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Governo reúne exportadores de diesel russo e distribuidores brasileiros; setor vê desafios

Os encontros, realizados nas duas últimas semanas, ocorrem em meio a esforços para que o Brasil consiga comprar o máximo de diesel possível da Rússia - Paulo Liebert/Estadão Conteúdo
Os encontros, realizados nas duas últimas semanas, ocorrem em meio a esforços para que o Brasil consiga comprar o máximo de diesel possível da Rússia Imagem: Paulo Liebert/Estadão Conteúdo

Rodrigo Viga Gaier e Rafaella Barros

Da Reuters

12/07/2022 18h50Atualizada em 12/07/2022 18h50

O governo brasileiro promoveu duas reuniões entre pelo menos três exportadoras russas de diesel e distribuidoras de combustíveis do Brasil, com a participação do embaixador da Rússia, Alexey Kazimirovitch Labetskiy, disseram à Reuters três fontes com conhecimento sobre o assunto.

Os encontros, realizados nas duas últimas semanas, ocorrem em meio a esforços para que o Brasil consiga comprar o máximo de diesel possível da Rússia, como anunciou o presidente Bolsonaro e reforçou nesta terça-feira o chanceler brasileiro, Carlos Franca, em visita à sede da ONU em Nova York.

Segundo uma das fontes, que falaram na condição de anonimato, a intermediação entre exportadores e distribuidoras foi encabeçada pelos ministérios de Minas e Energia e das Relações Exteriores, e teve como principal objetivo tentar tranquilizar as empresas de que elas não seriam alvo de nenhuma sanção internacional se fechassem negócio com os fornecedores russos.

"A gente participou dessas reuniões, mas foram meio estranhas... A gente não negocia em blocos, muito menos na frente do nosso concorrente. A gente tem restrições de compliance para participar desse tipo de reunião. Então, elas foram mais protocolares, para apresentar os exportadores russos, que disseram que têm produto e estão disponíveis para negociar", disse.

Segundo a fonte, todos os participantes ouviram as propostas, mas não houve nenhuma adesão até agora.

"Ficamos de bico calado. A gente só ouviu e continuou fazendo as importações normais, dos nossos fornecedores. A gente sabe os caminhos para comprar", disse a fonte.

A ideia do governo de importar diesel da Rússia para tentar baratear o preço do combustível no Brasil enfrenta enormes desafios operacionais, não é garantia de redução dos valores nas bombas e ainda pode causar um desconforto diplomático para o país e empresas brasileiras, segundo analistas e especialistas ouvidos pela Reuters.

A avaliação é que, embora seja viável em teoria, a importação da Rússia pode esbarrar em dificuldades impostas pelas sanções ao país, como processamento de pagamentos, e no próprio receio das empresas de possíveis retaliações.

A possibilidade de fornecimento russo de diesel ao Brasil surgiu no final de junho, após uma conversa entre os presidentes Jair Bolsonaro e Vladimir Putin.

Grande produtor global de diesel, a Rússia vem diversificando seus destinos de exportações do combustível desde o início da guerra com a Ucrânia, oferecendo descontos, após uma diminuição das compras pela Europa e Estados Unidos.

Na segunda-feira, Bolsonaro disse que está "quase certo" um acordo para comprar diesel "bem mais barato" da Rússia, que está sob sanções de vários países após a invasão da Ucrânia. Segundo ele, as primeiras cargas podem chegar ao Brasil em 60 dias.

No entanto, fontes do governo e do mercado de combustíveis relatam ter pouca clareza sobre essa proposta até então. Não se sabe, por exemplo, quem ficaria responsável por essa importação —se seria a Petrobras, que atende 80% da demanda interna de combustíveis, ou agentes privados independentes.

Fontes da Petrobras, entretanto, disseram ver a proposta com ressalvas e alertaram para eventuais consequências diplomáticas e comerciais ao país e a empresas brasileiras com uma eventual aproximação aos russos.

"Não surpreende, mas assusta", disse uma fonte da petroleira, que falou sob condição de anonimato. "Assusta o país tomar posição em uma guerra que não é nossa, podendo afetar nossa relação com o resto", acrescentou.

RISCOS

O consultor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, acha improvável que uma empresa brasileira aceite assumir o "risco" de fechar negócio com os russos sob pena de sofrer retaliações no futuro.

"Com as sanções, é difícil uma empresa grande importadora privada fazer essa negociação. Teria até dificuldade de pagar esse diesel vindo da Rússia", observou Pires, que chegou a ser indicado para a presidência da Petrobras neste ano, mas declinou por conflito de interesse.

Para o representante da associação de minoritários de empresas de capital aberto Abradin, Aurélio Valporto, seria inviável que o governo tomasse a frente da regulação desses estoques, cabendo a missão à Petrobras.

"Teoricamente pode ser importado até pelo governo... Entretanto, como foi o governo que negociou, entendo que somente a Petrobras possa receber esta importação", disse ele.

ALTERNATIVAS

O ex-diretor da agência reguladora ANP, Hélder Queiroz, acredita que o impacto da importação de diesel mais barato da Rússia tende a ser pequeno para os consumidores, dada a configuração atual do mercado.

"Tem que saber o tamanho do desconto vai ser dado, por quanto tempo e em que volume. Não há nenhum garantia de que o preço vai cair na ponta. O Brasil importa de 25 a 30% do diesel, mas se viesse tudo da Rússia, ainda teria os outros 70 a 75% formado pelo preço de paridade de importação", destacou.

Compras de volumes muito elevados da Rússia não parecem ser viáveis, disse o diretor do CBIE, Pedro Rodrigues.

No mercado mundial, há riscos de restrição de oferta do combustível no segundo semestre. A Petrobras chegou a emitir alertas ao Ministério de Minas e Energia e à ANP sobre risco de desabastecimento para justificar a necessidade de ajustes nos preços de diesel.

Procurados, o gabinete de Bolsonaro, o Ministério de Minas e Energia, a Petrobras e o Ministério das Relações Exteriores não responderam imediatamente a pedidos de comentários.