Homem com deficiência visual muda de área e luta por emprego: 'Invisível'
Francisco Reginaldo dos Santos, 59, se emocionou ao lembrar que reaprendeu a ler após perder a visão. "De todas as minhas necessidades, a que mais me afetou foi a leitura", afirmou o pedagogo, que foi educado por livros que sua mãe encontrava jogados na rua.
Ele ficou cego depois dos 50
Em 2019, Régis Negro —como gosta de ser chamado— sofreu um derrame ocular e ficou praticamente cego dos dois olhos. Do lado esquerdo, enxerga cerca de 5%. "Agora, por exemplo, eu não vejo o seu rosto, apenas uma sombra", disse no início da entrevista.
Ele já estava desempregado havia dois anos quando passou pelo episódio que mudou sua vida para sempre. Desde então, amarga o sexto ano consecutivo atrás de um emprego fixo. A deficiência visual só dificultou essa procura.
Nascido em Capitão de Campos (PI), Régis Negro se mudou para Guarulhos, na Grande São Paulo, ainda jovem. Atuou em empresas de segurança e alimentos até trabalhar na prefeitura do município paulista por quase uma década. No poder público, esteve à frente de ações coordenadas nas áreas de educação e cultura para crianças e adolescentes.
Sem trabalho, ele declara que viu a fome de perto na pandemia de covid-19. O salário da esposa não bancava a alimentação deles e de mais dois filhos. Com a retomada econômica, voltou a procurar emprego e vivenciou episódios de capacitismo (discriminação contra pessoas com deficiência). Ele vendeu banana na rua depois de ouvir tantas negativas. Agora, sua vontade é ser massoterapeuta.
"Me tratam como se eu fosse frágil"
A história de Régis Negro está alinhada com a realidade de PCDs (Pessoas com Deficiência) no Brasil. De acordo com o IBGE, somente uma (26,6%) em cada quatro pessoas com deficiência com idade para trabalhar estava ocupada no país em 2022. E mais da metade (55%) vivia na informalidade no mesmo período. O rendimento médio real foi de R$ 1.860, inferior a dois salários mínimos. A população com deficiência no Brasil é de 18,6 milhões de pessoas.
Ele participou de entrevistas de emprego desde que ficou cego, mas a resposta final sempre foi "não". Ao chegar em uma empresa, ele diz que se acostumou a ser tratado de maneira diferente.
É um excesso de zelo, só faltam me colocar no colo, como se eu fosse bibelô tão frágil ao ponto de quebrar ao ouvir um 'não'. Aí na hora [os recrutadores] dizem 'sim, sim, sim' até que depois recebo um 'não' por mensagem de uma pessoa que sequer me entrevistou. A política pública para pessoa com deficiência não funciona porque as empresas não querem. Somos invisibilizados.
Francisco Reginaldo dos Santos, o Régis Negro, deficiente visual desempregado
Cansado de ouvir que "não tem o perfil da vaga", Régis Negro decidiu trabalhar por conta própria. Com o auxílio financeiro da esposa, montou uma barraca para vender bananas na rua em Guarulhos. A presença de um dos filhos, uma espécie de assistente que contava o dinheiro, impedia que clientes mal-intencionados tentassem aplicar golpes financeiros, segundo ele.
Muita gente foi honesta comigo, assim como muita gente também não foi. É engraçado que teve pessoas que me passaram a perna e depois voltaram para pedir desculpa.
Régis Negro
Trabalho informal garantiu sobrevivência
A experiência da informalidade durou cerca de um ano. Recentemente, Régis Negro fez um curso de massoterapia na Fundação Dorina Nowill para Cegos, que atua pela inclusão social de pessoas com deficiência visual. Ele ainda não sabe se será autônomo ou se vai insistir para ser contratado por uma empresa, mas diz que tentará de tudo para garantir o arroz e o feijão na mesa.
A gerente executiva de RH da Fundação Dorina Nowill, Graça Martins de Oliveira, observa que pessoas com deficiência ainda são tratadas como uma cota a ser cumprida em algumas empresas. Ela avalia que é comum que PCDs busquem trocar de área para ter uma chance de contratação, diferentemente do que acontece com profissionais que vão atrás de novos desafios na carreira por vontade própria.
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Quero receberExiste dificuldade de recolocação e inclusão no mercado, mas também pode ser uma questão de habilidade adicional. Eu entendo que a falta de oportunidade faz uma pessoa buscar outros caminhos.
Graça Martins de Oliveira, gerente de RH da Dorina Nowill
Perto de completar 60 anos, Régis Negro adiciona uma preocupação a mais em sua vida: trabalhar na terceira idade. E há outra urgência nisso: em breve terá que deixar a casa onde mora de favor há três anos, e que ele precisa construir um barraco, em suas palavras, para viver com a família. Se nada seguir como o esperado, o pedagogo não descarta voltar a vender bananas. "Sem problema algum", diz.
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