ESPECIAL-Fisioterapeuta respiratória sofre para recuperar o próprio fôlego após Covid-19
Por Ricardo Moraes e Marcelo Rochabrun
RIO DE JANEIRO (Reuters) - Ana Carolina Xavier estava ajudando até seis pacientes com coronavírus por dia a recuperar lentamente a capacidade pulmonar quando começou a se preocupar com a própria respiração.
Enquanto a fisioterapeuta respiratória, de 33 anos, trabalhava durante plantão em um feriado em um hospital de campanha do Rio de Janeiro, sentiu o coração disparar, a cabeça latejando e os pulmões com dificuldades para se expandir.
Um exame dos pulmões mostrou o tipo de dano que ela observava causar estragos em seus pacientes, muitos deles jovens e até então saudáveis -- mas agora sofrendo por meses para recuperar o fôlego.
“A doença, ela é a mais destruidora dos pulmões do qualquer coisa que eu já vi até agora. Não tem comparação. Você não consegue nem falar frases”, afirmou.
Semanas após sua recuperação, a fisioterapeuta ainda faz pausas durante as entrevistas para descansar e se recuperar. Ela reclama de dores de cabeça sem fim, e os níveis de oxigênio no sangue caem ocasionalmente.
Profissionais de saúde da linha de frente estão fazendo soar o alarme sobre questões respiratórias que podem assombrar uma geração de pacientes com Covid-19.
Muitos são adultos jovens ou de meia-idade que apresentaram sintomas moderados e não precisaram usar respiradores, mas sua vida diária não é mais a mesma. Apesar dessas condições duradouras, talvez crônicas, os pacientes aparecem em muitas estatísticas do governo simplesmente como "recuperados".
"Uma coisa que começamos a notar é uma síndrome de fadiga que os pacientes aparentemente não conseguem superar, mesmo depois de se recuperar da Covid-19", disse a pneumologista Lucia Viola, da Fundação Pneumológica Colombiana. "Já tive pacientes que, um mês e meio após a recuperação, ainda se sentem cansados".
Em maio, especialistas escreveram na publicação médica The Lancet para aumentar a conscientização sobre pacientes recuperados de coronavírus que desenvolvem fibrose pulmonar -- cicatrização irreversível dos pulmões que causa fadiga e falta de ar.
Pelo menos dois pacientes foram submetidos a transplantes de pulmão relacionados ao coronavírus nos Estados Unidos, incluindo uma de 28 anos. Ana Carolina disse que vários de seus pacientes parecem ter desenvolvido fibrose.
Agora ela sabe por experiência própria o quão assustador é ficar sem fôlego só por fazer café ou tomar um banho. Alguns de seus pacientes reclamaram de se sentir exaustos depois de subir escadas ou mesmo virar na cama.
"Parece que o ar nunca mais vai encher seus pulmões", disse a fisioterapeuta.
SEM AR PARA CANTAR
Márcia Guimarães, uma cantora de samba de 40 anos, estava acostumada a correr até 10 quilômetros por dia no Rio. Para sua surpresa, ela recentemente se viu sem fôlego no meio de uma aula de canto.
"Algumas frases da música que são longas, e antes para mim era muito fácil, eu não conseguia, eu não conseguia fazer de uma respirada só. Foi o mais assustador”, contou.
Ela, que testou positivo para o coronavírus, se cansava de andar entre o quarto e a cozinha e tinha vontade de dormir o tempo todo.
Lentamente, com a ajuda da fisioterapeuta Ana Carolina, ela recuperou grande parte de sua força.
“Agora eu consigo cantar, não como era antes, cada dia melhorando um pouquinho”, disse.
Nascida em uma pequena cidade rural, Ana Carolina foi atraída para a fisioterapia ao ver a melhora de seu avô, que sofria da doença de Parkinson
Sua fisioterapia respiratória teve que se adaptar à pandemia.
Normalmente, afirmou Ana Carolina, a fisioterapia respiratória envolveria respirações profundas e expiração. Mas os estudos rapidamente sinalizaram o risco de os pacientes com Covid-19 espalharem o vírus mais amplamente com exercícios de respiração.
Ela então recorreu a uma forma passiva de fisioterapia. Ela levanta os braços dos pacientes enquanto monitora a respiração e os níveis de oxigênio, depois os deita de barriga para baixo e massageia os músculos das costas para ajudar os diafragmas contraídos.
"É como dirigir uma orquestra. Se um músico desafina, você perde o arranjo da orquestra, é a mesma coisa na respiração. Se um músculo desalinha, você perde o sinergismo”, disse.
Ana Carolina afirmou que seu trabalho foi transformado pela experiência de adoecer.
Quando ela começou a trabalhar com pacientes com Covid-19, sentiu-se como uma treinadora esportiva que pressionava os pacientes a continuar trabalhando na exaustão. Agora ela sabe quando deixá-los descansar.
"Entender o que o paciente está sentindo, isso me transformou."
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