Contra privatizar, empregados da Sabesp boicotam pesquisa de clima interno
A Sabesp perdeu a certificação dada pela renomada consultoria GPTW (Great Place to Work), que reconhece empresas que têm bom ambiente de trabalho, após os funcionários boicotarem a pesquisa anual de clima interno para protestar contra o projeto de privatização da companhia, dizem três colaboradores com conhecimento do assunto ouvidos pelo UOL. Agora, a diretoria tenta reverter o prejuízo à imagem da companhia.
Empregados 'se calaram' para o GPTW
As fontes ouvidas pela reportagem dizem que os trabalhadores combinaram um boicote à pesquisa do GPTW feita no final de 2023, mesmo cientes de que o formulário é preenchido sob anonimato. Dos cerca de 11 mil funcionários da Sabesp, 4.061 — 35% do quadro total — participaram da pesquisa de clima organizacional entre 11 de setembro e 11 de outubro de 2023, segundo dados internos sobre o levantamento, aos quais o UOL teve acesso. Em 2022, a participação no GPTW havia sido de 49%.
A reportagem teve acesso ao resultado da pesquisa divulgado internamente pela Sabesp aos seus empregados. O índice de aprovação da empresa de saneamento como um bom lugar para trabalhar foi de 64%, abaixo do mínimo de 70% necessário para receber a certificação. Nos dois anos anteriores, 72% do total de respondentes aprovaram o clima para trabalhar na Sabesp.
No documento interno, a Sabesp compartilhou comentários dos empregados sobre o que precisa ser melhorado na gestão de André Salcedo como presidente da empresa, incluindo dúvidas sobre o processo de privatização e críticas à falta de transparência na companhia. Confira abaixo alguns deles:
[Falta] A definição clara sobre como o processo de privatização vai ser conduzido.
Transparência! Ainda existe muita coisa que a empresa não divulga e deixa todos os colaboradores às cegas e ansiosos, principalmente na fase de mudanças que estamos passando.
[É necessária] Mais contratação de trabalhadores, visto que os que saem não estão sendo repostos.
Funcionários da Sabesp que responderam anonimamente à pesquisa do Great Place to Work em 2023
Para um dos empregados ouvidos pelo UOL, o resultado da pesquisa mostra o atual momento da Sabesp. "Uma parcela está com medo do que vai acontecer se a privatização for concretizada. E a outra está desanimada, sem perspectiva de construir carreira na empresa", disse.
Presidente diz que abriu diálogo, mas funcionários rebatem
A perda do simbólico selo de bom lugar para trabalhar do GPTW contrasta com a imagem que a atual gestão quer transmitir. O presidente da Sabesp, André Salcedo, disse recentemente em um evento que o diálogo com a equipe tem feito com que o "medo da privatização comece a deixar de existir".
Por outro lado, um funcionário da companhia ouvido pela reportagem reclama que a diretoria não dá espaço para ouvir a equipe, que vive sob "clima de intimidação". "Eles [diretores da Sabesp] conversaram com alguém? Não. Ele [André Salcedo] faz lives, mas só ele fala. Não se cria na empresa um clima em que as pessoas possam expressar o que pensam", afirma o empregado.
Nos últimos dias, executivos do alto escalão da Sabesp se reuniram para discutir uma solução para reconquistar o GPTW em 2024. A Sabesp confirmou que atrelará resultado da pesquisa de clima organizacional ao PPR (Programa de Participação nos Resultados) da diretoria, dos superintendentes e gerentes.
Questionada pelo UOL, a companhia afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a medida não será aplicada aos demais funcionários.
Sabesp argumenta que 'reorganização' impactou pesquisa
O ano de 2023 também foi o primeiro em que Salcedo comandou a companhia. Ele, que foi indicado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), está à frente de um processo de reestruturação que inclui o enxugamento de despesas com pessoal, por exemplo. Uma das principais iniciativas desse plano é o PDV (Plano de Demissão Voluntária), que já impactou cerca de 1.800 cargos.
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Quero receberA empresa de saneamento conquistou a certificação Great Place to Work em 2021 e 2022. No último relatório de sustentabilidade, publicado há dois anos, a Sabesp declarou que atingiu "ótimos índices" na pesquisa de clima organizacional. A companhia nunca entrou no ranking de "Melhores empresas para trabalhar", apenas recebeu o selo da pesquisa.
Procurada, a Sabesp reconheceu que deixou de ganhar a chancela do GPTW em 2023. A companhia de saneamento diz que "mudanças no cenário externo" e "a reorganização empresarial interna" impactaram o resultado da pesquisa. No entanto, não respondeu aos questionamentos sobre o boicote por parte dos funcionários.
O GPTW também confirmou a informação. Em nota, a consultoria diz que a Sabesp não consta na lista de empresas certificadas, mas não esclareceu quantos funcionários participaram da pesquisa em 2023 e em anos anteriores. "Não divulgamos as empresas que participam do processo, apenas as empresas certificadas e ranqueadas", destaca.
Em 2023, mudanças no cenário externo e a reorganização empresarial interna impactaram o resultado da pesquisa.
Para reforçar o compromisso com o bom ambiente de trabalho, a Sabesp adotou em 2024 o impacto do resultado da pesquisa de clima organizacional na PPR da diretoria, dos superintendentes e gerentes, o que é permitido de acordo com as regras gerais da GPTW. Importante destacar que o mesmo não se aplica à PPR dos demais empregados.
Sabesp, em nota
Como funciona o GPTW
O GPTW envia um questionário às empresas interessadas. Nele, as perguntas feitas aos funcionários abordam aspectos do ambiente de trabalho como liderança, desenvolvimento, comunicação, entre outros. A partir dessa percepção, a companhia recebe uma avaliação superior a 70% ganha o selo durante um ano, segundo o GPTW.
As respostas são anônimas e individuais, diz a consultoria. O GPTW afirma em seu site que as organizações devem seguir o termo de compromisso, ou seja, não podem obrigar os empregados a responder às perguntas ou cobrar respostas deles, bem como coagir ou oferecer bonificações por participarem da pesquisa.
O processo de certificação é diferente do de premiação das melhores empresas. Enquanto o primeiro utiliza exclusivamente a avaliação dos funcionários, o segundo conta com especialistas do GPTW que analisam as práticas de gestão de pessoas das companhias já certificadas.
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