Crise faz Itália importar porco para produzir presunto e salame
Com a crise econômica e o alto custo de porcos na Itália, os fabricantes de presunto e salame do país passaram a usar carne importada como matéria-prima.
Como não há obrigatoriedade de indicar na etiqueta dos produtos a proveniência da carne, eles são vendidos como legítimos artigos italianos.
De acordo com a Coldiretti (Confederação Nacional dos Empreendedores Agrícolas), duas em cada três peças de presunto vendidas na Itália hoje são feitas com carne importada.
O baixo preço da carne suína de países como Alemanha, Espanha, França e Holanda seria o principal responsável pelo desestímulo às criações italianas, que têm custo de produção mais elevado e estão fechando suas portas.
De acordo com a Coldiretti, em 2013 foram criados menos de 8,7 milhões de porcos nas fazendas da Itália. Em 2012, foram 9,3 milhões de animais.
“Nosso custo de produção é de cerca de 1,5 euro por quilo [cerca de R$ 4,65]. Mantemos uma dieta em nossos rebanhos que é muito cara", afirma Giorgio Apostoli, responsável pelo setor de Zootecnia da Coldiretti.
Segundo ele, no resto da Europa, paga-se menos para produzir o porco. "O produto importado que chega aqui tem uma diferença de cerca de 20 centavos de euro [perto de R$ 0,60] a menos por quilo. Para nós [criadores italianos], não existe renda, não temos margem de lucro”, diz.
Número de fazendas para criação de porcos caiu 48% desde 2007
Desde 2007, quando o fenômeno começou a ser verificado, o número de fazendas com criações de porcos no país encolheu em 48% e atualmente elas são 26,2 mil, situadas sobretudo nas regiões da Lombardia, Emilia Romagna, Piemonte e Veneto. Desse total, somente, 4.900 possuem criações com mais de 50 animais.
Apostoli conta que o porco hoje produzido nas fazendas italianas é abatido apenas quando atinge entre 160 kg e 180 kg, com idade de nove meses a um ano, enquanto em outros países da Europa o abate ocorre, em média, aos seis meses. O tempo maior de vida representa mais custos para os criadores.
“Além disso, a própria alimentação é diferente. A ração que damos aos nossos porcos é regulamentada. Por exemplo, não podemos utilizar subprodutos da indústria energética [como restos de vegetais] ou derivados de batata [mais baratos], como é feito no resto da Europa”, diz ele.
Em algumas criações destinadas à fabricação de peças especiais como, por exemplo, o presunto de Parma, a ração é ainda mais “refinada” e precisa conter, inclusive, soro do legítimo queijo parmegiano reggiano.
Empresas italianas têm dado preferência à matéria-prima estrangeira
A diferença no estilo e tempo de criação dos animais italianos, segundo especialistas, é justificada pelo destino final do rebanho. Enquanto em países como Alemanha a maior parte do consumo é de carne fresca, na Itália, ele representa apenas 30%.
Os 70% restantes chegam ao mercado na forma de presunto, mortadela e outros produtos embutidos. Por isso, a maneira como o porco é criado na Itália seria a ideal para a fabricação de embutidos.
Com o preço alto do animal italiano, porém, muitos empresários do setor de presuntos e embutidos passaram a abrir mão do porco nacional e a importar a carne de outros países da Europa.
“Hoje pode-se dizer que 99% do presunto produzido na Itália sem o selo DOP [Denominação de Origem Protegida] é feito com coxas de porcos estrangeiros, que custam menos”, diz Paolo Tramelli, gerente de marketing do Consórcio Presunto de Parma.
Em 2012, a Itália importou cerca de um milhão de toneladas de carne suína, sendo que 30% desse volume foram comprados da Alemanha, 15% da Espanha, 15% da Holanda, 12% da França, 10% da Dinamarca, 5% da Áustria, 4% da Bélgica, 3% da Hungria e 3% da Polônia.
Pequenas quantidades também foram importadas de outros países da União Europeia, Chile e México. Além da carne, os italianos também importaram um milhão de suínos vivos, sendo a maior parte proveniente da Holanda (35%), Dinamarca e Espanha (18% cada), França (15%) e Alemanha (10%).
Selo de origem obriga produtores a utilizar animais italianos
Os únicos produtos que resistem à carne importada são aqueles com selo DOP, como os presuntos de Parma e San Daniele, ambos produzidos no norte da Itália. Por lei, eles não podem utilizar outro animal que não seja o criado na região.
“É muito provável que sem os presuntos DOP (San Daniele, Parma, Toscano, Modena, Veneto etc), cuja disciplina de produção impõe a obrigatoriedade do uso de matéria-prima italiana, hoje o nosso país seria ainda mais dependente das importações do resto da Europa”, diz Mario Emilio Cichetti, diretor do Consórcio de Presunto San Daniele, responsável por uma produção anual de 2,6 milhões de peças e faturamento de 340 milhões de euros (cerca de R$ 1 bilhão).
Embora não tenham tido a qualidade afetada, como mantêm o preço alto, eles registraram uma queda no volume de vendas nos últimos anos.
No caso do Parma, a diminuição foi de 10% desde 2008, quando a produção era de cerca de 10 milhões de peças. O produto perdeu espaço no mercado interno, mas tem bom desempenho nas exportações, que hoje representam 27% das vendas.
A reportagem do UOL tentou entrar em contato com a AIA (Associação Italiana de Criadores, em português), mas eles não quiseram se pronunciar sobre o caso. Em nota publicada em seu site, a Assica (Associação Industrial de Carne e de Salame) informa que está lutando pela melhoria do preço da carne suína na Itália.
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