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Petrobras se articula para enfrentar novo inimigo: ladrões de combustível

Geraldo Falcão/Petrobras/Divulgação
Imagem: Geraldo Falcão/Petrobras/Divulgação

Por Gram Slattery e Marta Nogueira

20/09/2019 10h10

RIO DE JANEIRO (Reuters) - A Petrobras, nos últimos cinco anos, enfrentou uma investigação épica sobre corrupção, uma recessão devastadora e preços instáveis do petróleo.

Agora, a empresa mais importante do Brasil enfrenta outro desafio: ladrões estão furtando milhões de reais em combustível para vender no mercado negro.

Os casos que miram oleodutos da Petrobras subiram para um recorde de 261 nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo no ano passado, contra apenas um caso em 2014, de acordo com comunicado da empresa de agosto e declarações feitas à Reuters por representantes da petroleira.

A maioria desses assaltos, segundo a polícia, é obra de sofisticados grupos criminosos, alguns com caminhões próprios, empresas de distribuição e até postos de gasolina no varejo.

"São criaturas criativas", disse Julio da Silva Filho, chefe de uma unidade policial do Rio que investiga o roubo de petróleo na cidade e nos arredores.

O crime custa à subsidiária de distribuição da Petrobras Transpetro mais de 150 milhões de reais por ano, afirmou o presidente-executivo da Petrobras, Roberto Castello Branco, em um evento em junho.

As supostas perdas são pequenas em comparação com as do outro grande player de energia da América Latina —o México— onde gangues de criminosos se infiltraram nos negócios de petróleo em grandes proporções. O furto de combustível custa à estatal mexicana Pemex mais de US$ 3 bilhões anualmente, segundo dados da empresa.

Mas eliminar os problemas do Brasil o quanto antes, disse Silva, será crucial para impedir que os criminosos se entrincheirem na indústria do petróleo. "Estamos trabalhando exatamente para impedir que o Brasil se transforme no México", disse ele.

A Transpetro criou um programa para reunir informações sobre grupos criminosos e está gastando R$ 100 milhões por ano para financiá-lo, de acordo com uma fonte de alto escalão da empresa, que pediu anonimato para evitar retaliação por parte dos grupos do crime organizado.

Atualmente, cerca de 50 funcionários estão envolvidos no trabalho, que inclui rastrear os padrões e métodos dos ladrões de petróleo e combustíveis e compartilhar essas descobertas com a polícia, disse a fonte.

A empresa, que preferiu não responder a um pedido de comentários, também criou uma linha direta para o público denunciar roubo de combustível.

Alguns investidores estrangeiros também estão reforçando a segurança. Eles incluem a TAG, uma unidade de gasodutos que a francesa Engie comprou da Petrobras por US$ 8,6 bilhões em abril.

"Esse fenômeno está começando a ser muito organizado", disse Emmanuel Delfosse, diretor operacional da TAG. "É difícil ir contra eles."

Gustavo Labanca, diretor-presidente da TAG, detalhou à Reuters que, dentre as ações, estão aumento da frequência de patrulhamento em campo, vigilância remota das instalações, reforço das barreiras físicas, bem como ações de conscientização e apoio das comunidades localizadas próxima aos dutos.

Crimes de oportunidade

O combustível é uma mercadoria cara no Brasil, onde o preço da gasolina chega a mais de R$ 4 por litro.

As gangues tradicionalmente focadas no tráfico de drogas se ramificaram em roubo de combustível nos últimos anos, segundo as autoridades. O mesmo acontece com as chamadas milícias, dizem a polícia, que surgiram para combater as quadrilhas de traficantes, mas que se transformaram em organizações criminosas.

Esses grupos são altamente organizados, com divisões separadas dedicadas a explorar ilegalmente oleodutos, transportando combustível roubado e vigiando a polícia, disse a promotora de Justiça Simone Sibilio, coordenadora do Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado no Estado do Rio de Janeiro.

Ela disse que os criminosos usam o produto por meio de empresas como de asfalto, cujas operações exigem grandes quantidades de derivados de petróleo. Eles também vendem para proprietários inescrupulosos de postos de gasolina, prejudicando os concorrentes legais no preço, disseram as autoridades.

Os bandidos também se concentraram nas vendas no varejo. A polícia diz que criminosos entraram nos postos de gasolina anos atrás, como forma de lavar dinheiro de outras operações ilícitas. Agora, abastecer essas bombas com combustível roubado se tornou um novo e lucrativo negócio, disseram as autoridades.

O Primeiro Comando da Capital, uma das facções criminosas mais famosas do Brasil, controla cerca de 300 postos de gasolina no Estado de São Paulo, segundo Paulo Miranda, presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustiveis). Isso representa cerca de 3% dos aproximadamente 9.000 postos de gasolina do Estado.

"É uma máfia do combustível", disse Miranda.

Combate de volta

O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, pediu sentenças mais duras para os ladrões de dutos para reduzir o furto de combustível.

A empresa também está perto de assinar acordos formais com a Pemex do México e a Ecopetrol da Colômbia, para facilitar o compartilhamento de estratégias anti-roubo, disse a fonte da Transpetro.

Nenhuma dessas empresas respondeu a pedidos de comentários.

Enquanto isso, o aumento da vigilância parece estar valendo a pena. Até o fim de julho, os roubos de combustível no Brasil caíram 33% em comparação com o mesmo período de 2018, mostram dados da Petrobras, embora continuem altos pelos padrões históricos.

Lucas Tristão, secretário de Desenvolvimento do estado do Rio, disse que as autoridades fecharam dez postos de gasolina no Rio por vários crimes em 2019.

Em julho, uma operação policial prendeu mais de 40 pessoas suspeitas de envolvimento com uma milícia acusada de cometer crimes como assassinatos de rivais e a extorsão de prestadores de serviço do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), da Petrobras, em Itaboraí (RJ).

Tristão afirmou que uma milícia local estava exigindo pagamentos de empreiteiros no complexo.

Gabriel Poiava, um dos detetives do caso, disse que é um tipo de criminoso que olha para cima e para baixo na cadeia de suprimentos de petróleo do Brasil, para ver onde ele poderia se apropriar de um pedaço da riqueza.

"Se eles acreditassem que alguma atividade poderia ser extorquida lá, eles tentariam", disse ele.

(Com reportagem adicional de Rodrigo Viga Gaier)