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Reforma do IR subiu no telhado e tem poucas chances, diz vice-presidente da Câmara

Para o deputado, a proposta do IR, que teve sua votação adiada mais uma vez na terça-feira, conta com pouco apoio e correria o risco de ser derrotada em plenário - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Para o deputado, a proposta do IR, que teve sua votação adiada mais uma vez na terça-feira, conta com pouco apoio e correria o risco de ser derrotada em plenário Imagem: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Maria Carolina Marcello e Anthony Boadle

18/08/2021 16h27

O projeto que altera regras do Imposto de Renda "subiu no telhado", tem poucas perspectivas de aprovação no momento e precisará ser reconstruído para chegar a um mínimo de convergência, avaliou o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), que se envolverá pessoalmente na articulação de forma a permitir sua votação.

Para o deputado, a proposta do IR, que teve sua votação adiada mais uma vez na terça-feira, conta com pouco apoio e correria o risco de ser derrotada em plenário se fosse a voto, mesmo se tratando de um projeto simples, sem a necessidade de quórum qualificado de aprovação.

"Acho que ontem ela subiu no telhado", disse Ramos em entrevista à Reuters nesta quarta-feira.

"Você não pode achar que está bem resolvida uma reforma que todo mundo é contra. Tem um manifesto dos setores econômicos circulando, que cada semana eu recebo, cada dia agora eu recebo ele com mais assinaturas. A aviação é contra, o agronegócio é contra, a indústria é contra, o mercado financeiro é contra, a construção civil é contra. Todo mundo é contra. Não tem como aprovar um negócio nesse ambiente aqui na Casa", ponderou.

O parlamentar disse ter se comprometido com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a participar das negociações.

"Tentar conversar mais com os setores econômicos, tentar conversar mais com o relator, ver que pontos de convergência nós podemos construir, porque hoje eu diria que está muito mal resolvido e eu não vejo perspectiva de aprovação por conta dessas reações da sociedade."

Ramos avaliou ainda a postura do governo em relação ao equilíbrio fiscal, diante da nova investida em busca de um novo programa social em substituição ao Bolsa Família.

Para o deputado, a gestão do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, colocam em risco dois "patrimônios" conquistados pelo país nas últimas décadas: o controle da inflação e os sinais de austeridade fiscal.

"Para mim está claro que há um abandono da política de austeridade fiscal, porque a prioridade absoluta do presidente é turbinar o programa de transferência de renda. Não por um desejo de ajudar os brasileiros, mas por uma métrica absolutamente eleitoral, porque ele começa a enxergar que essa pode a ser a última tábua de salvação para o projeto dele de reeleição. Se o preço disso for romper o teto de gastos, que se rompa", disse Ramos.

"Na verdade, me parece muito claro que o ministro Paulo Guedes já decidiu romper o teto de gastos. A discussão não é se vai romper. É como vai romper", afirmou Ramos, avaliando que saídas como parcelar "compulsoriamente" os precatórios ou classificando-os como despesa corrente ferem teto de gastos.

Crise e investimento

O parlamentar observa, ainda, que o discurso mais agressivo e os ataques de Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a integrantes das cortes, integram parte de sua estratégia eleitoral.

Na avaliação do deputado, Bolsonaro precisa, a partir de "bandeiras mobilizatórias", fidelizar sua base mais radical. E, ao mesmo tempo, ao criar polêmicas e crises, tira o foco das falhas do governo.

"Eu não tenho dúvida de que o presidente Bolsonaro vai seguir nessa toada por dois motivos. Primeiro, porque ele não sabe governar. Se ele não falar de golpe, se ele não falar de voto impresso, se ele não falar de armar as pessoas, ele vai ter que falar de 15 milhões de desempregados, de 19 milhões de pessoas com fome, ele vai ter que falar de inflação de 30% na média da comida, do gás de cozinha, da energia, e do combustível. Ele vai ter que falar de juros de dois dígitos no longo prazo e já chegando quase em dois dígitos no curto prazo. Então, se ele não gerar crises, ele tem que falar do país real. E no país real são desastrosos os resultados do governo dele", afirmou Ramos.

Para ele, a recente crise de instabilidade institucional e política "é gerida e alimentada única e exclusivamente pelo presidente da República", cujos efeitos, avalia, afugentam o investimento, a possibilidade de retomada do crescimento e a criação de empregos.

Mas ainda que não identifique em Bolsonaro uma tendência de arrefecimento em sua atuação mais agressiva, Ramos descarta que outras instituições embarquem em arroubos autoritários.

Ele considera, por exemplo, que declarações públicas do presidente da Câmara e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), deixam "claro" que não há risco de o Congresso acolher uma "aventura autoritária".

Também não identifica, no país, as mesmas condições que desembocaram no golpe de 1964, levando a uma ditadura militar que se sustentou no poder por duas décadas.

"O Brasil não é o mesmo de 1964. Hoje, para uma saída golpista, você não teria sustentação na imprensa, não teria sustentação na maioria dos governadores, não teria sustentação no Parlamento, não teria sustentação no Supremo, não teria sustentação internacional", lembrando da dependência do país das exportações de commodities, algo que poderia ser afetado por eventual bloqueio estrangeiro.

"Eu não tenho dúvida de que há certa contaminação das Forças Armadas desse desejo golpista do presidente Bolsonaro, mas também não tenho dúvida de que há uma maioria de oficiais de alta patente, de oficiais do alto comando, com um inafastável compromisso com a Constituição e com as regras democráticas."