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ENFOQUE-Comercialização de energia atrai bancos e flerta com aquisições e IPOs

06/10/2020 15h57

Por Luciano Costa

SÃO PAULO (Reuters) - O setor de comercialização de energia deve ter forte movimento de aquisições e novos negócios no Brasil nos próximos anos, à medida que taxas de juros em mínimas históricas levam bancos, fundos e outras empresas a um maior apetite por esse mercado, que está em franca expansão.

Esse interesse fomentará a criação de novas "tradings" de energia elétrica e também deve gerar M&As no curto e médio prazo, com novos investidores buscando acelerar a entrada em um mercado em que já atuam grandes elétricas --como Cemig, Engie e EDP-- e bancos incluindo BTG Pactual, Santander, Itaú, Daycoval e o australiano Macquarie.

As perspectivas positivas também atraem atenção do mercado de ações, com bancos de investimento sondando algumas comercializadoras de eletricidade para estudos sobre operações de abertura de capital (IPO), disseram consultores e executivos à Reuters.

"Acho que está só começando, é um mercado ainda pouco explorado. A gente vê um movimento natural de financeiras tentando entender, enxergando nesse momento, de taxas de juros baixas, oportunidades de negócio", disse à Reuters o VP de Tesouraria do Banco ABC Brasil, Antonio José Nicolini.

O banco, que tem energia como segunda área de atuação, atrás só do agronegócio, comprou uma comercializadora pré-operacional neste ano, com a qual espera agregar soluções às que já oferece aos clientes no setor elétrico. Uma das linhas de negócio pode envolver a compra pela "trading" da produção futura de projetos de geração, como forma de ajudá-los a obter financiamento.

"Uma das vantagens da comercializadora dentro do banco é poder oferecer um pacote completo de soluções para o nosso cliente, que viabilize o projeto dele mais fácil", disse o chefe de trading do ABC Brasil, Ronaldo Torres.

MERCADO EM ALTA

As comercializadoras operam com compra e venda de contratos no mercado livre de eletricidade, onde negociam com empresas de geração de energia e consumidores com maior demanda, como indústrias e comércios. Muitas fazem também operações financeiras e apostas no movimento dos preços da energia.

Já existem quase 380 "tradings" de energia no Brasil e muitos apostam que o número tem amplo espaço para crescer, em meio a promessas do governo Jair Bolsonaro de aprovar uma reforma no setor elétrico que abriria gradualmente o mercado livre para mais empresas e até para consumidores residenciais.

"No último mês conversei com muita gente interessada em investir, tanto do Brasil quanto de fora. Tem fundos, 'family offices', grandes 'players', uma diversidade de agentes bem grande querendo ir para comercialização", disse à Reuters o diretor da consultoria Thymos Energia, Alexandre Viana.

"Não tem mercado grande no mundo como o brasileiro para investir em energia elétrica. A China é fechada, a Índia é muito complexa. Como o Brasil está abrindo cada vez mais o mercado de comercialização, isso automaticamente gera negócios. Mas não é só a reforma, são duas coisas, isso e a taxa de juros", afirmou.

Em caso de sucesso na reforma, a redução da carga exigida para que empresas atuem no ambiente livre deve "pulverizar" as negociações no setor, o que junto com a entrada dos agentes financeiros mudará bastante as atuais características do mercado, disse o consultor da Roland Berger Ricardo Lima.

"Você vai ter uma pulverização, o 'varejo' vindo para o mercado livre. Nessa onda surge espaço para um novo perfil de comercializador. Com novos produtos, com um perfil mais financeiro, mais conhecedor das necessidades do consumidor, e não sendo apenas um 'trader', comprador e vendedor de energia."

A disputa pelos clientes de menor porte deve favorecer o uso de ferramentas digitais --a Omega Energia lançou uma platatorma eletrônica de venda e a AES Tietê disse que prepara a sua-- e ainda atrair para o mercado livre executivos ou empresas de outros setores, como telecomunicações, acrescentou Lima.

"Ter canais de venda eficientes, a questão comercial, de relacionamento, vai se tornar cada diz mais importante."

IPOS?

Em meio a um ano intenso em ofertas públicas iniciais (IPOs) de ações no Brasil, duas comercializadoras de energia entraram com pedidos de abertura de capital em bolsa, a Compass Gás e Energia, da Cosan, e a 2W Energia.

O recente aumento da tensão nos mercados financeiros, no entanto, fez a Cosan recuar, enquanto a 2W deve agora esperar uma próxima "janela", disse o CEO da empresa, Claudio Ribeiro.

Mas outras comercializadoras têm sido sondadas por bancos, em meio a uma onda de interesse pelo segmento disparada pelos estudos da 2W sobre um IPO, disseram duas fontes à Reuters.

Uma dessas empresas foi a Focus Energia, disseram essas fontes. Procurada, a Focus recusou-se a comentar.

Entre questões a serem superadas para estreia das comercializadoras em bolsa está a dificuldade de prever resultados das empresas do setor e os riscos do mercado, que tornam complexa a avaliação do valor das empresas, disse o diretor do banco de investimento do ABC Brasil, Cesar Mindof.

"Realmente você não tem uma recorrência de resultado, perene e estável. Esse ainda é um grande desafio quando falamos de IPO de comercializadora, mas sabemos que é um mercado que está se movimentando, que está sendo avaliado", afirmou.

Para superar essa questão, Compass e 2W atrelaram suas ofertas a ativos mais tangíveis que a negociação de megawatts-hora, como atividades no setor de gás e a construção de ativos de geração renovável para atender os clientes, respectivamente.

"Com investimento em geração, passa a ser um negócio diferente", disse o CEO da 2W, que disse ter visto grande interesse de investidores pelo IPO.

"Suspendemos o processo, mas ele não foi encerrado. Acabamos entrando em uma competição muito grande com outras ofertas e nesse contexto tivemos uma precificação que começamos a perguntar se valeria a pena", explicou Ribeiro.

Com o recuo, a 2W levará adiante seu primeiro projeto de geração, uma eólica no Rio Grande do Norte, com financiamento "mezanino" obtido junto à gestora Darby, subsidiária da Franklin Templeton, no valor de 30 milhões de dólares, além de debêntures de infraestrutura de 440 milhões de reais, acrescentou ele.

(Por Luciano Costa; edição de Roberto Samora)