Brasil precisa olhar além do teto e da inflação e definir estratégias, diz economista do PT
O Brasil precisa definir em que bases quer crescer e levar em conta a ascensão da Ásia e especialmente da China na cena global, indicou o presidente do Instituto Lula, Marcio Pochmann, criticando a ausência de projetos estratégicos para o país e uma discussão tributária que desconsidera as transformações da economia digital.
Em entrevista à Reuters, Pochmann defendeu a taxação de fluxos financeiros e criticou a concentração do debate econômico em temas como a manutenção ou não do teto de gastos. Sobre a alta da inflação, o economista aponta que por trás do problema estão opções equivocadas de uma política econômica excessivamente liberalizante.
Doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas e um dos coordenadores do plano econômico da candidatura do PT à presidência em 2018, Pochmann disse que a gestão e o debate econômico atuais dão foco a desafios do presente, mas escanteiam a definição de um norte em torno do qual o crescimento do Brasil seria estruturado.
"Não quero menosprezar o problema da inflação, sobretudo num país como o nosso, mas estabilizemos a inflação e daí? O que acontecerá? Espontaneamente virão os investimentos? Da onde? Em que setores?", afirmou.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem dito publicamente que ainda não definiu se será ou não candidato às eleições de 2022, mas seu nome aparece na liderança de pesquisas de opinião mais recentes.
Pochmann ponderou ser fundamental definir o país que o Brasil pode ser em meio ao deslocamento do centro dinâmico da economia para o Oriente, com o salto na importância relativa da Ásia e explicitamente da China.
"A economia brasileira parece que está em coma e só reage quando tem alguma injeção. Libera o PIS/PASEP, agora vai ter o Auxílio Emergencial, agora vai ter o precatório que aumenta o Bolsa Família. Mas isso aí não está fazendo girar a economia, é uma recuperação pontual e ela volta ao seu estado normal, que é um estado de estagnação", disse.
Para Pochmann, o Brasil não produz o que precisa e depende cada vez mais do exterior, ficando sujeito às oscilações cambiais que acabam impactando o avanço de preços na economia. Ele defendeu uma reconstituição do sistema produtivo para além de produtos agropecuários primários e a construção de "projetos grandiosos" que atraiam o investimento do setor privado.
A ideia, prosseguiu ele, seria aproveitar uma liquidez que é hoje abundante, mas majoritariamente direcionada aos títulos públicos do governo.
Questionado sobre como promover essa mudança num ambiente em que a remuneração dos títulos longos fica mais atrativa em meio às dúvidas sobre o real compromisso do país com sua sustentabilidade fiscal — quadro que tende a se intensificar com a aproximação das eleições —, ele pontuou que isso poderia ser resolvido via acordo político.
"É um acordo político que alguns vão aceitar, outros não vão aceitar, mas a realidade faria com o que o país pudesse ter uma convergência em torno dessa perspectiva", afirmou, sem detalhar.
"Estamos falando aqui de uma economia híbrida. Não acredito em Estado forte e setor privado fraco ou vice-versa. É uma convergência e, na verdade, isso pressupõe um horizonte em que a política precisa ser resolvida diante do impasse que está situado. Estamos num impasse dramático, desde 2014 o Brasil não tem crescimento na renda per capita, isso jamais vimos na história do país", acrescentou.
Tributação
Pochmann defendeu que, com a digitalização da economia, acelerada inclusive pela pandemia da covid-19, o país deveria tributar fluxos financeiros, que são facilmente rastreáveis.
"É possível acompanhar apenas pelo fluxo financeiro a situação das empresas, por exemplo. Obviamente a tributação pode ser feita desta maneira e não da forma que fazemos hoje, num sistema arcaico, que vem desde a chegada dos portugueses, emissão de nota fiscal, isso não está em diálogo com o que estamos vivendo diante de uma economia digital. Esta década possivelmente fará desaparecer a moeda tal como nós a conhecemos", disse.
Questionado se a ideia seria semelhante à do ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra, que tentou no governo Jair Bolsonaro, com o respaldo do ministro Paulo Guedes, implementar um imposto único sobre pagamentos que incidiria sobre todas as transações econômicas em substituição aos impostos declaratórios, Pochmann afirmou que ambos estão "no mesmo patamar", mas que ele não abre mão do diferencial de tributação.
"Talvez a minha diferença em relação a ele (Cintra) é que ele trabalhava com um imposto só. Eu trabalho com uma visão em que o país é tão desigual, tão diferente, setores, famílias, que isso justificaria uma tributação com uma diversidade", afirmou.
A forma de cobrança do ICMS, IPI e mesmo do Imposto de Renda dependem hoje de declarações que poderiam ser abolidas, indicou o economista.
Pochmann também afirmou que o Brasil deveria apostar na geração de riqueza em frentes às quais dedica pouca ou nenhuma atenção, começando pela exploração do espaço sideral, numa realidade em que as maiores empresas globais são hoje as que operam com dados.
"Brasil não tem GPS. Como podemos dizer que Brasil é país autônomo quando todo seu sistema de informação e comunicação vinculado ao espaço sideral, portanto à internet, depende de empresas que não são brasileiras?", disse.
"O Facebook desconectou até o presidente dos Estados Unidos, pode desconectar um país. Se nós entrarmos em um conflito, espero que nunca, mas cujo adversário sejam os Estados Unidos eles simplesmente nos desconectam do satélite. Imaginemos o Brasil sem internet. Dificilmente decola algum avião. Como fica o hospital, a universidade? Isso é uma questão estratégica", complementou.
De acordo com Pochmann, o Brasil também deveria voltar seu planejamento estratégico para a exploração em águas profundas, contando com a expertise da Petrobras, e para o enfrentamento das mudanças climáticas, considerando a realidade de seus diferentes biomas.
"Amazônia é praticamente o passaporte do Brasil para o século XXI se soubermos aproveitar", disse. "Poderia ser um excelente laboratório industrial de produção de tecnologia vinculada à diversidade dos biomas."
Inflação
Sobre a acelerada alta de preços na economia, o economista pontuou que o país vive uma inflação de custos provocada, em sua opinião, pelas opções da política econômica.
Ecoando discurso recente de Lula, que atribuiu o aumento da inflação à política da Petrobras de vender a gasolina pelo seu preço em dólar, Pochmann avaliou que o Banco Central atua "como espécie de bombeiro na medida que quem provoca esse aumento tem sido o próprio governo diante da liberalização dos macropreços, nitidamente a questão dos combustíveis e ao mesmo tempo a energia elétrica".
"Tem de outro lado o preço dos alimentos que reflete o abandono de qualquer política de abastecimento, segurança alimentar, e uma dependência crescente dos preços internacionais. E obviamente o produtor quer ganhar mais, então se ele tem alternativa no mercado externo por que que ele vai manter no mercado interno?", disse Pochmann.
Para o economista, o país deveria ter estoques reguladores dentro de uma política agrícola que financiasse produtores.
"Isso é política pública, isso é Estado. Mas não, o Estado atrapalha, é corrupto. Então não faz. Mas se não faz, voltamos à estaca zero", disse.
"O Estado é parte do problema, mas também o Estado é parte da solução. Isso não significa dizer que o Estado tem que ser aquele mesmo que era anteriormente, é um Estado digital, e não mais um Estado industrial do passado", completou.
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