Favela mais antiga de Buenos Aires passa por urbanização para 'sair do isolamento'
Nas proximidades da estação de trem de Retiro, no coração de Buenos Aires, se encontra uma das mais antigas e maiores favelas da capital argentina.
Localizada entre a Recoleta e Puerto Madero, bairros nobres da cidade, a Villa 31 surgiu nos anos 1930, atraindo um grande fluxo de migrantes pobres da América do Sul - sobretudo bolivianos, peruanos e paraguaios.
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Apesar da localização central, a comunidade vive uma espécie de isolamento em relação ao resto da capital: poucas autoridades se aventuravam na região, que é alvo até hoje de disputas do tráfico de drogas.
Semelhante a tantas outras favelas latino-americanas e brasileiras, a Villa 31 passa agora por um ambicioso - e também polêmico - plano de reurbanização, que conta com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do Banco Mundial e do governo portenho.
"Era como se a Villa 31 não existisse para o restante da população de Buenos Aires. Queremos integrar essas duas pontas que estiveram afastadas durante tanto tempo", disse o secretário de Integração Social e Urbana, Diego Fernández, enquanto percorria o local com a BBC Brasil, na semana passada.
Se os projetos anteriores buscavam formas de levar a comunidade local para outros bairros, liberando valiosos metros quadrados da capital argentina, a ideia agora é transformar a Villa 31 no "Barrio 31".
"(Será) um bairro de Buenos Aires, acabando com seu isolamento em relação ao restante da cidade", acrescenta Fernández.
Como parte do projeto, o prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, passou a despachar às terças-feiras de dentro da favela, onde foram instalados postos da administração pública, quadras de esportes, praças e centros de saúde.
As obras, iniciadas em 2016, também preveem a construção de um complexo de escolas para adultos e crianças e de uma nova sede para a Secretaria de Educação, que passará a funcionar dentro da Villa 31.
O presidente do BID, Luis Alberto Moreno, também informou que o escritório argentino do banco será instalado na favela.
Gentrificação
Mas os autores da lei de urbanização da Villa 31, aprovada há sete anos, criticam o projeto do governo atual.
Eles temem que a revitalização faça com que os donos de imóveis elevem o preço dos aluguéis, desalojando inquilinos antigos que acabariam "expulsos" pela alta dos preços.
É a chamada gentrificação, processo de valorização imobiliária que acaba levando à mudança de perfil dos moradores locais, substituídos por novos ocupantes de renda mais elevada.
"Do jeito que está sendo feito, vai gerar uma grande especulação imobiliária", criticou o ex-parlamentar de oposição Facundo Di Filippo, integrante do Centro de Estudos e Ação pela Igualdade (CEAPI).
Ele defende que o Estado financie uma casa "definitiva e sem custos para cada família que vive ali".
O trecho da lei que regula a urbanização foi baseado na proposta do arquiteto Javier Fernández Castro, professor de projeto urbano e arquitetônico da Universidade de Buenos Aires (UBA). Ele se inspirou no programa Favela-bairro do Rio de Janeiro, como contou em entrevista à BBC Brasil.
Mas também faz ressalvas:
"Nós teríamos optado por um projeto mais integral. Primeiro faríamos as ruas e avenidas e resolveríamos o saneamento básico de toda a comunidade. Depois construiríamos as casas (que precisam de melhorias ou devem ser demolidas)", disse.
Segundo ele, ao "fragmentar" o trabalho, fazendo o saneamento e a reforma das casas por etapas, pode haver o risco de "alguma parte" da Villa 31 não receber atenção integral.
Assim como Di Filippo, o arquiteto entende que os moradores não deveriam pagar pelas melhorias nas residências ou pelas casas novas para onde alguns terão que se mudar - mesmo a prestações suaves e compatíveis com seus ganhos, como está previsto.
"Essas pessoas (moradores) vão passar a ter crédito hipotecário, que antes não tinham. Com a reurbanização da Villa 31, o valor dos terrenos em torno dela vai disparar, o governo da cidade arrecadará mais impostos e com esse dinheiro poderia ele mesmo financiar essas casas", avalia Fernández Castro.
Em outubro, um pequeno grupo de moradores da Villa 31 saiu às ruas para protestar, alegando que não teriam como pagar pelas escrituras das novas moradias e queixando-se de que o plano de urbanização não tinha sido amplamente discutido.
Além do papel
Já um dos moradores mais antigos da comunidade, o argentino Juan "jala jala" Romero, dono da emissora de rádio Villa 31, refuta as críticas às obras. Segundo ele, o projeto está saindo do papel pela primeira vez.
"Não apoio o governo e fiz muitos protestos quando Macri (atual presidente) era prefeito de Buenos Aires. Nós queríamos luz, água limpa, esgoto, queríamos que melhorassem as casas, as ruas, as calçadas, queríamos viver dignamente. E tudo isso está sendo feito", disse à BBC Brasil.
O maior problema, segundo Romero, é a segurança pública.
"Já melhorou, mas isso precisa melhorar mais. Ainda tem muito furto e roubo aqui", afirmou.
Enquanto isso, o grupo de moradores que terá de deixar suas casas, em decorrência da obra da nova avenida que cruzará o local, está mergulhado em dúvidas e incertezas.
"O governo disse que eles também terão casas novas dentro da própria Villa 31, mas tem gente que não queria se mudar de onde está agora. Além disso, estamos vendo casas novas que estão sendo entregues com as instalações incompletas", explica Dora Mackoviak, representante dos moradores nos conselhos criados para levar as demandas da comunidade à prefeitura.
Dora afirma que o saneamento básico já melhorou na área onde ela mora, mas que ainda precisa chegar a outras partes da comunidade.
"Com as obras, nós já temos rua asfaltada e esgoto. Mas outros moradores ainda estão esperando saneamento básico."
Nas quase duas horas de caminhada da BBC Brasil com o secretário Fernández pela Villa 31 , um morador se aproximou para se queixar das motos que passavam em alta velocidade na rua recentemente asfaltada.
"Estamos vendo como resolver estas questões também. Peço um pouco de paciência", disse Fernández.
Avenida vai virar parque
O projeto de reurbanização também prevê "unir fisicamente" a favela ao restante da cidade - atualmente, os trilhos que partem da estação Retiro impedem que isso aconteça.
Para tal, a Avenida Illia, que hoje passa sobre a comunidade, será transformada em um parque público elevado (inspirado no High Line, de Nova York), aberto a toda população portenha. E uma nova avenida será construída para escoar o tráfego da Illia.
Mas a construção da nova avenida, que prevê a realocação dos moradores que vivem ali atualmente, gera polêmica.
"Não faz sentido gastar dinheiro com uma nova avenida", disse o ex-parlamentar Facundo Di Filippo.
Para ele, a atual avenida deveria ser mantida para o trânsito.
Mas o governo argumenta que, além de querer "unir" a Villa 31 à cidade, está preocupado com a estrutura do atual do elevado, sob o qual casas de até dois andares foram construídas.
A Villa 31 expandiu principalmente nos últimos anos. Hoje, segundo dados da Prefeitura, conta com cerca de 10 mil casas, mais de 800 pequenos comércios e aproximadamente 40 mil habitantes - sendo 50% dos moradores argentinos. e os demais divididos entre bolivianos, paraguaios e peruanos.
Ainda de acordo com os dados oficiais, as disparidades sociais entre os moradores da Villa 31 e o restante da cidade são gritantes - incluindo níveis de escolaridade, faixa salarial, taxa de desemprego e índice de gravidez na adolescência.
O secretário diz, no entanto, que o projeto "não se limita a urbanização da comunidade", mas sim à "melhoria das condições de vida dos moradores e à integração da Villa 31 com outros bairros".
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