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Governo Bolsonaro deve seguir linha de política externa de Trump

16/10/2018 17h56

Por Anthony Boadle

BRASÍLIA (Reuters) - O candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, planeja colocar a política externa a cargo de um diplomata que tem elogiado a agenda nacionalista do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que abalou a ordem global, de acordo com um assessor do candidato.

A escolha faz parte do plano do presidenciável líder nas pesquisas de intenção de voto para realizar a mudança mais dramática na política externa do país em décadas. Bolsonaro já prometeu repensar a filiação ao Mercosul e aos Brics e transferir a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém, copiando Trump como poucos na América Latina fizeram.

Isso representa uma reversão total de quase uma década e meia de diplomacia conduzida por governos do PT, que se concentraram em alianças com vizinhos sul-americanos e potências emergentes.

Ernesto Fraga Araújo, responsável por EUA e Canadá no Itamaraty, é a primeira opção de Bolsonaro para o cargo, de acordo com Paulo Kramer, professor de Ciência Política que aconselha a campanha do candidato.

Com uma grande vantagem nas pesquisas a doze dias do segundo turno contra o petista Fernando Haddad, Bolsonaro já começou a selecionar nomes para seu futuro ministério, mas não confirmou sua escolha para ministro de Relações Exteriores.

Em um comportamento atípico para um diplomata brasileiro, Fraga Araújo usou um blog pessoal dedicado a discussões "Contra o Globalismo" para conclamar seus compatriotas a apoiarem a campanha de Bolsonaro.

Mas foi um artigo intitulado "Trump e o Ocidente", publicado em um periódico diplomático, que mostrou ao campo de Bolsonaro o quanto o diplomata de 51 anos compartilha de sua visão de mundo, disse Kramer.

Nele, Fraga Araújo argumenta que Trump está salvando a civilização cristã ocidental do islamismo radical e do "marxismo cultural globalista" ao defender a identidade nacional, os valores familiares e a fé cristã, enquanto a Europa não o faz.

O Brasil tem a chance de recuperar sua "alma ocidental", adotar a vertente de nacionalismo de Trump e buscar os interesses nacionais, ao invés de ficar preso a blocos de nações, escreveu ele.

        

TORNE O BRASIL GRANDE        

    Bolsonaro não esconde sua afinidade com o presidente norte-americano, cuja campanha de 2016 serviu como modelo para seu próprio movimento anti-establishment, prometendo mão firme contra a corrupção e o crime.

"Trump quer os Estados Unidos grande e eu quero o Brasil grande", disse o ex-capitão do Exército a entrevistadores.

Ele saudou a bandeira dos EUA com orgulho em um evento na Flórida com expatriados brasileiros, segundo um vídeo que sua campanha publicou nas redes sociais no ano passado.

O Brasil, uma das grandes economias mais fechadas do mundo, já é cético do livre comércio, mas Bolsonaro também indicou várias medidas simbólicas que ressaltam um realinhamento ideológico.

Um dos sinais mais claros seria transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém seguindo o exemplo de Trump, como o vizinho Paraguai já fez.

Há tempos Brasília apoia uma solução de dois Estados para o conflito israelo-palestino, e em 2010 reconheceu um Estado palestino baseado nas fronteiras de 1967 com Israel.

Mas Bolsonaro disse que a Palestina não é um país e prometeu mudar a embaixada brasileira para Jerusalém e fechar a embaixada palestina em Brasília.

"É uma ótima ideia, porque sinalizaria uma mudança e diria ao mundo que prezamos democracias que têm o Estado de Direito e poderes independentes com contrapesos", disse Luiz Philippe de Orléans e Bragança, deputado federal recém-eleito do PSL que tem aconselhado Bolsonaro na política externa.

"Israel provavelmente é o único país do Oriente Médio que entra nesta categoria. Todos os outros são oligarquias ou ditaduras", disse Bragança, membro da antiga família real, que perdeu o trono quando o Brasil se tornou uma república em 1889.

   

QUESTIONANDO ALIANÇAS

    A atitude de Bolsonaro em relação aos vizinhos da América do Sul é mais fria, especialmente com a socialista Venezuela, que ele prometeu confrontar com o máximo de pressão. Mas seus assessores disseram que ele não romperá as relações diplomáticas nem fechará a fronteira porque isso barraria os refugiados que chegam ao Brasil.

Ele desdenhou publicamente do turbulento Mercosul, que o Brasil fundou com Argentina, Paraguai e Uruguai.

“A política externa do Bolsonaro vai se formar no pragamatismo, sem nenhum tipo de preconceito contra qualquer nação e perseguindo o melhor interesse brasileiro", disse Kramer, um dos conselheiro do candidato do PSL. “O Bolsonaro vai desfazer aquela orientação bolivariana da política externa do governo de Dilma,” acrescentou.

Mesmo a aliança dos Brics, que ganhou ímpeto depois que o Brasil criou bancos de desenvolvimento e incentivou o comércio com Rússia, Índia, China e África do Sul, pode ser alvo de uma revisão cética de Bolsonaro – mas muitos na chancelaria brasileira resistiriam a uma iniciativa de rompimento.

"Bolsonaro poderia tentar sair dos Brics com uma atitude trumpista", opinou Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. "Isso enviaria à China o sinal de que o Brasil está se tornando hostil".

Stuenkel disse que Bolsonaro terá menos dificuldade de desfiliar o país do Acordo Climático de Paris, que ele culpa por amarrar as mãos do Brasil com o gerenciamento de terras, inclusive na Floresta Amazônica.

Quanto à China, a principal parceira comercial do Brasil e uma fonte de investimento estrangeiro nos últimos anos, especialistas dizem que Bolsonaro pode ter que conter seus impulsos mais antagônicos em nome dos interesses econômicos.

Bolsonaro fez alerta aos investidores chineses que vêm assumindo o controle de recursos naturais estratégicos nos setores de mineração e energia.

“A China não está comprando no Brasil, ela está comprando o Brasil”, afirmou ele. "Você vai deixar o Brasil na mão do chinês?"

Mas Rubens Barbosa, ex-embaixador brasileiro nos EUA, acredita que um governo Bolsonaro repudiaria o protecionismo, mesmo em relação à China.

"Bolsonaro pode ter reservas quanto à venda de certos ativos, mas se o investimento chinês for para a infraestrutura de que o Brasil tanto precisa para exportar alimentos e minerais, não acho que ele se oporá", disse Barbosa.