BC diverge internamente sobre recuperação econômica, diz que efeito de coronavírus é incerto
Por Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - O Banco Central indicou divergência entre os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre o nível de ociosidade na economia, e apontou que, diante de "múltiplas incertezas" envolvendo este e outros fatores, quer ter melhor compreensão do cenário para definir os próximos passos para os juros básicos.
Na ata do Copom divulgada nesta terça-feira, o BC também afirmou que há dicotomia na recuperação econômica do Brasil, com melhora no mercado de trabalho, mas com produção industrial e indicadores preliminares de investimento abaixo do esperado.
"Em vista das múltiplas incertezas no que tange ao atual grau de ociosidade, à velocidade de recuperação da economia e ao aumento da potência da política monetária, que atua com defasagens na economia, o Copom considera que é importante observar os efeitos do ciclo de estímulo monetário iniciado em 2019", trouxe a ata.
"O Comitê avalia que uma melhor compreensão desses efeitos é essencial para definir os próximos passos da política monetária", acrescentou o BC, sem com isso fechar a porta para eventual retomada do afrouxamento monetário, mas indicando que quer tempo de avaliação antes de qualquer decisão.
Para o economista-chefe do banco de investimentos Haitong, Flávio Serrano, a mensagem é similar à do comunicado da semana passada, com o BC expressando que quer avaliar a dinâmica econômica e entender como a economia vai performar com juros muito baixos.
"Acho que não tem corte (adiante), mas não quer dizer que não ache que tem uma certa probabilidade de haver. Evento mais provável pra mim é subir juros entre primeiro e segundo trimestre do ano que vem", afirmou ele.
O BC também avaliou, sobre o coronavírus, que um eventual prolongamento ou intensificação do surto implicaria uma desaceleração adicional do crescimento global, com impactos sobre os preços das commodities e de importantes ativos financeiros.
"A consequência desses efeitos para a condução da política monetária dependerá da magnitude relativa da desaceleração da economia global versus a reação dos ativos financeiros", frisou a autoridade monetária.
Na semana passada, o BC havia indicado expressamente a interrupção do atual ciclo de cortes na taxa básica de juros Selic após reduzi-la em 0,25 ponto percentual, em sua quinta diminuição seguida, à nova mínima histórica de 4,25% ao ano.
O BC justificou que os ajustes já feitos ainda vão surtir efeito na economia, considerando os efeitos defasados do ciclo de afrouxamento iniciado em julho do ano passado, mensagem que repetiu nesta terça-feira.
Desde a decisão, contudo, uma inflação mais fraca que a esperada fez com que agentes seguissem em atento compasso de espera pela ata, em busca de pistas sobre chance de novo corte nos juros diante da fraqueza na economia.
OCIOSIDADE
Sobre o nível de ociosidade, O BC afirmou que alguns membros avaliaram que o esgotamento do modelo de alocação centralizada de capital e a longa duração da recessão podem ter produzido restrições de oferta.
"Nesse sentido, a dicotomia dos últimos dados sugere que pode haver menos espaço de ociosidade do que o mensurado por métodos tradicionais", ponderou.
Por outro lado, outros membros do Copom consideraram que a ociosidade dos fatores de produção ainda é elevada tomando por conta a dinâmica dos núcleos de inflação, que desconsideram os preços mais voláteis, apesar dos recentes efeitos do choque de preços de carnes.
A inflação oficial brasileira começou o ano sob menor pressão dos preços das carnes e subiu 0,21% em janeiro, registrando a taxa mais baixa para o mês em 26 anos.
Para 2020, a meta é de uma expansão de 4,0% do IPCA. Em 2021, o alvo é de 3,75%, nos dois casos com margem de 1,5 ponto para mais ou para menos.
Pelo boletim Focus mais recente, a expectativa é de que a inflação fique em 3,25% neste ano e em 3,75% no ano que vem.
Na ata, o BC ressaltou que, num quadro de expectativas de inflação ancoradas, o pico inflacionário das carnes no fim do ano passado antecipou inflação de 2020 para 2019.
"Tendo em vista que há incertezas sobre a defasagem e a magnitude dos efeitos do estímulo já concedido, o Copom julga que é fundamental observar a evolução da atividade econômica e das projeções e expectativas de inflação ao longo dos próximos meses, com peso crescente para o ano-calendário de 2021", afirmou.
Na visão da economista-chefe da Rosenberg, Thaís Zara, o BC indicou que como uma parte da inflação de proteínas foi antecipada para 2019, a inflação baixa para 2020 seria um efeito transitório. Por isso, o BC começou a dar peso crescente para a inflação do ano que vem, mensagem que usualmente costumava indicar mais tarde no ano corrente.
"No fundo ele busca justificar a sinalização de interrupção (do ciclo de cortes) para as próximas reuniões, mas não sinaliza que você tenha perspectiva de alta tão cedo ou nada nesse sentido", avaliou ela.
"Ele deixa a porta aberta sim (para reduzir Selic), mas mais adiante. A princípio, pelo menos nas próximas reuniões, a sinalização é de pausa para avaliar e aí será preciso ver como vai reagir a atividade econômica, como vai reagir a inflação, especialmente núcleos e projeções para 2021 e 2022", acrescentou.
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