Governo põe reforma da Previdência na rua sem saber tamanho da base e preocupa líderes
Por Lisandra Paraguassu e Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - O governo federal pôs na rua seu principal projeto, a reforma da Previdência, mas ainda não consegue contar quantos votos teria a favor da proposta e nem mesmo qual seria exatamente o tamanho de sua base parlamentar, em um movimento --ou falta de-- que vem deixando assustados líderes experientes.
No Palácio do Planalto, perguntas insistentes sobre o tamanho da base do governo são respondidas com silêncio. Parlamentares alinhados com o governo, no entanto, apontam para 100 deputados em uma versão otimista, 80 fiéis ao governo em uma conta mais realista. Os números não bastam nem mesmo para aprovar um projeto de lei, na maioria dos casos, quanto mais para uma emenda constitucional, que necessita 308 votos.
"Nem o PSL vota inteiro com o governo", diz uma liderança. "Talvez não chegue a 30 os votos fieis do partido."
A falta de articulação, de conversas com as lideranças e de ouvir os parlamentares teria afastado partidos que, em tese, teriam indicado um apoio inicial ainda na transição.
"O governo vai ter que construir a base, hoje ela não existe. O único partido com declaração de base de apoio de governo é o PSL. Não existe nenhum outro que tenha base declarada, mesmo com ministros no governo", disse o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, na semana passada, ao chegar para um café da manhã com o presidente Jair Bolsonaro.
O PSL tem 54 deputados.
Nenhum outro partido declarou apoio oficial ao governo. Alguns que chegaram a negociar uma adesão, como o PR, o PP e o PRB, terminaram por declarar independência e já verbalizam sua insatisfação com a articulação política --ou a falta de-- do governo.
"Nós já perdemos o PR, estamos perdendo o PRB, tudo por falta de articulação. Hoje o governo tem 100 votos quando muito para a reforma da Previdência, já teve 250", reclama uma parlamentar governista. "E não vai resolver dando tapa na orelha de parlamentar."
A ala econômica prefere não falar em número de votos para a reforma da Previdência, citando apenas dados da ala política do governo, que fala em 250 votos --para aprovar uma mudança constitucional, como a reforma da Previdência, são necessários pelo menos 308 votos.
Deputados experientes ouvidos pela Reuters garantem que não existe hipótese de a reforma ter hoje esses 250 votos. No Planalto, fala-se em algo entre 180 e 200 parlamentares favoráveis, mas parte desses apenas depois de negociações que terão que incluir cargos, mesmo que o governo não queira.
Questionado sobre a expectativa do governo e o tamanho da base, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, fez uma conta básica que, na prática, dificilmente se confirma: a de que a oposição conta com 150 deputados e o restante, 363, seriam votos potenciais em favor da reforma.
"AMADOR"
O cálculo do ministro desconsidera o poder de corporações que elegem os parlamentares e as insatisfações das bancadas.
No mesmo dia da apresentação da reforma, os presidentes do PP, Ciro Nogueira (PI), e do PRB, Marcos Pereira (SP), usaram suas contas no Twitter para afirmar que sem o projeto que altera também a previdência dos militares nem se deveria iniciar a discussão do projeto, em um sinal de que a vida do governo não deve ser fácil.
"Atrapalhado" e "amador" são alguns dos adjetivos usados por um líder partidário para avaliar a articulação do governo. Há queixas de parlamentares que pedem audiências e não são recebidos e até de quem foi levar prefeitos de sua região para conversar com secretários e se sentiu destratado.
"Eles acham que estão fazendo tudo novo, mas a verdade é que não tem articulação. Um líder tem que ligar para o ministro, para o presidente e resolver as coisas, ter informação. Nada disso tem", reclama uma liderança.
Apegado à ideia de que não irá negociar cargos com partidos e líderes partidários, o governo vendeu, esta semana, a ideia de que irá montar um "banco de talentos" de nomes indicados pelos parlamentares para preencher cargos ainda vagos na administração federal.
Como mostrou a Reuters, são cerca de mil vagas para serem preenchidas em órgão federais nos Estados, que deputados e senadores tentam convencer o Planalto que precisam ser negociadas para adiantar a reforma. Onyx defende que parlamentares poderão indicar nomes, que serão técnicos, terão os currículos avaliados e poderão ser vetados pelos ministros.
Seria apenas uma nova versão da distribuição de cargos, avalia uma liderança parlamentar de alto escalão, que tenta amenizar a ideia de "toma lá, dá cá", tão combatida por Bolsonaro durante a campanha e a transição. "Continua sendo um sistema de indicações políticas", analisa.
Uma liderança próxima ao Planalto disse que a ideia do chamado banco de talentos "é uma bobagem".
"Se você tem essas vagas vai ter que usar. Essa coisa de banco de talentos é uma bobagem. Claro, tem que conversar, tem que cuidar a questão de corrupção, mas vai ter que negociar, vai ter que indicar, vai ter que levar deputado para inaugurações. Ou então não vai votar nada", defende.
Outra liderança ouvida pela Reuters avalia que o anúncio feito pelo governo como uma novidade é, na verdade, ofensivo aos parlamentares.
"A maneira como eles tratam parece que os partidos só querem meter a mão no governo. Não é assim. Tem gente experiente, boa, que pode ajudar", reclamou. "Eu que não vou indicar ninguém."
Na semana passada, a falta de articulação deu mostrar das dificuldades que o governo pode passar.
A Câmara aprovou por 367 votos a 57 a urgência do projeto que sustava o decreto que ampliou a delegação de quem no governo pode definir a classificação de documentos secretos. Logo em seguida o decreto foi derrubado em votação simbólica.
A votação foi vista como um recado de uma Câmara insatisfeita ao Planalto mas, dentro do Palácio, foi avaliado como algo menor.
BEBIANNO
Parlamentares ouvidos pela Reuters confirmam ainda que a má vontade e a desconfiança com o governo foi agravada pela crise que levou à saída do ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno. A interpretação é que se o presidente trata dessa forma uma pessoa próxima, que trabalhou diretamente para elegê-lo, por que cumpriria acordos com parlamentares com quem não tem tanta proximidade?
"Foi um sinal muito ruim. Se ele trata assim um amigo próximo, por que vai me tratar diferente? Como eu vou confiar que vai cumprir o combinado?", disse um líder partidário.
Depois da indicação dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), Bolsonaro possivelmente indicará até terça-feira a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) para a liderança do governo no Congresso.
Apesar de rusgas iniciais com parte do PSL e até mesmo com um dos filhos do presidente --Eduardo, também deputado federal-- Joice conquistou um espaço junto a lideranças veteranas do Congresso e é a aposta do Planalto para tentar melhorar a interlocução.
(Reportagem adicional de Ricardo Brito e Marcela Ayres)
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