Ida de Bolsonaro com empresários ao STF é tentativa de dividir responsabilidade em pandemia, avaliam fontes
Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - A decisão do presidente Jair Bolsonaro de se dirigir a pé do Palácio do Planalto com ministros e empresários ao Supremo Tribunal Federal (STF) para cobrar medidas de flexibilização do isolamento social em razão do novo coronavírus foi vista como um jogo midiático que tenta dividir responsabilidades exclusivas do governo com a corte, disseram fontes do tribunal à Reuters.
Em reunião com o presidente do STF, José Dias Toffoli, Bolsonaro reclamou do poder dado aos Estados e municípios para definir sobre as medidas de isolamento social, disse que os governadores foram longe demais e que as consequências econômicas estão “batendo à porta”.
Em resposta, Toffoli afirmou no encontro que a retomada da economia ante a pandemia de coronavírus precisa ser coordenada com Estados e municípios, que decretaram medidas de isolamento social que paralisaram grande parte da atividade econômica.
O presidente quis repassar um "abacaxi" que é dele para o Supremo ao levar empresários a tiracolo para pedir mudanças a Toffoli, na avaliação de uma das fontes do STF. Mas, destacou a fonte, recebeu em resposta um chamado de que precisará coordenar ações com os entes regionais, uma atuação em conjunto, e que isso não caberia ao Supremo.
"Bolsonaro armou hoje para registrar o 'não' do Toffoli", disse. "Quis usar o STF, mas acabou se voltando contra ele no final", completou essa fonte, ao lembrar que essa eventual flexibilização do isolamento social tem de contar com embasamento técnico e científico e foi destacado na fala do presidente da corte em tom institucional.
No mês passado, o Supremo garantiu a Estados e municípios poderes para tomar medidas no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus, como fixar regras de isolamento social, quarentena e restrição no uso de transporte público.
Na ocasião, o STF entendeu que a União também tem poderes para se manifestar sobre restrições, nos casos em que há uma atribuição expressa para o governo federal. Um exemplo disso é o caso de eventual fechamento de aeroportos.
Após essa decisão, Bolsonaro tem reclamado insistentemente do exagero de medidas tomadas pelos Executivos estaduais e municipais. O ato desta quinta-feira é mais um, disse outra fonte, minimizando o encontro marcado de última hora de maneira informal pelo presidente.
Para essa fonte, Bolsonaro vive e se alimenta dessas disputas, mas destacou que Toffoli se saiu bem ao ressaltar a necessidade de isolamento social. O presidente do Supremo sempre vem defendendo essas ações para reduzir a propagação do Covid-19.
VIVO
O encontro de Bolsonaro com Toffoli foi marcado a partir de um telefone do novo chefe da Advocacia-Geral da União, José Levi Mello, por volta das 11h, segundo uma das fontes.
A transmissão ao vivo do encontro por parte de equipe ligada a Bolsonaro surpreendeu e irritou membros do Supremo, disse a fonte, porque não houve aviso prévio de que isso iria ocorrer. Raramente o STF faz transmissões dessa forma, reservada a julgamentos e solenidades.
Para uma das fontes, o jogo de cena nasceu com esse objetivo, isto é, mostrar ação, mas não resolver. Outra fonte ironizou toda a situação comparando a de uma "República de Bananas".
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, usou as redes sociais para criticar o ato desta quinta, em que houve quem tenha falado em "morte de CNPJ", em referência ao eventual fechamento de empresas.
"A população não pode mais cair em provocações que opõem dois valores e colocam o brasileiro para brigar. Raciocínios pobres, argumentos rasos, metáforas incabíveis. CNPJ na UTI? Já são mais de 8 mil CPFs perdidos, sem chance de recuperação! Não validemos este debate lunático", disse ele no Twitter.
O cientista político André Rosa disse que o ato desta quinta foi um "jogo de cena" para dar um peso maior à reunião e também à repercussão das notícias.
"É contraditório Bolsonaro falar em interferência entre os Poderes, ao passo que vai ao STF acompanhado de grupos de pressão para com isso ferir a autonomia de governadores que estão amparados por jurisprudência do próprio Supremo para decidir sobre medidas de isolamento", afirmou, em nota.
O presidente tem sido um crítico contumaz do que considera interferência dos outros Poderes no que seriam atribuições exclusivas do Executivo.
No domingo, Bolsonaro disse que havia chegado "no limite" e que não havia "mais conversa" após observar protesto em frente ao Palácio do Planalto em que parte dos manifestantes defendeu pautas antidemocráticas como o fechamento do STF e do Congresso Nacional.
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