sul.

O produtor precisa cada vez mais rentabilizar seu negócio, as margens estão apertadas, e as nossas raças entregam produtividade, tanto no quesito de fertilidade, e no gancho, na produção de carne.
Felipe Azambuja, gerente da Carne Certificada Hereford e da Associação Brasileira de Hereford e Braford

Gado da raça Braford, na Expointer 2024
Gado da raça Braford, na Expointer 2024 Imagem: Fernanda Canofre

Já há produtores investindo em Wagyu, a raça conhecida como ''a carne mais cara do mundo''. A Invernada Santa Fé, em Júlio de Castilhos, região central do estado, foi das pioneiras no país a conseguir a certificação para a carne. Gisele Andras e o marido começaram a criação em 2009, depois que ele conheceu a carne nos Estados Unidos. O gado de origem japonesa chegou ao Brasil nos anos 1990, através da Yakult, em São Paulo.

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''O preço do wagyu é ditado pelo marmoreio e isso é definido no frigorífico'', explica ela. ''A gente quer que o mercado tenha mais informações e poder desenvolver aqui o que hoje é feito em São Paulo. O mercado consumidor está lá hoje, nosso gado é mandado para ser abatido, desossado e comercializado em São Paulo''.

O preço médio dos animais gira entre R$ 30 e R$ 35 mil, podendo variar dependendo da genética. Um sistema criado pela Associação Brasileira dos Criadores de Bovinos da Raça Wagyu registra todos os dados do animal desde o nascimento, com informações sobre a genealogia. O registro oficial ainda depende que o animal tenha características reconhecidas de um wagyu.

É uma burocracia que a gente tem e o consumidor tem a garantia de que aquela carne que está sendo vendida é wagyu verdadeiro, não está levando gato por lebre.
Gisele Andras, produtora

Gado Wagyu, na Expointer 2024: cada animal pode custar entre R$ 30 e R$ 35 mil
Gado Wagyu, na Expointer 2024: cada animal pode custar entre R$ 30 e R$ 35 mil Imagem: Fernanda Canofre

Pecuária ainda sente o impacto das chuvas

Enchentes e chuvas intensas de maio mexeram com calendários de criação e produção no Rio Grande do Sul. Apesar da catástrofe em maio, a feira deste ano teve uma redução de apenas 0,63% no número de animais registrados para competição

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Aves e suínos representam a maioria da produção de proteína animal no Rio Grande do Sul, os dois setores mais afetados pela catástrofe devido ao impacto em regiões que concentram a criação destes animais.

Os dois setores não participam da feira. Na edição de 2024, a participação de aves e pássaros na feira foi suspensa devido a foco da doença de Newcastle no estado. A decisão foi do Seapi (Departamento de Vigilância e Defesa Sanitária Animal da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação). Suínos não são expostos desde 2007, também por questões sanitárias.

Perdas causadas pela chuva. Daniel de Souza Melo, que tem produção nos municípios de Tapes, Pelotas e Pedras Altas, com a Agropecuária Santa Eulália, enfrentou impactos em escalas diferentes nos três locais. Criador da raça Angus, na propriedade de Tapes, ele teve que fazer uma operação com trator para conseguir retirar parte do gado que ficou ilhado. Ele estima que o prejuízo só nessa área chegue a R$ 4 milhões.

Se perdeu pastagem, condição corporal nos animais e isso tem efeito nos índices produtivos como reabsorção e perdas embrionárias nas fêmeas gestantes, falta de crescimento através das categorias de recria. Esses animais vão custar um pouco mais a chegar ao peso de abate. E muita perda em produção vegetal, pastagens naturais ou artificiais.
Daniel de Souza Melo, produtor.

Prejuízo deve ser diluído nos próximos anos. ''É um impacto grande, mas a gente trabalha com uma integração lavoura e pecuária forte, nosso negócio é sólido. O prejuízo vai ser diluído em alguns anos'', avalia ele, que também produz arroz, soja e sorgo.

Clima continua impactando. Depois da catástrofe climática, que gerou impacto tanto por enchentes, quanto pelo excesso de chuvas registrado em várias regiões, o frio também tem afetado a recuperação de áreas. Produtores relatam, por exemplo, que em locais onde o pasto voltou a crescer recentemente, a geada o prejudicou de novo.

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As taxas de crescimento normais não estão acontecendo nesse momento. Depois da catástrofe, veio o frio. É muito complexo, vamos ver como a primavera irá nos tratar.
Fábio Avancini Rodrigues, diretor vice-presidente da Farsul (Federação de Agricultura do RS)

O setor de aves foi o mais impactado. É o que diz Rogério Kerber, presidente do Fundesa (Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal). Segundo ele, a produção se concentra em algumas das regiões mais atingidas no estado, como os vales do Taquari, Rio Pardo e dos Sinos. O Rio Grande do Sul, lembra ele, é o terceiro maior produtor e exportador desta proteína animal, com produção de 1,6 milhão de toneladas por ano.

No caso dos suínos, explica ele, a estimativa é que a produção tenha sido afetada em 30%, especialmente pelos prejuízos registrados em duas plantas. O setor, porém, já recompôs a condição de abate.

''Tendo produção de milho e soja, que o RS tem expressiva, você agrega valor com a carne, você não exporta apenas o grão. Transformando em proteína animal, agrega valor, gera mais empregos, o que seria cerca de um milhão na produção gaúcha hoje'', afirma Kerber.

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