PF aponta envolvimento direto de Bolsonaro em tentativa de golpe e "pleno conhecimento" de plano para matar Lula

Por Ricardo Brito

BRASÍLIA (Reuters) - A Polícia Federal apontou o envolvimento direto de Jair Bolsonaro em uma tentativa de golpe de Estado para permanecer no poder após perder a eleição de 2022, e disse que o ex-presidente tinha "pleno conhecimento" de um plano para matar o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, segundo relatório final de investigação da PF divulgado nesta terça-feira.

"Bolsonaro efetivamente planejou, dirigiu e executou, de forma coordenada com os demais integrantes do grupo desde (pelo menos) o ano de 2019, atos concretos que objetivavam a abolição do Estado Democrático de Direito, com a sua permanência no cargo de Presidente da República Federativa do Brasil", disse a PF no documento, que foi tornado público pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O relatório afirma que o golpe de Estado só não se consumou por circunstâncias alheias à vontade de Bolsonaro, "como a resistência dos comandantes da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Baptista Junior, e do Exército, general Freire Gomes, e da maioria do Alto Comando, que permaneceram fiéis à defesa do Estado Democrático de Direito, não dando o suporte armado para que o então presidente da República consumasse o golpe de Estado".

O então comandante da Marinha, Almir Garnier, por outro lado, se colocou à disposição para levar adiante o planejado golpe, segundo a PF.

Segundo o relatório, um encontro com os chefes das Forças foi convocado por Bolsonaro no dia 7 de dezembro de 2022, com a presença do então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, no Palácio da Alvorada, com o objetivo de apresentar uma minuta presidencial para que aderissem ao plano de golpe.

Bolsonaro foi indiciado na semana passada com mais 36 pessoas -- incluindo Garnier, Paulo Sérgio e outros ex-ministros do governo -- pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado de Direito e organização criminosa.

Bolsonaro nega ter cometido qualquer crime e disse na segunda-feira que nunca discutiu golpe “com ninguém”. Procurada nesta terça após a divulgação do relatório da PF, a defesa do ex-presidente disse que ainda estava lendo o documento para então se pronunciar.

As defesas de Garnier e de Paulo Sérgio não responderam a pedidos de comentário de imediato.

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O documento de 884 páginas da PF também aponta que Bolsonaro tinha "pleno conhecimento" do plano golpista tramado durante o seu governo para assassinar Lula e seu vice Geraldo Alckmin após a eleição de 2022.

"As evidências colhidas, tais como os registros de entrada e saída de visitantes do Palácio do Alvorada, conteúdo de diálogos entre interlocutores de seu núcleo próximo, análise de ERBs, datas e locais de reuniões, indicam que Jair Bolsonaro tinha pleno conhecimento do planejamento operacional (Punhal Verde e Amarelo), bem como das ações clandestinas praticadas sob o codinome Copa 2022", disse a PF no relatório final de sua investigação sobre a tentativa de golpe de Estado.

Segundo a investigação da PF, "Punhal Verde e Amarelo" era o nome do plano para envenenar Lula e Alckmin, enquanto o plano "Copa 2022" previa o assassinato do ministro do Supremo Alexandre de Moraes.

Na semana passada, fontes com conhecimento da investigação disseram à Reuters que a PF via indícios de que Bolsonaro tinha conhecimento de um plano para assassinar Lula como parte de um golpe de Estado.

A corporação listou oito momentos em que Bolsonaro agiu de forma criminosa visando criar condições para uma tentativa de golpe de Estado para impedir a posse ou derrubar o governo Lula após a eleição de 2022, segundo relatório final das investigações enviado nesta terça à Procuradoria-Geral da República (PGR) pelo Supremo.

A apuração detalha uma série de reuniões, discussões de minutas golpistas e trocas de mensagens de auxiliares próximos a Bolsonaro ao longo de meses para efetivar o golpe de Estado, tanto após a eleição de Lula quanto com ele já empossado.

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Houve dois principais momentos da trama para manter Bolsonarno no poder, segundo a PF.

A primeira era tentar impedir a posse de Lula, valendo-se de uma minuta para criar uma base jurídica para tanto, possivelmente em 15 de dezembro de 2022. O segundo momento se deu com as ações que levaram ao 8 de janeiro de 2023, quando os edifícios-sedes dos Três Poderes foram destruídos por vândalos que queriam derrubar a recém-empossada gestão Lula. Essa segunda iniciativa, apontou a PF, contou com participação direta de aliados de Bolsonaro, que estava nos Estados Unidos desde a virada do ano. Para a PF, seria uma fuga.

O nível de articulação dos envolvidos era tamanho que já se esboçava, inclusive, um gabinete para fazer a transição e manter Bolsonaro ilegalmente no comando do país.

BRAGA NETTO

O general Braga Netto, que foi companheiro de chapa da campanha derrotada de Bolsonaro em 2022, além de ter sido ministro da Casa Civil e da Defesa na gestão dele, teve uma atuação destacada para tentar levar adiante o golpe, aponta o relatório da PF.

Em mensagem de WhatsApp no dia 15 de dezembro daquele ano, Braga Netto orientou aliados da milícia digital a atacar os comandantes do Exército e da Aeronáutica por não terem aderido à articulação para impedir a posse de Lula.

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Em outro momento, o relatório destaca que o planejamento operacional para matar Lula, Alckmin e Moraes foi realizada no dia 12 de novembro na casa de Braga Netto, que chancelou a articulação.

"A reunião contou com o tenente-coronel Mauro Cesar Cid, o major Rafael de Oliveira e o tenente-coronel Ferreira Lima, oportunidade em que o planejamento foi apresentado e aprovado pelo general Braga Netto", destaca o documento.

O ex-candidato a vice tentou, inclusive, embaraçar as investigações, segundo a PF. Ele praticou "atos concretos" para ter acesso ao acordo de delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Há provas, conforme o relatório, que demonstram que Braga Netto chegou a procurar pais de Mauro Cid com o objetivo de obter informações da colaboração.

Em diversos mommentos, Cid foi informado por iniciativas e ações golpistas e inclusive se manifestava vez por outra. Em certa ocasião, chegou a dizer que Lula não subiria a rampa do Planalto.

Cid firmou um acordo de delação em meados do ano passado com a PF, embora ele tenha ficado sob ameaça de ter os benefícios revistos por não ter colaborado com as apurações. Moraes manteve a delação na semana passada.

Em reportagem exclusiva de março passado, a Reuters já apontava a articulação mais efetiva de Braga Netto na trama golpista.

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Em uma postagem em rede social após a PF informar sobre o indiciamento na semana passada, Braga Netto disse que "nunca se tratou de golpe, e muito menos de plano de assassinar alguém".

PASSOS

O relatório da PF foi encaminhado ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, a quem caberá decidir entre oferecer denúncia contra os envolvidos, pedir diligências complementares ou arquivar o caso.

A tendência, segundo reportagem da Reuters, é que Gonet faça uma análise conjunta do caso da tentativa do golpe com outros dois inquéritos contra o ex-presidente, o da fraude no cartão de vacinas e o de apropriação de joias recebidas do governo saudita.

O procurador-geral, segundo fontes, só deverá tomar uma decisão na volta do recesso do Judiciário, no início de fevereiro do próximo ano.

(Reportagem adicional de Lisandra Paraguassu)

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