Bolsonaro queria chefe da PF com quem tivesse "maior afinidade", diz Valeixo
Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O ex-diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo afirmou nesta segunda-feira, em depoimento, que o presidente Jair Bolsonaro teria lhe dito em duas oportunidades que gostaria de nomear para o cargo alguém com quem "tivesse maior afinidade", mesmo não apresentando qualquer tipo de problema com ele, segundo a íntegra da fala obtida pela Reuters.
Valeixo disse também no depoimento, prestado à PF em Curitiba no âmbito de inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), que Bolsonaro nunca tratou com ele diretamente sobre troca de superintendentes ou relatórios de inteligência da PF. Ele afirmou que não mantinha nenhum tipo de amizade com o presidente.
O ex-chefe da PF foi questionado sobre o que entendia como suposta interferência política em investigações da corporação. Ele disse que a partir do momento em que há uma indicação com interesse sobre uma investigação específica, estaria caracterizada uma interferência política, "o que não ocorreu em nenhum momento sobre o ponto de vista do presidente".
Valeixo foi um dos pivôs da crise que culminou com a saída dele e do então ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro dos respectivos cargos do governo Bolsonaro.
Moro acusou o presidente de tentar interferir politicamente na PF, o que levou à abertura de um inquérito do STF para apurar as declarações do ex-ministros.
Valeixo também confirmou relato feito por Moro sobre a intenção de Bolsonaro de mudar o superintendente da PF no Rio de Janeiro, Carlos Henrique Oliveira. Valeixo disse que ouviu a informação diretamente do então ministro em março de 2020, quando ambos se encontravam na Embaixada do Brasil em Washington.
"Se encontrava na Embaixada do Brasil em Washington, em março de 2020, quando o ex-ministro Moro pediu ao depoente para conversarem de forma reservada, momento em que o ex-ministro lhe transmitiu o desejo do presidente da República em mudar o superintendente do Rio de Janeiro, novamente", diz trecho do depoimento.
Segundo o depoimento do ex-chefe da PF, a tentativa de troca no Rio vinha ocorrendo ao menos desde agosto de 2019 e não haveria um motivo aparente para ocorrer.
No depoimento de cerca de seis horas, o ex-diretor da PF disse que queria deixar o cargo e chegou a sinalizar que poderia aceitar uma adidância da PF para evitar um desgaste entre o então ministro e o presidente. Isso ocorreu, afirmou, após Bolsonaro ter declarado publicamente que se não pudesse trocar o chefe da PF no Rio, trocaria o diretor da corporação.
Valeixo ressalvou que, legalmente, o presidente tem poder de nomear o diretor-geral da PF. Ele disse que foi informado pelo próprio presidente que o trocaria no cargo pelo delegado Alexandre Ramagem, atual diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência, por uma questão de afinidade.
VÍDEO
O ex-ministro vai assistir na terça-feira, na sede da Polícia Federal em Brasília, ao vídeo de uma reunião ministerial na qual, segundo ele, Bolsonaro cobrou a troca do chefe da PF no Rio de Janeiro, que é apontado como possível prova da tentativa de interferência política do presidente.
"O ex-ministro Sérgio Moro estará presente, junto com seus advogados, para assistir à exibição. Já os depoimentos, por sua vez, serão acompanhados apenas pelos advogados, não pelo ex-ministro", disse em nota o escritório de advocacia que representa o ex-ministro.
As informações da reunião ministerial constantes do vídeo são consideradas uma importante prova para o eventual avanço da investigação aberta pelo ministro Celso de Mello, do Supremo, com o objetivo de apurar as acusações feitas por Moro de que Bolsonaro tentou interferir na PF, disseram à Reuters duas fontes com conhecimento do caso.
Em depoimento no dia 2 de maio, Moro disse que, durante a reunião ministerial ocorrida em 22 de abril, Bolsonaro afirmou que iria interferir em todos os ministérios e, quanto à pasta da Justiça e Segurança Pública, se não pudesse trocar o superintendente da PF no Rio, trocaria o então diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, e o próprio ministro da Justiça.
Esse episódio ocorreu dois dias antes de Moro pedir demissão do cargo e acusar Bolsonaro de interferência política na PF.
A apresentação do vídeo gerou uma série de manifestações da Advocacia-Geral da União (AGU) e da defesa de Moro ao STF. Inicialmente, a AGU, que representa Bolsonaro, pediu a Celso de Mello que reconsiderasse o pedido de entrega da gravação com o argumento de que haviam sido "tratados assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado".
Depois, a AGU sugeriu que fosse entregue uma cópia do encontro que se restringisse aos elementos do inquérito. Na terceira manifestação, a AGU defendeu que Celso de Mello informasse a cadeia de pessoas que terão acesso ao vídeo da reunião. A defesa de Moro defendeu a divulgação da íntegra da gravação. Ao final, o governo entregou a gravação na íntegra.
Por ora, o ministro do STF sugeriu uma solução intermediária. Segundo ele, o acesso ao vídeo está garantido por enquanto apenas para as partes envolvidas no caso, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, vai opinar sobre a conveniência de divulgar publicamente toda a gravação.
Durante a semana vai ocorrer uma série de depoimentos importantes para o caso.
Nesta segunda, a PF toma os depoimentos dos delegados Valeixo, Ricardo Saadi e Alexandre Ramagem, atual diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que era o preferido DE Bolsonaro para assumir o comando da corporação.
Na terça, os ministros da Casa Civil, Walter Braga Netto, do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, vão depor. O trio foi citado por Moro em depoimento como cientes da pressão de Bolsonaro para a troca do comando da PF.
Os advogados de Moro vão acompanhar esses depoimentos. Essa parte da apuração, ligada a outras diligências, vai servir para o desfecho do caso: se o presidente será denunciado pelo procurador-geral ou se a apuração será arquivada.
Se Bolsonaro for acusado criminalmente, a peça terá de ser enviada para a Câmara dos Deputados -- a quem cabe autorizar o julgamento dela pelo Supremo. São necessários ao menos 342 votos de deputados para que o STF analise a denúncia.
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