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Argentina inaugura sem tropeços controle cambial e tenta acalmar população

Marcos Brindicci/Reuters
Imagem: Marcos Brindicci/Reuters

Em Buenos Aires

02/09/2019 18h26

A Argentina estreou sem tropeços hoje os controles de câmbio criados para proteger a moeda e as reservas, enquanto o governo tenta acalmar poupadores que correram para retirar seus depósitos bancários.

Um dia depois de o governo do presidente liberal Mauricio Macri impor limites às compras e transferências de moedas, a taxa de câmbio subiu 5,38%, fechando a 58,41 pesos por dólar, e o índice Merval da Bolsa de Buenos Aires abriu a semana em alta.

O ministro da Fazenda, Hernán Lacunza, foi cauteloso, porém, ao comentar esses movimentos.

"Considero que o dólar vai ficar estável. Caiu 2,5 pesos (a cotação do dólar), mas com muito pouco volume" de transações, disse, após uma reunião de gabinete.

Ao fim de três semanas de fortes pressões sobre a moeda, com uma desvalorização de cerca de 20% e queda de US$ 12,2 bilhões das reservas internacionais, Macri adotou um controle cambial na contramão das políticas liberais que havia defendido até agora.

O controle que vai valer até o fim do ano limita a US$ 10.000 mensais os montantes que indivíduos podem adquirir, impede as empresas de acumularem divisas e obriga os exportadores a liquidarem suas divisas entre cinco e 15 dias.

"Achamos que estas medidas vão funcionar. Fazem parte de um programa", afirmou Lacunza, ao se referir à decisão anterior de lançar uma reestruturação da dívida pública, com adiamento do vencimento de letras e títulos, bem como do empréstimo de US$ 57,1 bilhões que o Fundo Monetário Internacional (FMI) concedeu à Argentina em 2018.

Feriado nos EUA, filas na Argentina

Ainda é difícil quantificar o efeito dessas divisas.

"Por ser feriado nesta segunda nos Estados Unidos, o mercado títulos e o de ADR (ações argentinas em Wall Street) não operam. A reação de verdade será vista a partir de terça", explicou à AFP o economista Héctor Rubini, da Universidad del Salvador.

Para a empresa Capital Economics, "o controle de capitais pode ajudar a prevenir a instabilidade na taxa de câmbio, mas estabelece um precedente preocupante", pois facilitaria o prolongamento das restrições ao governo que será eleito em outubro e vai assumir em 10 de dezembro.

Em Buenos Aires, muitos clientes fizeram fila na porta dos bancos. O fantasma da crise de 2001, quando a Argentina declarou moratória sobre sua dívida de US$ 100 bilhões e impôs uma restrição aos saques bancários, fez-se presente.

Em uma tentativa de tranquilizar poupadores, o governo garantiu que não haverá nenhum limite aos saques e pediu para os bancos estenderem seu horário de atendimento ao público.

Os depósitos em dólar nos bancos argentinos caíram 3,5 bilhões em 30 dias, o equivalente a 10,1% do total, segundo dados do Banco Central.

Uma crise bancária "é um evento possível", afirmou Rubini, ao explicar que os depósitos em dólar somam US$ 31,5 bilhões, e a reserva do Banco Central é de cerca de US$ 12 bilhões.

Eleições e FMI

Lacunza reconheceu que "está em jogo quem é o comandante, ou o capitão, do navio a partir de 10 de dezembro", quando começa o novo mandato presidencial.

A Argentina, que sofre com uma recessão desde 2018 com alta inflação (25% de janeiro a julho) e aumento da pobreza (32% no final do ano passado), viu um agravamento de sua crise econômica após as primárias em que o peronista Alberto Fernández, centro-esquerda, obteve uma diferença surpreendente de mais de 15% dos votos contra Macri.

Embora Fernández tenha descartado a possibilidade de um calote se chegar à presidência, ele também é muito crítico do programa do FMI.

A Argentina espera para setembro um desembolso de US$ 5,4 bilhões da agência, que até agora se absteve de comentar as novas medidas.

Para concretizar o repasse, "os técnicos precisam analisar os números do segundo trimestre de 2019, que estão bons. Mas eles sabem que estão investindo o dinheiro em um governo que poderá partir em dezembro. É uma situação difícil", completou Rubini.