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Pecuária do Brasil espera mudanças em vacinação após suspensão dos EUA

Roberto Samora

29/06/2017 16h09

SÃO PAULO (Reuters) - O setor pecuário brasileiro vê a crise gerada pela suspensão à carne in natura do Brasil pelos Estados Unidos como uma oportunidade para a efetivação de mudanças no sistema de vacinação contra a febre aftosa que poderiam evitar alguns dos problemas que o governo norte-americano apontou para embargar temporariamente o produto nacional.

A avaliação é do presidente interino do Conselho Nacional de Pecuária de Corte (CNPC), Sebastião Guedes, que fez uma série de sugestões a autoridades e à indústria produtora do medicamento, como redução nas doses vacinais, mudança de métodos e a proibição da adição da substância saponina na vacina, que segundo ele irrita o local da aplicação e pode causar edema e reação inflamatória.

Na semana passada, os norte-americanos suspenderam as importações de carne bovina in natura do Brasil --o maior exportador global e único país livre de aftosa com vacinação que exporta aos EUA--, após encontrarem uma alta porcentagem de problemas, como abscessos, eventualmente decorrentes de alguma inflamação.

O mercado de carne in natura dos EUA ainda é pequeno para o produto brasileiro, tendo sido aberto apenas em 2016, mas tais medidas suspensivas de um país com altos padrões sanitários pode afetar negociações para aberturas de novos mercados e colocam em risco as exportações brasileiras, que agora estão sendo inspecionadas com mais rigor, ainda como desdobramento da operação Carne Fraca.

"Não podemos conviver com este problema frequente", disse Guedes à Reuters, ao afirmar que espera que a crise com os EUA leve autoridades a seguirem recomendações "simples" já feitas às autoridades há algum tempo.

Ele disse que deveria ser, por exemplo, proibida a vacinação contra febre aftosa por via intramuscular, uma vez esse método deixa os abscessos escondidos, dificultando o "toalete" (limpeza) das carcaças. Na aplicação "via subcutânea" sugerida pelo dirigente, se ocorrer o abscesso, ele será superficial, visível e mais fácil de ser eliminado no processamento da carne.

Segundo a CNPC, seria possível ainda reduzir de 5 para 2 ml o volume da dose da vacina, o que "sem dúvida" reduziria a possibilidade de abscessos --tal dose menor já é utilizada há anos em outros países, como Colômbia e Equador.

Guedes, que é veterinário, disse também que a indústria deveria eliminar da vacina uma substância chamada saponina, utilizada para estimular e antecipar a imunidade à aftosa.

"A saponina irrita o local da aplicação e pode causar edema e reação inflamatória."

Para o CNPC, a adoção dessas recomendações seria o primeiro passo para evitar os problemas alegados pelos EUA, mas o país deveria seguir em seu programa para retirar a vacina contra aftosa, uma vez que o Brasil já possuiria um rebanho significativo que não apresenta focos da doença há mais de 20 anos, condição para ficar livre do uso do medicamento.

A retirada da vacina contra a aftosa resultaria em uma economia de cerca de 500 milhões de reais por ano, segundo Guedes, que também atua no Grupo Interamericano para Erradicação da Febre Aftosa (Giefa).

O setor pecuário ainda destaca que os abscessos gerados pela vacinação também causam perdas da ordem de dois quilos de peso vivo, resultante do toalete pelo qual passa a carcaça nos frigoríficos.

Com algumas medidas determinadas pelo Ministério da Agricultura após a suspensão dos EUA, como o fracionamento da carcaça na tentativa de encontrar abscessos, essa perdas tendem a aumentar.

Outro lado

Autoridades do ministério disseram em um primeiro momento que haveria indicações de que os abscessos seriam causados pela vacinação, e o governo abriu uma investigação após a suspensão norte-americana, visando dar respostas aos EUA numa tentativa de reabrir o mercado.

O processo para reverter a decisão do governo norte-americano deve demorar pelo menos um mês, a partir da data do anúncio da restrição, disse o ministério em nota recente.

Para o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), que fala em nome de empresas da indústria de medicamentos veterinários, como Ourofino, Boehringer Ingelheim do Brasil, Ceva Saúde Animal (ex-Inova), "é improvável que seja da vacina" a causa dos abscessos.

Questionado anteriormente sobre o que causaria um abscesso, o vice-presidente-executivo do Sindan, Emilio Carlos Salani, disse que isso poderia ser decorrente de uma agulha rombuda (que perdeu a ponta) ou uma agulha mal esterelizada, mas não o medicamento em si.

Segundo a Ourofino Saúde Animal, a produção da vacina contra febre aftosa segue exigências dos órgãos regulatórios brasileiros, tendo 100 por cento de seus lotes testados pelo ministério.

(Reportagem adicional de Marcelo Teixeira)