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Análise: Venezuela está à beira do abismo e não há diálogo sobre futuro

Palacio Miraflores/Reteurs
Imagem: Palacio Miraflores/Reteurs

Andrew Rosati

03/03/2016 13h11

(Bloomberg) - Quando o governador Henri Falcón faz sua corrida matinal por Barquisimeto, centro operacional do coração agrícola da Venezuela, ele cruza uma paisagem desalentadora.

Ainda não amanheceu e centenas de consumidores suados fazem fila para comprar alimentos, os bairros estão no escuro por causa dos contínuos blecautes e os hospitais estão tão lotados que os doentes precisam dividir as macas.

Falcón é uma raridade em um país profundamente polarizado: um advogado e ex-militar que se rebelou contra o falecido Hugo Chávez, mas que continua no poder como um personagem da oposição.

Então, três meses depois da vitória esmagadora dos opositores no Congresso, que prometia grandes mudanças nesse país socialista, vale a pena escutar a visão de Falcón sobre a situação.

Enquanto corre, cumprimentando os eleitores, ele aponta para as filas, os blecautes, a superlotação e a criminalidade. Ele menciona a queda dos preços do petróleo e a vitória da oposição.

E, entre um passo e outro, ele diz que não se deve esperar nenhuma mudança em breve; o sofrimento vai piorar porque o governo do presidente Nicolás Maduro não vai aceitar nenhum risco de que seu poder diminua.

"Estamos à beira do abismo, uma catástrofe para o país", disse ele. "Mas não estamos enfrentando um adversário paralisado. Seria ingênuo pensar assim".

Bem-estar populista

Com um controle firme do setor petroleiro --a única fonte de renda do país-- Maduro conservou elementos fundamentais dos programas populistas de bem-estar e cuidou bem dos militares, para não correr o risco de ser deposto por eles.

Os líderes da oposição, apesar de suas promessas de um novo amanhã, estão transmitindo sinais contraditórios sobre a velocidade de atuação, insistindo que o governo que meteu o país nessa situação deve se responsabilizar por ela.

"Politicamente, o país está congelado", disse Carlos Romero, cientista político da Universidade Central da Venezuela. "Economicamente, nem o governo nem a oposição querem assumir os custos dos ajustes".

Diante de dívidas de bilhões de dólares que vencem neste ano, Maduro fez no mês passado os tão aguardados ajustes econômicos.

Ele reorganizou os controles cambiais, aumentou o preço da gasolina em mais de 60 vezes (mas encher o tanque ainda continua custando centavos) e arrendou grandes faixas dos depósitos nacionais ricos em petróleo e minerais para investidores estrangeiros.

Mesmo assim, após anos de má gestão e de uma queda de mais de 70% do preço do petróleo, muita gente continua descrente de que as últimas medidas de Maduro farão algo mais do que estender temporariamente a vida de seu governo.

"As medidas dão um pouco de fôlego ao governo para evitar um calote, mas não são suficientes para evitar a crise econômica", disse o economista venezuelano Alejandro Grisanti, que trabalhou na Barclays Capital.

O FMI projeta que a inflação - que já é de três dígitos - vai aumentar para mais de 700% e que a economia vai se contrair pelo terceiro ano consecutivo. Em outras palavras: os venezuelanos vão ficar ainda mais pobres.

Esperança

Com suas leis entravadas e a recém-adquirida maioria amplamente ignorada, a oposição está se unindo lentamente em torno do objetivo de derrubar Maduro através de meios constitucionais antes de 2019, o fim do mandado do presidente.

Uma série de medidas está sendo proposta agora. Entre as opções, reformar a Constituição, reescrevê-la completamente e convocar um plebiscito. Mas muitos desconfiam que esse processo não vai avançar com rapidez.

"A esperança dos venezuelanos de que haja uma mudança imediata no governo é, na prática, uma ilusão", disse José Vicente Haro, especialista em direito constitucional em Caracas.

A menos que Maduro renuncie, alguns acreditam que o fim do impasse político da Venezuela só vai acontecer quando a situação piorar ainda mais.

Os venezuelanos em geral sentem que os políticos rivais estão encontrando pouco terreno em comum. Em pé, atrás de uma multidão que está esperando para comprar mantimentos, Beatriz Pérez, uma dona de casa de 26 anos em Barquisimeto, balançou a cabeça demonstrando sua incredulidade de que seja possível chegar a um acordo. Mas ela ainda não vai desistir.

"A esperança é a última que morre", disse ela.

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