Número cresce, mas mulheres ainda são minoria no mercado financeiro
Quando a analista de investimentos Lucy Sousa começou sua vida profissional no mercado financeiro, nos anos 80, ela era uma das únicas mulheres que trabalhavam com ações. "Achavam que eu era secretária de algum analista, e não a própria analista", conta ela, que hoje é presidente do conselho da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais do Brasil (Apimec).
Da mesma maneira, do lado dos investidores, quase não havia mulheres. Mas esse número - dos dois lados do balcão - vem crescendo. Elas ainda são minoria. Porém, a representatividade feminina, entre profissionais do mercado e investidoras, está cada vez maior.
Como o mercado está mudando?
Entre as mulheres, 35% investem seu dinheiro. É o que mostra um levantamento da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) em parceria com o Datafolha. O número é referente a 2023.
No ano anterior, a porcentagem era de 33% - um crescimento de dois pontos percentuais. Mas entre os homens, a quantidade é maior: 40% são investidores.
Já a quantidade de mulheres trabalhando no mercado deu um salto maior. Em relação a 2021, o total de analistas certificadas em 2024 deu um salto de 59%, segundo a Apimec. Mesmo assim, elas ainda são uma minoria. Do universo de 2.569 analistas, só 15% são do sexo feminino.
Por que a presença feminina é menor?
Entre as investidoras, o problema é a renda: as mulheres recebem em média 22% menos que os homens. O dado é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em cargos mais altos, essa disparidade aumenta para 34% a menos em relação aos profissionais do gênero masculino que ocupam o mesmo cargo.
Muita gente diz que elas não investem porque são conservadoras. Mas o fato que realmente pesa é social e não comportamental.
Marcelo Billi, superintendente de sustentabilidade, inovação e educação da Anbima
Na hora de escolher onde investir, são mais conservadoras. Quando a mulher consegue ter dinheiro para investir, a explicação do conservadorismo se aplica, sim."Ela é mais cuidadosa que os homens", diz Juliana Benvenuto, coordenadora de conteúdo e treinamento da Avenue Securities. "Como é ela quem cuida dos gastos da casa, dos filhos, ela sabe que precisa ter mais cuidado e se arriscar menos", diz.
Na Avenue, de 2019 para 2023, o número de investidoras cresceu de 11% do total para 30%. Mas, enquanto 77% dos clientes homens preferem renda variável, esse número fica um pouco abaixo quando o recorte é feminino. Das clientes mulheres, 74% investem em renda variável, por exemplo.
Os dados da Anbima confirmam isso, e a poupança ainda é a preferida de ambos os sexos. Entre as mulheres, 26% investem na caderneta. Entre os homens, a poupança é uma opção para 24% do total.
Quando o assunto é ações, a distância aumenta. Embora ambos os sexos sejam conservadores e invistam pouco em ações, a disparidade é maior. Enquanto 4% dos homens investem nos ativos em Bolsa, esse total cai para 1% entre as mulheres.
Tudo isso, porém, não foi barreira para a designer Dulcinea Coutinho Pungan, de Florianópolis. "Me formei tarde na faculdade, aos 40 anos e em seguida me decepcionei com a carreira. Precisava arrumar outro jeito de ganhar dinheiro", diz ela.
Ela passou a estudar o mercado de ações. Leu livros e fez simulações de carteira antes de colocar dinheiro vivo no mercado. Começou a investir para valer há dez anos. "Quando comecei a ganhar dinheiro, mostrei que estava indo bem para minha filha e meu marido e ensinei eles a investir também", conta ela. Anos mais tarde, Dulcinea se tornou viúva e herdou as ações do marido.
Em dois anos, ela dobrou o valor da herança. "Houve uma crise, as ações caíram e comprei tudo de balde. O segredo, para mim, é não se afobar. É preciso ser fria e estudar bastante", conta ela.
Mas por que ainda há menos mulheres profissionais no mercado?
Lucy Sousa acredita que é um problema de seleção. "Existe um viés do empregador, do selecionador de preferir homens a mulheres", diz ela, pois existe a crença de que a mulher não vai poder se dedicar e viajar porque precisa cuidar dos filhos e da família.
Uma vez me perguntaram numa entrevista de emprego se eu pretendia casar logo. Para um candidato homem, nunca fariam essa pergunta.
Lucy Sousa, presidente do conselho da Apimec
E isso é uma falácia, diz Lucy. Principalmente porque os dois sexos precisam cuidar dos filhos e da casa, e não só um. Ela mesma casou aos 38 anos e teve uma filha. Agora, aos 67, continua trabalhando.
Internet reproduz padrões
Nas redes sociais, a presença masculina também é desproporcional. Outro estudo da Anbima, mostra que dos 77 influenciadores da categoria "trader" mais representativos das redes, só oito são mulheres (são 63 homens e seis perfis de empresas).
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