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Análise: Uso do poder estatal em Libra será teste para futuros leilões

Sabrina Lorenzi

18/10/2013 21h10

RIO DE JANEIRO, 18 Out (Reuters) - A greve dos petroleiros e as manifestações de movimentos sociais de esquerda contra o leilão de Libra desconsideram o que justamente afastou algumas das maiores petroleiras ocidentais do certame: o forte poder governamental sobre as reservas petrolíferas, com elevado potencial de retorno financeiro para o Estado brasileiro.

Os trabalhadores da Petrobras entraram em greve na quinta-feira, por tempo indeterminado, em protesto contra o leilão da área gigante do pré-sal, previsto para acontecer na segunda-feira. Manifestantes invadiram o prédio do Ministério de Minas e Energia em Brasília contra o que acreditam ser a venda da riqueza brasileira para empresas estrangeiras.

No entanto, o que estará em jogo no leilão da próxima semana é a viabilidade do regime de partilha, inédito no mundo, que busca atrair investidores pelo enorme volume de petróleo ofertado, a despeito das condições contratuais restritivas para as sócias das estatais Pré-sal Petróleo SA (PPSA) e Petrobras.

O comportamento da PPSA, poderosa estatal criada para representar a União na gestão da área de Libra, será o grande teste do novo regime de partilha de produção e determinará a continuidade deste modelo para os demais leilões do pré-sal, avaliam especialistas e executivos do setor consultados pela Reuters.

A presença de investidores interessados em explorar o volume de 8 bilhões a 12 bilhões de barris recuperáveis em Libra é tida como certa pelo setor, ainda que com a possibilidade de pouca ou nenhuma concorrência. Mas há dúvidas no mercado quanto a sustentação de novos leilões nesse mesmo formato.

As regras dão plenos poderes à PPSA para decidir sobre a estratégia de Libra. E entregam a operação da área à Petrobras. As estatais brasileiras terão pelo menos 65 por cento do poder de voto sobre as decisões estratégicas da área exploratória.

"O setor de petróleo vai observar como será a gestão da PPSA; estaremos atentos sobre como será usado todo o poder que lhes foi dado neste regime e sem dúvida isso deverá nortear os próximos leilões do pré-sal", afirmou o ex-presidente no Brasil da gigante petrolífera britânica BG Luiz Costamilan, que prestou consultoria a interessados neste leilão.

A gestão das estatais brasileiras definirá se os próximos leilões do pré-sal vão atrair outras companhias além das 11 inscritas para a primeira rodada, ou se irá afugentar as existentes.

"É um modelo inédito no mundo ... a PPSA tem muito poder sem investir", disse recentemente Denis Palluat, presidente da francesa Total, inscrita para participar do leilão de Libra.

O importante para o governo, de acordo com avaliação de dois executivos do setor, que falaram sob condição de anonimato, é receber o bônus de R$ 15 bilhões e contar com a presença das asiáticas para realizar os pesados investimentos necessários ao desenvolvimento da área gigante.

"A razão principal do interesse dessas companhias orientais é o acesso a volumes e por isso elas podem aceitar um retorno talvez um pouco menor do que poderiam 'majors' como Exxon e Chevron, que não vão participar", disse Costamilan, acrescentando que "não há dúvida" que haverá ofertas para o leilão.

Se inscreveram para o certame as estatais chinesas CNOOC e CNPC, bem como a japonesa Mitsui, a indiana ONGC e a malaia Petronas. A Sinopec, da China, também poderá ter participação indireta no leilão, por meio das inscritas Repsol Sinopec (uma parceira com a espanhola Repsol) e da Petrogal (parceria com a portuguesa Galp).

Também estão inscritas a colombiana Ecopetrol, a anglo-holandesa Shell e a francesa Total.

As empresas que eventualmente não conseguiram formar um consórcio com a Petrobras podem ter desistido de participar, por causa da força da estatal brasileira, avaliaram as fontes ouvidas pela Reuters.

Para a Petrobras, disse uma das fontes, é melhor mesmo que haja pouca concorrência, para que ela não seja obrigada a acompanhar eventuais propostas com pouco retorno financeiro.

As empresas disputarão até 70% da participação na área de Libra, já que a Petrobras será a operadora da área com no mínimo 30% de participação em qualquer consórcio que ficar com a área.

Quem oferecer a maior parcela de óleo à União ganhará a licitação. A parcela mínima que caberá à União é de 41,65% do petróleo, descontados os custos de produção.

Gigantismo

O gigantismo de Libra e o alto custo de extração de petróleo no pré-sal ameaçam sobrecarregar a Petrobras. Sua capacidade de operar com rapidez no campo também é foco de atenção do setor. Há quem diga que o leilão vai desencorajar investimentos da estatal em outras áreas e limitar, a longo prazo, os benefícios da produção de petróleo.

Libra deverá atingir um pico de produção de 1,4 milhão de barris de petróleo por dia (bpd) entre 10 a 15 anos depois da assinatura do contrato, estimou a Agência Nacional de Petróleo (ANP) nesta semana, às vésperas do leilão.

Para alcançar esse pico, serão necessários de 12 a 18 plataformas e entre 60 a 80 barcos de apoio.

A presidente Dilma Rousseff espera que Libra possa gerar ganhos de R$ 368 bilhões ao longo de 35 anos, fazendo mais do que tornar o Brasil um país mais rico. Ao pagar pela melhoria de serviços como educação e saúde, diz ela, Libra também irá reduzir a grande distância entre ricos e pobres.

Mas as expectativas positivas não evitaram a insatisfação de segmentos da sociedade brasileira com o leilão, com a necessidade de convocar, inclusive, tropas do Exército, para assegurar o evento.

Em peça publicitária contra o leilão, sindicatos de petroleiros lembram que a presidente prometeu que não privatizaria o pré-sal. Cobram de Dilma Rousseff o fim dos leilões de petróleo. O que o comercial não diz é que o governo será soberano nas decisões e estratégia, incluindo prazos, planos e ritmo de desenvolvimento dos campos de Libra.

Os que protestam também parecem desprezar, por exemplo, que as exportações de petróleo pelas empresas do consórcio vencedor de Libra poderão ser canceladas caso o governo considere que há risco de desabastecimento de óleo ou derivados no país.