Aumento do risco político ampara alta dos juros futuros
O aumento do risco político, decorrente da crise dos combustíveis, alcançou o mercado de juros. A pressão sobre o governo para dar fim à greve dos caminhoneiros colocou em dúvida o compromisso do Planalto com o ajuste de contas públicas, levando os investidores a exigirem rendimentos ainda mais elevados para suas apostas.
Os juros de longo prazo não deixam dúvidas sobre a falta de confiança do mercado, que já se mostrava sensível às dúvidas eleitorais e à instabilidade no exterior. Nesta quinta-feira (24), o contrato de DI para janeiro de 2023 avançou 18 pontos-base, para 10,170%, o que não era visto desde 20 de dezembro de 2017 quando bateu 10,240%.
Para o estrategista-chefe da Coinvalores, Paulo Nepomuceno, o governo atual perdeu a credibilidade e a agora a "arrumação da casa" fica a cargo da próxima administração. E com os partidos mais populistas e de esquerda à frente das pesquisas de intenção de votos, o quadro se torna ainda mais desafiador.
"O que afeta o mercado é a fragilidade do governo (...) negociar com os caminhoneiros abre portas para pressão de outras categorias", diz o especialista. Além disso, a redução do preço do óleo diesel acaba afetando a situação fiscal, pois fica a leitura de que será necessário aumentar outros impostos.
Na noite de quarta (23), a Câmara dos Deputados aprovou, em votação simbólica, o projeto da reoneração da folha de pagamentos das empresas que, numa derrota do governo, incluiu artigo que zera a alíquota do PIS/Cofins sobre o óleo diesel até dezembro. E sob a pressão dos caminhoneiros, a Petrobras anunciou uma redução de 10% no preço do diesel vendido nas refinarias durante 15 dias.
"A sensação que tem hoje é de que o governo e a Petrobras cederam à pressão e, como diz o ditado, quem cede a uma cede a duas", diz Bruno Mota Gouvêa, diretor na Renascença. "O governo advogava ter uma agenda liberal e de reformas, mas na hora do aperto ele usa as mesmas artimanhas que criticava no governo anterior", acrescenta o especialista.
Menor leilão
Num sinal de cautela diante de tamanha instabilidade, o Tesouro Nacional fez seu menor leilão de títulos prefixados desde junho de 2013. Foram apenas 1,6 milhão de papéis, divididos entre 100 mil NTN-F e 1,5 milhão de LTNs. Ao diminuir a oferta, a instituição também evita o impacto negativo num mercado que ainda busca taxas de equilíbrio, principalmente para papéis mais longos.
"A situação já está ruim, o Tesouro só não joga gasolina, mas não é a solução para o problema", aponta Gouvêa, da Renascença. "Estamos indo para outros patamares no mercado, de prêmio de risco: as perspectivas políticas não são boas, as estimativas fiscais são ruins, estamos nos ajustando a um novo prêmio de risco que faz parte do país."
Até por causa desses riscos no radar, o mercado de juros futuros já sofreu com zeragem de posições nos últimos dias e agora busca um outro patamar de equilíbrio.
"Não tenha dúvida de que a visão do mercado para DI mudou (..,) a queda das taxas é só uma oportunidade de compra, não dá para operar na melhora ainda", diz Vitor Carvalho, sócio e gestor na LAIC-HFM.
Intervenção do Tesouro
Ainda assim, não há consenso sobre a necessidade de intervenção do Tesouro no mercado. Carvalho acredita que o Tesouro deveria seguir com suas operações de gestão de dívida de maneira normal.
"O Tesouro, assim como o BC, deve deixar o próprio mercado encontrar seus patamares de equilíbrio", diz. "A recompra de papéis pelo Tesouro é uma estratégia muito pontual quando a liquidez está temerária, que não é o caso agora."
"Enquanto os participantes do mercado que precisam zerar posições com prejuízo conseguem encontrar compradores, e sem a tendência e a dimensão do nosso estresse sem descolar muito do exterior, não me parece necessário o Tesouro intervir", diz Gouvêa, da Renascença. "O Tesouro intervém quando há necessidade clara, quando o mercado está sem parâmetro e não consegue encontrar níveis ou participantes dispostos a dar saída, o que não é caso até agora."
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