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Opinião

Uber dobra aposta no marketing em seu aniversário de dez anos no Brasil

Pouca gente sabe, mas antes de a Uber virar a marca mais conhecida de aplicativo de transporte do mundo, a empresa era chamada de Ubercab. Em inglês, "cab" quer dizer táxi.

Já no seu nascimento, a plataforma — que na semana passada completou uma década de operação no Brasil, com uma pesada campanha publicitária — deixava claro seu verdadeiro DNA: levar pessoas de um lugar para outro. Como um táxi.

Porém, não demoraria para que a Uber calibrasse o discurso e repaginasse a própria imagem, vendendo-se como "empresa de tecnologia" com a missão de meramente "intermediar" a relação entre prestadores de serviços autônomos e consumidores finais.

Mais do que uma sacada de marketing, a guinada na narrativa tinha um propósito jurídico claro: driblar uma série de regulamentações nos países em que a companhia decidiu entrar, até mesmo clandestinamente. A mais importante delas é, sem dúvida alguma, a questão trabalhista.

Deixar de pagar direitos básicos — como férias, 13º, horas extras, Previdência Social — e afastar o reconhecimento do vínculo empregatício, nos moldes previstos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), sempre foi a principal bandeira da Uber no Brasil. Caso contrário, seu modelo de negócios iria por água abaixo, repetiam seus porta-vozes.

Desde sempre, representantes e advogados da empresa gastaram muita saliva para convencer a opinião pública — e, sobretudo, políticos e juízes — de que os motoristas não são subordinados ao aplicativo, e que têm autonomia para fazer o próprio horário, trabalhando quando bem entenderem.

Motoristas não sabem quanto a Uber desconta das corridas

Só que a história de "autonomia" nunca foi bem assim. Basta lembrar que, no começo da operação da Uber no Brasil, os condutores não sabiam nem para onde deveriam levar os passageiros, quando aceitavam uma corrida. Depois de alguma gritaria, a empresa até reviu o sistema, por questões de segurança.

Contudo, os trabalhadores do app até hoje sequer têm informações sobre a comissão do aplicativo descontada ao final de cada viagem — em alguns casos, a mordida chega a até 50% do valor pago pelo cliente.

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Os motoristas também seguem sem qualquer autonomia para negociar o valor das corridas e não contam com permissão para colocar outra pessoa em seu lugar para dirigir o carro.

Na prática, a liberdade de trabalhar na hora que quiser se transformou, para muita gente, na necessidade de rodar 12, 14, 16 horas por dia. Sem falar nas recorrentes queixas sobre punições indevidas e desligamentos arbitrários, realizados unilateralmente pela plataforma.

Apesar disso, o argumento da Uber emplacou durante bastante tempo na Justiça do Trabalho do Brasil. Nos releases disparados por sua assessoria de imprensa, a companhia costumava frisar que sua atuação estava amparada por milhares de decisões de magistrados país afora, negando o reconhecimento do vínculo empregatício.

Nos últimos anos, com a mobilização de motoristas, a intensificação da cobertura da mídia e a criação de legislações internacionais mais protetivas, a maré começou a mudar. A Justiça do Trabalho passou a questionar os argumentos da Uber e a se mostrar mais sensível aos apelos de motoristas que reivindicavam direitos.

O contra-ataque da empresa mirou o Supremo Tribunal Federal (STF). Recentemente, os ministros da corte — conhecidos pela pouca simpatia por matérias trabalhistas — entraram no jogo e, em sua maioria, sinalizaram apoio à tese da Uber.

Hoje, a empresa até apoia a regulamentação da atividade por parte do Congresso Nacional e se predispõe a pagar parte do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), desde que evidentemente não precise assinar a carteira dos quase 1 milhão de motoristas cadastrados em sua plataforma.

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Festa de dez anos da Uber distribuiu prêmios a campeões de corridas

No seu aniversário de dez anos, a empresa não deu muita bola para a pauta trabalhista e dobrou a aposta no marketing.

Numa programação intensa, que incluiu uma reunião do CEO global com o presidente Lula, a Uber anunciou doações de R$ 10 milhões a vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, além de planos para a expansão da frota de carros elétricos, diante das ameaças do aquecimento global.

Seguindo sua tradicional técnica de "gamificação", aquela que transforma o trabalho numa espécie de gincana viciante, também distribuiu prêmios de R$ 10 mil aos motoristas campeões em corridas em uma cerimônia de pompa.

Na Justiça e nas rodas de Brasília, a Uber parece mesmo estar levando a melhor, assim como nos negócios: a companhia tem 80% do mercado de aplicativos, no melhor estilo "o vencedor leva tudo", tão caro ao Vale do Silício, meca das big techs.

Curiosamente, o mesmo ainda não se pode dizer da batalha por corações e mentes. Mesmo que seja vista como salvação da lavoura para muitos desempregados, como mostra pesquisa Datafolha encomendada pela companhia, vai levar um bom tempo para que a Uber deixe de ser vista como sinônimo de precarização do trabalho. Se é que isso um dia vai acontecer.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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