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Desejos dos compradores de bonds ignoram a dura realidade da Argentina

Camila Russo

30/07/2015 17h47

(Bloomberg) - Os detentores de títulos da Argentina estão se aferrando à ideia de que o sucessor da presidente Cristina Fernández de Kirchner vai finalmente resolver a disputa de dez anos sobre a dívida e acabar com o isolamento do país nos mercados internacionais.

As pesquisas com eleitores sugerem que esses investidores talvez sofram uma grande decepção.

Os bonds argentinos não pagos subiram neste ano devido à especulação de que as eleições de outubro vão instaurar um governo mais favorável ao mercado. No entanto, nas últimas semanas, o candidato do partido governante, Daniel Scioli, aumentou sua liderança. E as pesquisas também mostram que a maioria dos argentinos defende a continuidade de grande parte das políticas de Cristina, que o próprio Scioli prometeu conservar.

Embora algumas medidas, como os subsídios ao transporte público e as transferências de recursos para as famílias de baixa renda, contem com um grande apoio popular, outras sufocaram os investimentos, paralisaram o crescimento econômico e pioraram a inflação, enquanto a disputa da dívida persiste. E, o que talvez tenha mais importância para os investidores estrangeiros nos bonds, elas incapacitaram a Argentina de pagar a dívida.

"Os investidores estão sendo otimistas demais em pensar que tudo vai ficar bem, independentemente de quem ganhe", disse Claudio Loser, ex-diretor do departamento do hemisfério ocidental no FMI, que agora dirige a empresa de consultoria Centennial Group. "Não há indícios de que as coisas sejam diferentes desta vez".

A Argentina corre o risco de sofrer uma crise econômica se não puder fazer empréstimos no exterior e se não permitir que o peso seja negociado a uma taxa cambial mais competitiva, disse Loser.

Estagnação econômica

Na maioria dos países, a calamidade da situação seria suficiente para que os eleitores exigissem mudanças. Afinal, a economia está estagnada, os preços ao consumidor estão aumentando à proporção anual de 25 por cento e o déficit orçamentário triplicou no primeiro semestre deste ano.

Na Argentina, no entanto, depois de anos de ciclos de expansão e recessão que viram oito presidentes ocuparem a Casa Rosada nas últimas duas décadas, a situação não está tão sombria em termos comparativos.

O principal ponto de campanha do partido governante, que levou Scioli à liderança, é que a oposição cortaria os gastos em programas sociais e aumentaria as importações. Entre os argentinos, isso gerou a preocupação de que o principal concorrente de Scioli, Mauricio Macri, implemente mudanças que só beneficiarão os mais ricos e provocarão o aumento do desemprego.

Como a popularidade de Macri vinha caindo nas pesquisas, ele abandonou suas promessas iniciais de acabar com os controles cambiais desde o primeiro dia. Ele também prometeu manter as empresas nacionalizadas sob controle estatal e não acabar com os programas de bem-estar social.

Roberto Sánchez-Dahl, que ajuda a administrar US$ 4,5 bilhões em dívida de mercados emergentes na Manulife Asset Management, disse que o apoio público de Scioli a Cristina e às políticas dela não passa de discurso de campanha e que, uma vez no cargo, ele tomaria decisões difíceis para tirar a Argentina da crise de dívida.

'Decisões difíceis'

"A questão é saber o quanto do que Scioli diz se destina ao consumo local", disse Sánchez-Dahl, que possui bonds estrangeiros da Argentina. "Há muitas expectativas de que o próximo governo tome decisões difíceis, mesmo que elas não sejam as mais populares".

Uma dessas decisões talvez seja a desvalorização do peso. Só nas duas últimas semanas, a demanda por dólares fez com que o peso caísse ao valor mais baixo desde novembro no mercado paralelo.

Apesar dessas preocupações, 53 por cento da população quer que o próximo governo conserve todas ou quase todas as políticas atuais, segundo uma pesquisa da Raúl Aragón Asociados. Entre os entrevistados, 68 por cento disseram que todas as mudanças devem ser graduais, mostrou a pesquisa realizada entre os dias 10 e 17 de julho. Ao mesmo tempo, 55,3 por cento dos participantes da pesquisa realizada pela Ricardo Rouvier Asociados têm uma imagem positiva de Cristina.

Parte da popularidade dela vem dos gastos do governo nos subsídios, que equivalem a 5 por cento do PIB e estão entre os mais altos na América Latina, de acordo com a empresa de pesquisa CIPPEC.

"Há um grande grupo de pessoas que se beneficiou com os subsídios e com os preços controlados, e elas não veem necessidade de modificar muito as políticas econômicas do governo", disse Loser, da Centennial. "Elas é que vão votar, e quem quer que seja eleito terá que responder a elas".

Título em inglês: 'Bond Buyers' Wishful Thinking in Argentina Ignores Harsh Reality'

Para entrar em contato com o repórter: Camila Russo, em Buenos Aires, crusso15@bloomberg.net