'Sônia Livre': ato cobra STF por demora em caso que gerou comoção nacional
Nesta terça-feira (16), um ato pedindo a liberdade de Sônia Maria de Jesus ocorre em frente à sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
Num caso de ampla repercussão, ela foi resgatada em uma operação realizada por servidores de cinco órgãos públicos, em junho do ano passado, após uma denúncia anônima. As investigações apontaram Sônia como vítima de trabalho análogo a escravidão doméstica ao longo de 40 anos na residência da família de Jorge Luiz Borba, em Florianópolis, desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC).
Os organizadores da mobilização desta terça-feira pedem que o STF acelere o julgamento de um habeas corpus (HC) apresentado pela Defensoria Pública da União. Na ação, o órgão federal solicita que Sônia deixe a casa dos Borba, onde ela voltou a viver em setembro de 2023 (entenda os detalhes abaixo), e retome o processo de ressocialização e reconexão com a família biológica, que mora em São Paulo.
O ato faz parte da campanha "Sônia Livre" e integra a programação da 5ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que se encerra na quarta (17), na capital federal. Sônia tem deficiência auditiva e visão monocular (em apenas um olho), além de apresentar limitações na sua capacidade de comunicação.
"Ela tem todos os marcadores de vulnerabilidade da violência: mulher, negra, com deficiência, periférica", afirma Patrícia Almeida, fundadora do Eu Me Protejo, organização de combate à violência infantil que participa da manifestação.
"O caso Sônia é bastante emblemático e revela o contrário do que estipula a política pública de combate ao trabalho análogo ao escravo, que tem como princípio basilar a restauração dos direitos da vítima e a responsabilização dos responsáveis pela sua escravização", afirma Xavier Plassat, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade que também apoia o ato desta terça-feira no STF.
O desembargador Jorge Luiz Borba nega que tenha submetido Sônia à escravidão doméstica e afirma que ela era tratada como membro da família. Após a fiscalização de junho do ano passado, ele entrou com um pedido de reconhecimento de paternidade socioafetiva. "As acusações sustentadas pelos órgãos de investigação estão sendo desmentidas em processos sob sigilo que tramitam em várias instâncias da Justiça brasileira", afirma nota da defesa.
Família biológica cria campanha 'Sônia Livre'
Desde que a história veio à tona, os seis irmãos biológicos mais novos vêm tentando se reaproximar de Sônia. Eles já manifestaram o desejo de reintegrá-la ao convívio familiar, na capital paulista.
Ao longo dos últimos doze meses, os irmãos têm visitado a primogênita, em Florianópolis. Os encontros, no entanto, precisam ser previamente agendados com representantes dos Borba.
Até o momento, eles também não conseguiram autorização para realizar dois desejos: ficar uma noite com Sônia em Florianópolis e passar um fim de semana com ela em São Paulo. "Isso nos auxiliaria quanto aos custos porque ir para Florianópolis não é barato", afirma Marcelo de Jesus, um dos irmãos.
Devido à demora do julgamento do habeas corpus pelo STF, a família biológica de Sônia lançou uma campanha nas redes sociais chamada "Sônia Livre".
"Durante esse período de um ano, a Justiça não se movimentou. O movimento foi criado justamente com essa intenção de fazer com que as coisas não caiam no esquecimento", explica Marcelo de Jesus.
Organizações ligadas ao movimento Sônia Livre sustentam que a lentidão para o julgamento do HC pelo STF contraria o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, aprovado em 2021 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Casos como o de Sônia deveriam ter prioridade e precisariam ser julgados com mais rapidez, diz uma nota pública assinada pela Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas e pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais, dentre outras entidades.
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Quero receberUm abaixo-assinado na plataforma de petições eletrônicas Avaaz também foi criado para pressionar a suprema corte a acelerar o julgamento do HC.
Procurada, a assessoria de imprensa do STF não retornou até o fechamento da reportagem.
Relembre o caso
Sônia Maria de Jesus foi resgatada em junho de 2023, numa operação realizada por servidores de cinco órgãos públicos: Defensoria Pública da União, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego e Polícia Federal.
Segundo as investigações, ela dormia em um quarto mofado nos fundos da casa da família Borba, localizada em um condomínio de luxo da capital catarinense. Ainda conforme as autoridades, Sônia era responsável pelas tarefas domésticas, mas não recebia salário e nem tinha descanso semanal fixo.
Após a operação, ela foi conduzida a uma instituição de acolhimento para iniciar um processo de ressocialização. No curso do processo, Sônia teve diagnosticado um mioma no útero e precisou extrair dentes devido ao comprometimento de sua saúde bucal.
Três meses após a operação, o STJ deu aval para que a família Borba visitasse Sônia no abrigo e a levasse de volta para casa, caso demonstrasse "vontade clara e inequívoca". A medida foi confirmada pelo ministro André Mendonça, do STF.
Apesar de a decisão do STJ autorizar somente a visita do desembargador Jorge Luiz Borba e de sua esposa, o casal foi ao abrigo acompanhado de advogados e diversos parentes, incluindo crianças com quem Sônia tinha contato.
Segundo um relatório dos órgãos públicos envolvidos no caso, a visita foi "uma estratégia pensada de manipulação e controle psicológicos, típicos de relacionamentos abusivos". O documento sustenta que Sônia teria sido "induzida" a tomar a decisão de voltar para a casa dos Borba. Desde então, ela tem vivido com a família do desembargador e se encontrado eventualmente com os irmãos biológicos.
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