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Ajuste econômico: Por que o Brasil vai na contra-mão da Europa?

Ruth Costas

Da BBC Brasil, em São Paulo

16/12/2014 09h47

A nova equipe econômica do governo deixou claro: 2015 será um ano de "ajustes". Os gastos públicos serão cortados para que se consiga economizar 1,2% do PIB e os juros devem se manter em um patamar elevado para ajudar a segurar a inflação. Também está sobre a mesa um aumento dos impostos.

O curioso, porém, é que o Brasil parece abraçar a austeridade em um momento em que, fora do país, políticas dessa linha são colocadas em xeque.

De um lado os EUA, que adotaram uma estratégia focada nos estímulos à economia, conseguiram se recuperar e podem ter uma expansão de 3% em 2015.

Já a zona do euro - que implementou uma política de cortes de gastos radicais e aumentos de impostos - ainda patina, com crescimento medíocre e desemprego na casa dos 11% (e instabilidade política em países como Grécia).

Até o Banco Central Europeu parece ter admitido os limites dessa estratégia ao anunciar, recentemente, um pacote de compra de títulos para injetar recursos na economia e estimular os empréstimos e o consumo.

Para a maior parte dos economistas ouvidos pela BBC Brasil, porém, a dicotomia entre "ajustes" e "estímulos" é contraproducente.

"Há ajustes bons e ajustes ruins", explica Étore Sanchez, da consultoria LCA. "Assim como há pacotes de estímulos mais eficientes que outros para impulsionar a economia. Além disso, a realidade de cada país deve ser considerada: o que funciona nos EUA ou na Europa pode não funcionar no Brasil - e vice versa."

No caso brasileiro, por exemplo, ele opina que, por mais que se tenha estimulado o consumo nos últimos anos, a falta de reformas para resolver problemas logísticos, burocráticos e outros gargalos acabou funcionando como um freio ao investimento, impedindo um crescimento sustentável.

Mas o que faz o Brasil acabar com a política anticíclica justo no momento mais baixo do "ciclo", fazendo uma "correção de rumos" aparentemente oposta a da Europa? E o que é preciso fazer para evitar os riscos da estratégia de "ajustes" em um contexto de economia estagnada?

Consenso

A necessidade de um ajuste fiscal e de mudanças na política econômica parece ser consenso entre economistas – sejam eles pró ou antigoverno, desenvolvimentistas ou ortodoxos.

Primeiro, em função do baixo crescimento e inflação muito próxima do teto da meta definida pelo Banco Central (6,5%) – interpretados como um sinal de problemas da política econômica do primeiro governo Dilma Rousseff.

Segundo, pelo que é percebido como um certo "descontrole" das contas públicas. O governo admitiu que este ano não economizará 2% do PIB, como prometido, e uma mudança legal foi aprovada às pressas no Congresso para permitir o descumprimento dessa meta.

"O ideal certamente não seria retirar os estímulos anticíclicos com um crescimento tão baixo", diz Sanchez, da consultoria LCA.

"Mas o fato é que o governo já esgotou suas ferramentas para tentar impulsionar a economia e agora não tem alternativas diante da necessidade de segurar a inflação, colocar as contas em dia e recuperar a confiança dos investidores e dos mercados."

André Biancarelli, economista da Unicamp, diz não achar que "a situação (das contas públicas) seja desesperadora". "Mas não há como negar que algo precisa ser feito para colocá-la na linha."

Como os cortes de gastos e altas de juros poderiam ajudar o país a retomar o crescimento?

O governo espera que tais políticas gerem um "choque de credibilidade" que destrave os investimentos.

Segundo André Perfeito, da Gradual investimentos, a alta dos juros de curto prazo de fato tende a derrubar a taxa de longo prazo - o que poderia contribuir para elevar os investimentos na economia real.

"Mas não sabemos como a economia vai responder a essas medidas", diz o analista, acrescentando que, se o consumo interno estiver desaquecido e a economia global ainda não tiver se recuperado, puxando as exportações, é difícil acreditar que os investimentos virão. Nesse cenário de baixo consumo, "os empresários vão produzir para quem?", questiona.

Biancarelli, da Unicamp, concorda: "O risco, em última instância, é que um ajuste muito duro jogue fora o dinamismo da economia para ajustar as contas públicas".

Para alguns economistas, um aperto monetário e fiscal muito forte foi o que dificultou a retomada de crescimento de alguns países europeus, como Grécia e Espanha.

Eles dizem que os cortes de gasto e aumentos de impostos que tinham como objetivo colocar as contas públicas em dia achataram muito rapidamente o consumo e geraram desemprego, reduzindo a arrecadação - o que acabou prejudicando as contas públicas e criou uma espécie de "círculo vicioso" recessivo.

No caso do ajuste europeu, porém, Perfeito diz que um dos grandes problemas foi a falta de capacidade dos países encrencados de fazer política monetária, uma vez que eles haviam aderido ao euro. "Além disso, as contas públicas de muitos países estavam bem piores que as brasileiras hoje."

Gradualismo

Tanto Biancarelli quanto Perfeito defendem um "gradualismo" no corte de gastos e aperto monetário no Brasil.

"Afinal, foi esse gradualismo que Dilma prometeu em campanha, para que não se retroceda nos avanços sociais dos últimos anos", diz Perfeito.

Mas também há quem acredite que o que pode minar o ajuste são medidas muito brandas - incapazes de convencer o mercado de que o governo está mesmo comprometido com suas metas fiscais e inflacionárias.

Para Ilan Goldfajn, economista chefe do Itaú BBA, por exemplo, "o maior risco" do plano é que ele "não consiga de fato recuperar a credibilidade" da política econômica frente aos mercados e investidores.

Muitos analistas questionam se a nova equipe econômica terá autonomia para perseguir suas metas. Outros enfatizam que além de mudar a política econômica o governo precisa fazer reformas estruturais para garantir a retomada do investimento.

"Quando começaremos a tratar das ineficiências (estruturais) do mercado brasileiro para que valha a pena investir?", questionou José Ricardo Roriz Coelho, diretor da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) em um almoço com jornalistas na semana passada.

"Ainda não vi no governo propostas para acabar com esses problemas (como falta de infra-estrutura, excesso de burocracia, etc)."

Cortes inteligentes

No que diz respeito aos cortes de gastos públicos, os economistas concordam que o ideal é que o governo poupe gastos sociais, investimentos e outras áreas que têm um grande "efeito multiplicador" sobre a economia.

Para Biancarelli, a grande tentação da nova equipe econômica será fazer o ajuste "mais fácil" – já que boa parte do orçamento é "engessada".

"Os benefícios dos funcionários públicos, por exemplo, são protegidos pelo princípio de direito adquirido. Mas o governo precisa fugir desse padrão histórico de cortar os investimentos se quiser evitar um ajuste recessivo", opina.

Entre as áreas que poderiam receber uma tesourada, na avaliação do economista da Unicamp, estaria a de desonerações fiscais.

"Por meio dessas desonerações, bilhões de reais foram repassados aos empresários. Mas como eles não necessariamente investiram mais em contrapartida, está na hora de rever isso", opina.

Paulo Skaf, presidente da Fiesp, discorda e promete ser duro contra qualquer tentativa do governo de aumentar a carga tributária sobre os empresários.

"O meio empresarial está ansioso para saber quais serão as medidas concretas (para gerar crescimento). Mas se for pelo caminho do aumento de impostos vai ter problemas. Vamos oferecer resistência."