'Pet Laranja Lima', 'Cãocun': por que há tantos trocadilhos em pet shop?

Em 2016, quando decidiram abrir um pet shop em São Paulo, os pais, os irmãos e a cunhada da designer Corine Cardoso Maria, na época com 28 anos, sentaram para definir um nome para o futuro estabelecimento. A ideia era encontrar um trocadilho com a palavra pet. Mais de 50 possibilidades foram levantadas. Algumas foram descartadas já na primeira fase.

Nomes como "Meu pet", direto e minimalista, caíram nas eliminatórias. A ideia até agradou, mas não estava liberada para registro.
A família pensou, então, em alternativas como "Pet Feliz". Mas alguma coisa não ornava.

Da pesquisa de mercado realizada pelos irmãos ligados à publicidade, estava definido apenas que a identidade visual teria as cores laranja e verde. Veio dali a sacada do publicitário Kaike Cardoso, irmão mais velho de Corine: que tal "Meu Pet Laranja Lima"?
A ideia só não foi aprovada por unanimidade porque, a princípio, a designer teve receio. Mas logo ela percebeu que o nome tinha ritmo e ajudava as pessoas a memorizarem a marca. "Todo mundo conhece o livro", relembra Corine, em referência ao clássico de José Mauro de Vasconcelos, "Meu Pé de Laranja Lima".

Apesar do trocadilho, a associação não tinha nenhum significado profundo, explica ela. "O livro se passa no Rio, conta a história de uma criança de cinco anos que vive muitos perrengues na infância. Não tem muito a ver com nosso negócio. Mas 'Meu Pet Laranja Lima' tinha sonoridade e trocadilho. E pet shop é sinônimo de nomes com trocadilho", afirma.

Corine tem razão. É difícil andar pelas ruas do país (sim, o fenômeno é nacional) e não se deparar com nomes, digamos, criativos para lojas de serviços para animais.

São Paulo, por exemplo, tem uma infinidade de lojas do tipo com nomes sugestivos. Tem o Bem Locão, o CãoCun, o CãoBalhota e o Laicão, que aparentemente respeita todo tipo de crença animal.

O fenômeno afeta também os negócios das clínicas veterinárias. Campinas, por exemplo, têm a clínica Cãopinas. Um clássico.

"Eu queria um nome diferente para meu pet shop. Aí vi o meme de uma cabeleireira que chamava Leila e criou um salão chamado CabeleLeila. Fiquei pensando por uns dias e surgiu a ideia", diz Joana Darc Gouveia Silva, dona do Cãobelereiro, em Piracicaba. "Foi a melhor coisa do mundo. As pessoas ficam mais felizes em trazer seus peludos para cá", diz.

"Como mãe de pet, posso dizer: funciona. Quando você está pensando 'onde será que tem um pet?' por perto, sempre surge na sua mente a exata esquina onde você lê a palavra 'Buticão'", explica a jornalista e doutora em ciência política Fhoutine Marie, tutora de três gatos: Tempestade, Bonança e Snarff.

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Riscos de clichê

Meu Pet Laranja Lima
Meu Pet Laranja Lima Imagem: Divulgação

Segundo Laura Marcon de Azevedo, publicitária e cofundadora da Ouki Experiências, empresa especializada em naming (como é conhecido o processo de escolha do nome de uma marca), muitas vezes os trocadilhos são uma exigência de clientes que já chegam à agência enviesados pela concorrência. E essa tendência é comum em donos de pet shops. O risco é cair no clichê. E é aí que o bicho pega.

"Os trocadilhos são facilmente memoráveis. Criam simpatia, são acessíveis, e podem evocar emoções positivas no público, fazendo com que ele se sinta mais próximo e conectado ao negócio. Mas se todo mundo fizer a mesma coisa ninguém se destaca."

Um exemplo citado pela especialista é o onipresente "Au Que Mia", que hoje está para os pet shops do Brasil assim como a rua Voluntários da Pátria está para qualquer cidade do interior. "Funcionou inicialmente para a primeira pessoa que pensou na ideia. As pessoas acharam legal e descolado porque tinha um tom mais acolhedor e próximo. Mas caiu no clichê depois que muitos outros colocaram esse mesmo nome em suas marcas", diz.

Azevedo alerta que a escolha do nome de uma marca não pode ser guiada por modismo. Ou porque alguém viu alguém fazer. "As marcas querem ficar na boca do povo. Mas tem que ver se a escolha faz sentido com a ideia que a empresa quer passar. Um pet shop com uma linha mais sofisticada e elegante, se tiver trocadilho, pode fugir do público-alvo. É preciso fazer um estudo antes. O nome não pode ser a primeira ideia. Tem que ter uma estratégia antes. O critério não pode ser só porque é divertido ou porque todo mundo está fazendo. Senão, a marca perde autenticidade e não se destaca."

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Ela afirma, no entanto, que trocadilhos não tiram necessariamente a seriedade dos negócios. Mesmo no caso de clínicas veterinárias. "O nome pode dar mais leveza, acolhimento e aconchego em um momento difícil para os tutores. Se o nome vai fazer o público rir, mas ainda assim ele confia no serviço oferecido, ele já atingiu o público certo. Mas é claro que existe uma linha tênue quando extrapola e cai em algo ofensivo".

Lugar de ser feliz é pet shop

Segundo o Instituto Pet Brasil, o Brasil possui atualmente 285 mil estabelecimentos dedicados a animais, contando consultórios, clínicas, agrolojas e varejos de alimentos. Não existe, claro, um levantamento a respeito da porcentagem de lojas com trocadilhos no país. O que se sabe é que o setor de produtos e serviços para animais de estimação movimenta cerca de R$ 50 bilhões ao ano. E que o Brasil possui atualmente 149,6 milhões de pets, segundo a entidade.

Conseguir destaque nessa briga, literalmente, de cachorro grande é para poucos. Corine Maria, do Meu Pet Laranja Lima, se orgulha do dia em que o slogan que ajudou a criar foi parar no Buzzfeed em um compilado de nomes criativos e que, segundo a publicação, só faziam sentido no Brasil.

"Não tenho uma pesquisa para dizer o que explica tantos trocadilhos em nomes de pet shop. Já vi posts com compilados de estabelecimentos como 'O Senhor dos Pasteis'. O brasileiro gosta do trocadilho, é algo cultural. Acredito que o segmento pet shop é um segmento de alegria. Os bichos trazem isso para a gente. Não tem razão para você ter um animal em casa que não seja para dar alegria aos tutores. E isso tem a ver com diversão. Ter um nome divertido no segmento cria essa associação", explica a designer.

"Um hospital, que deve sempre mostrar seriedade, não poderia fazer esse tipo de brincadeira. Mas em pet shop essa desconfiança não existe. Ninguém vai ser menos confiável por ter um nome divertido. Então isso se popularizou. A maioria das pessoas gosta. Crítica mesmo a gente só vê na internet, que é um lugar de pessoas azedas. Mesmo assim são poucas."

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A reportagem entrou em contato com outros estabelecimentos convidando seus proprietários a falarem sobre o seu processo criativo, entre eles o paulistano Cão Peão dos Cão Peões, o barueriense Pontocão.br e o araraquarense "Pêlo Não, Pêlo Sim". Não houve resposta até o fechamento deste texto.

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