Com dívida em alta, Brasil está perto de perder o controle sobre a inflação
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O Brasil está na "antessala" da chamada "dominância fiscal", quando a política de juros de um país perde a eficácia e já não consegue conter a inflação. A culpa é da disparada da dívida pública, que já equivale a 77,7% do PIB (Produto Interno Bruto), afirmam analistas.
O que aconteceu
O Banco Central (BC) vem tentando segurar a inflação com um "choque de juros". O termo foi usado em 11 dezembro do ano passado, quando o Copom (Comitê de Política Monetária, do BC) aumentou a taxa Selic em 1 ponto percentual (para 12,25%) e prometeu manter o ritmo de aumento a fim de debelar a inflação e a disparada do dólar. A elevação de 1 ponto é rara: ocorreu em apenas cinco das 52 reuniões do Copom nos últimos 20 anos, incluindo a reunião de ontem que elevou a taxa a 13,25%.
Apesar desse "choque", o dólar chegou a R$ 6,19 em 29 de dezembro e agora patina em R$ 5,86. O Santander acredita que a moeda americana fechará o ano em R$ 5,80, enquanto o BTG Pactual aposta em R$ 6,25.
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A inflação também dever ser a maior dos últimos anos, apesar da Selic em disparada. Economistas consultados pelo BC projetam que a inflação medida pelo IPCA (o índice oficial do Brasil) termine o ano em 5,5%, ultrapassando o limite da meta pelo segundo ano seguido. O IPCA fechou 2024 em 4,83%, embora a meta do BC seja manter a inflação em 3%, com uma tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou menos, o que significa que a inflação não pode passar de 4,5%.
Comida é o setor da economia mais afetado pela subida de preços. Nos últimos seis anos, a inflação de alimentos foi de 73%, enquanto a geral não passou 40%. Só em 2024, os preços para comer em casa aumentaram 8,23%, contra os 4,83% da inflação geral. As carnes subiram 20,8% e o café moído, 39,6%.
Os analistas ouvidos pelo BC também acreditam que a taxa de juros atingirá seu maior patamar em 18 anos. Eles apostam que a Selic terminará 2025 em torno de 15%, o que não acontecia desde 2006, ainda no primeiro Lula.
Na "antessala" da dominância fiscal
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Essa persistência do real desvalorizado com inflação alta pode significar que a política de juros do BC está perdendo a eficácia. "Sim, a polícia monetária perdeu a eficácia. Estamos precisando de juros cada vez maiores para colocar a inflação na meta. Se as taxas caminharem como o mercado projeta, estamos com juros reais, aqueles acima da inflação, indo para 10%", diz Alexandre Espirito Santo, economista-chefe da Way Investimentos e coordenador de Economia e Finanças da ESPM.
Se o Brasil perder mesmo o controle sobre a inflação, entrará de vez em dominância fiscal. "Dominância fiscal é uma situação na economia em que não adianta o Banco Central subir os juros porque não consegue segurar a inflação", explica Emerson Marçal, professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV. "Se o governo perder credibilidade, o investidor vende seus títulos do tesouro, o governo não consegue financiar a dívida e aí não adianta subir juros. Foi o que aconteceu nos anos 80, quando o governo perdeu a credibilidade e viveu a hiperinflação."
Hoje, o perigo está no descontrole do gasto público. A partir de 2014, o Brasil passou a gastar muito além do que arrecada. Nesse período, os déficits primários somaram R$ 1,6 trilhão. "Temos déficits nas contas há muito tempo, e a relação dívida/PIB é alta para um país como o nosso", diz Alexandre.
O resultado é a disparada da dívida brasileira: ela passou de R$ 2,2 trilhões (51,3% do PIB), em 2011, para R$ 9,1 trilhões em 2024, ou 77,7% do PIB. A dívida aumentou R$ 1 trilhão em comparação com 2023, quando ela somava R$ 8 trilhões e equivalia a 74,3% do PIB. "Um país emergente, de renda média como o nosso, ter uma relação de dívida/PIB em torno de 80% é inviável no longo prazo", diz Alexandre, para quem essa proporção deveria girar em torno de 65%. "Para isso, precisaríamos fazer superávits primários e não déficits recorrentes."
Para ele, o país está à beira da dominância fiscal. "Não creio que já estejamos, mas não se pode descartar a possibilidade. Diria que estamos na antessala", diz. "Se não corrigirmos esse quadro no curto prazo, fazendo ajustes críveis, reformas e cortes de gastos significativos, a chance aumenta muito."
"O Brasil pode entrar em dominância fiscal em razão da divida pública muito alta", concorda Marçal. "Aí os juros não conseguirão segurar a pressão inflacionária. Mas o governo ainda pode controlar a dívida."
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A receita, afirma o professor da ESPM, está nas "reformas". "Uma Administrativa [reorganização de cargos públicos] e outra da Previdência. Além disso, é preciso tornar o orçamento maleável. Ele é rígido, não tem como acomodar despesas", afirma.
O governo pode até preservar o aumento real do salário mínimo, um dos alvos do mercado. "Desde que algumas rubricas importantes, como os benefícios da previdência, que são indexados ao salário-mínimo, deixassem de ser", diz Alexandre. "Precisamos cortar gastos, não temos como aumentar os impostos."
O mercado teme que o governo não entregue os cortes de gastos que tinha prometido. Se isso acontecer, as pessoas vão vender seus títulos da dívida pública e migrar para o dólar.
Emerson Marçal, da FGV
Os especialistas descartam outros motivos para a dificuldade do BC em controlar a inflação. Embora as intempéries climáticas —como as enchentes no Rio Grande do Sul no ano passado— tenham subido os preços da comida e o dólar tenha disparado após a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, a Selic não teria poder para controlar esses fatores. "Se é uma coisa passageira, o Banco Central não tem que reagir. Uma safra ruim em um ano pode atrapalhar, mas no ano seguinte a safra pode ser boa", diz Marçal. Alexandre completa. "Temos déficits nas contas de forma contínua e a relação dívida/PIB é alta para um país como o nosso. Tal situação afeta as expectativas para pior."
223 comentários
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Amarildo Martins Ferraz
Os analistas consultados são os memos que preveram o apocalíptico no ano passado, e os que mais lucram com a alta dos juros. E ainda tem colunista que tem coragem de se apoiar neste tipo para escrever um artigo.
Vinícius Batista
Lembrando que os analistas e economistas de mercados erraram as previsões 91% das vezes desde 2021. É muito terrorismo econômico e na prática não vimos isso acontecer.
Ricardo Henrique Figueiredo da Rocha
Mas o que importa é que o Amor venceu!! Paim é o cara!!