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Bolsonaro retira Ordem do Mérito Científico de pesquisadores críticos a seu governo

05/11/2021 11h47

Por Lisandra Paraguassu

BRASÍLIA (Reuters) - Depois de conceder a Ordem do Mérito Científico aos pesquisadores Marcus Vinícius Lacerda e Adele Schwartz Benzaken, críticos da atuação do governo, o presidente Jair Bolsonaro mandou revogar a condecoração em uma publicação extra do Diário Oficial nesta sexta-feira.

Médico e pesquisador da Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado, de Manaus, Lacerda foi um dos primeiros brasileiros a pesquisar o uso de cloroquina contra Covid-19 e suspendeu o estudo depois que verificou que, na verdade, o medicamento aumentava o risco cardíaco dos pacientes.

Ameaçado de morte e atacado nas redes por bolsonaristas, Lacerda virou um dos inimigos do clã Bolsonaro e chegou a ser acusado de usar doses acima do normal de cloroquina para "matar pacientes" e desacreditar o medicamento defendido repetidamente pelo presidente.

Já Adele Schwartz Benzaken, hoje diretora da Fundação Oswaldo Cruz Amazônia, era diretora de DSTs e Aids do Ministério da Saúde desde o governo Temer, quando foi demitida em janeiro de 2019. Quando no cargo, a médica sanitarista --que tem atuação internacional na área de doenças transmissíveis-- autorizou a produção de uma cartilha dirigida a homens trans.

Em janeiro de 2019, logo depois de Bolsonaro tomar posse, o então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta mandou retirar a cartilha de circulação e Benzaken foi exonerada. Mandetta justificou a decisão afirmando que "o governo precisava voltar a estimular a prevenção do HIV, mas sem ofender as famílias", mas o fato é que a cartilha também havia sido alvo das redes bolsonaristas.

A revogação atinge apenas os dois pesquisadores, destacados em matérias sobre a Ordem do Mérito Científico. Mas deixa outros igualmente críticos. Entre eles, o antropólogo Alfredo Wagner Berno de Almeida, da Universidade Estadual do Maranhão, um crítico contumaz da intenção do governo de liberar a exploração de minérios nas terras indígenas, e o epidemiologista Cesar Victora, que já recebeu o prêmio Gairdner, considerado o Nobel da Epidemiologia, que apontou por diversas vezes os erros da política de corte de recursos para a ciência adotados pelo governo.

Posteriormente, Victora divulgou uma carta em que decidiu não aceitar a honraria. Segundo ele, a distinção deixou-o dividido, citando o fato que não considera pertinente a homenagem oferecida por um "governo que não apenas ignora, mas ativamente boicota as recomdendações da epidemiologia e da saúde coletiva".

O novo decreto também não altera a auto-condecoração no grau de grão-mestre dada por Bolsonaro a ele mesmo e ao ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes. Essa condecoração está prevista no decreto que criou a ordem, em 2002.

Questionado pela Reuters se o presidente sabia da posição dos condecorados ao assinar o decreto, o Palácio do Planalto não respondeu.

A lista de condecorados assinada pelo presidente é escolhida por um comitê científico em que o governo tem minoria: são três da Academia Brasileira de Ciências (ABC), três da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) --ambas bastante críticas ao governo-- e três de livre escolha do ministro da Ciência e Tecnologia, o que deixa os eventuais indicados pelo governo sem força para barrar nomes.