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Mudanças à mesa: com dólar alto, iguarias nacionais tomam lugar de importadas

Hélio Casagrande dono da delicatessen Cosa Nostra, no Rio - BBC
Hélio Casagrande dono da delicatessen Cosa Nostra, no Rio Imagem: BBC

23/10/2015 05h54

Em vez de geleia francesa, doces do rincão gaúcho; em vez de shortbread cookie escocês, biscoitos amanteigados de Nova Friburgo; em vez de marzipã alemão, por que não frutas cristalizadas de Carmo de Minas?

Em resposta à alta do dólar, essas são algumas das alternativas oferecidas pelo empresário carioca Hélio Casagrande na delicatessen Cosa Nostra, no Rio, que outrora contava com mais de 80% de produtos importados.

A substituição de importações é um dos efeitos do dólar batendo na casa dos R$ 4, levando empresários como Casagrande a abrir mais espaço para produtos brasileiros. Sua loja em Ipanema continua a oferecer itens estrangeiros, mas os nacionais são agora quase metade dos produtos à venda.

Na outra ponta, setores da indústria brasileira como os de vinhos e queijos estão se beneficiando de mais espaço nas prateleiras de lojas e mercados.

Casagrande afirma que está "dançando conforme a música", como fez para atravessar os anos de hiperinflação e os sucessivos planos econômicos dos anos 1980.

"Estamos nos reinventando. Descobrimos um nicho bacana, de produtos regionais que fomos buscar em cidadezinhas no país todo", afirma. "Eles têm preços mais acessíveis e uma qualidade fantástica que agrega valor."

Ele espera que os preços mais em conta ajudem a impulsionar as vendas na loja, que, com a crise econômica, caíram quase de 30%.

O freio no consumo vem atingindo o comércio como um todo, com quedas consecutivas de vendas desde o começo do ano.

De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a intenção de consumo das famílias atingiu neste mês o menor nível desde que o índice começou a ser calculado, em 2010.

A CNC acaba de revisar a retração esperada este ano de -2,9% para -3,6%. Será o primeiro resultado negativo desde 2003.

A vez do vinho nacional?

Com a pressão do dólar sobre produtos importados, indústrias nacionais como as do queijo e do vinho acabam sentindo um efeito colateral positivo.

De acordo com o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), dados preliminares do mercado interno indicam que, do ano passado para cá, a venda de vinho branco nacional teve aumento de 5%; de tinto, 8%; e de espumantes, mais de 20%.

Para o gerente de promoção do Ibravin, Diego Bertolini, o momento é oportuno para aumentar a presença do produto nacional em um mercado que ainda tem preconceito com o vinho brasileiro.

"O dólar alto é um dos fatores que está ajudando o vinho brasileiro a ganhar competitividade. A gente nunca viu supermercados e distribuidores querendo trabalhar o vinho brasileiro com tanta força", afirma.

O varejo costuma ter maior rentabilidade com vinhos importados, afirma. Com o dólar alto, porém, o produto estrangeiro se torna menos lucrativo, pois empresários vêm reduzindo a margem de lucro para manter os preços competitivos.

O fator novela

Dentro deste cenário, o espaço para o vinho nacional tende a crescer, explica Bertolini. E o fato de a atual novela das seis da Rede Globo ter como palco o mundo do vinho também ajuda. A trama de "Além do Tempo" é ambientada na Serra Gaúcha, principal polo produtor do país, com profissionais do vinho como protagonistas.

"Isso vai ajudar a impulsionar as vendas de vinhos e espumantes no fim do ano", aposta ele.

O viés positivo é um alento para uma indústria que também sofre com a alta de matérias-primas importadas, como a cortiça, e o aumento das tarifas elétricas.

"Não é um ano fácil. A rolha é importada, a produção das garrafas demanda muita eletricidade, a maior parte dos insumos aumentou. A nossa margem [de lucro] também está diminuindo. Mas, ao contrário de outras categorias, para nós o momento é interessante e temos que aproveitar para consolidar o setor", diz.

Ele descreve o sentimento em relação à crise com um "emoticon" imaginário: "Não é que estejamos rindo de uma orelha a outra. É uma carinha triste, mas com um sorrisinho discreto".

Efeito 'turista rico'

Esse efeito "gangorra" do dólar alto, com os impactos negativos e se equilibrando, também é sentido em restaurantes, sobretudo os que estão na rota de turistas estrangeiros.

É o caso do Le Pré Catelan, em Copacabana. Dono de uma estrela Michelin desde abril, quando a prestigiosa publicação francesa distribuiu suas primeiras distinções no Brasil, o restaurante do Hotel Sofitel sente ao mesmo tempo com o efeito-crise –que aperta os gastos dos clientes brasileiros– e o efeito-real-barato –que abre as mãos dos estrangeiros.

"Com a crise, os brasileiros estão preocupados com o futuro e diminuindo os gastos. Vão a restaurantes mais baratos, pensam bem no que vão escolher e, quem sabe, vão preferir tomar uma cerveja em vez de um vinho", diz Roland Villard, chef executivo do Sofitel.

Para os estrangeiros, porém, por um punhado de dólares pode-se chegar muito mais longe. O Brasil –e o Rio, mesmo com seus preços proibitivos– de repente ficou muito mais barato para quem chega com moedas fortes.

"Para qualquer estrangeiro ficou mais interessante vir ao Brasil. Porque podem gastar mais e aproveitar mais a viagem com o mesmo dinheiro", diz Villard.

Como exemplo da disposição extravagante, ele conta que a casa vendeu alguns vinhos da linha superior na última semana, na faixa de R$ 5.000 a garrafa.

Ainda assim, a estratégia não é a de se apoiar nos comensais estrangeiros. O chef afirma que, para não afastar a clientela nacional, os preços do restaurante não acompanham a inflação. "Adaptamos o menu para segurar os preços e manter o movimento, de modo a evitar prejuízo sobre o resultado final", afirma.

Sessões Netflix e ceia turbinada

Se a recessão está levando o movimento em restaurantes e lojas a cair, o mesmo não se observa, necessariamente, em supermercados.

Na rede carioca Zona Sul, que tem 35 lojas distribuídas pela cidade, o vice-presidente comercial Pietrangelo Leta afirma que o volume de vendas vem se mantendo. As pessoas estão segurando os gastos na rua, e seu negócio ganha com isso, afirma.

"Muita gente está trocando o cinema pelo Netflix, o restaurante pela refeição em casa. Acho que muitos clientes vão fazer essa substituição", considera.

Mesmo no fim do ano, quando a compra de produtos importados para as ceias natalinas pode sofrer um baque, Leta aposta no contrário.

"Com a variação cambial, muita gente vai deixar de viajar no fim do ano. Então a ceia pode ficar mais rica para compensar. O cliente vai deixar de fazer aquela viagem para a Itália ou para a Argentina, então vai fazer uma ceia mais caprichada, convidar mais gente", avalia.

Ele afirma que a rede não vai reduzir o foco em produtos importados, que atualmente representam cerca de 16% da gama ofertada. Porém, tem buscado saídas para amenizar o impacto para o consumidor, como parcerias com fornecedores antigos para conseguir condições de compras mais vantajosas e redução da margem de lucro.

Natal antecipado

Semana que vem o empresário Hélio Casagrande já inaugura a decoração natalina na sua delicatessen em Ipanema. Um Papai Noel de 1,50 m estará saudando os clientes na porta com um animado "Ho! Ho! Ho!". Diante da perspectiva de as vendas natalinas caírem, ele resolveu começar mais cedo.

"A gente sabe que o nível de estresse de todo mundo é muito grande em relação à política e à economia. Mas não acredito que as pessoas vão deixar de comprar coisas para o Natal."

Ele dá exemplo das alternativas nacionais que ele vem oferecendo aos seus clientes. Os 200 g de patê de foie gras nacional saem a R$ 39,80, contra R$ 139 pelo francês; o queijo de ovelha da Serra da Mantiqueira custa R$ 25,90, enquanto o manchego espanhol, também de ovelha, sai a R$ 39 (150g); e os biscoitos amanteigados de Friburgo custam R$ 9,90, versus os R$ 39,90 pelos shortbread cookies escoceses.

A quem não se dispõe a pagar R$ 390 por uma champanhe Louis Roederer, ele sugere um espumante Dal Pizzol em edição comemorativa, a R$ 149.

Seja qual for a escolha etílica, porém, a dica de todos os entrevistados é estocar bem a adega até o fim de novembro, já que em dezembro começa a valer o aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre vinhos, espumantes e destilados, decretado pelo governo em setembro como parte das medidas para equilibrar as contas públicas.

E aí, seja com variantes nacionais ou importados, o brinde a 2016 custará um pouco mais ao consumidor.